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Covardia coletiva no Senado
O Estado de S. Paulo
Senadores preocupados exclusivamente com a eleição, e não com o País, aprovam uma PEC que atropela leis e moralidade para autorizar Bolsonaro a comprar votos
Na noite de quinta-feira, o Senado aprovou
uma aberração fiscal, moral, social e institucional. Não apenas condescendeu
com uma manobra bolsonarista eleitoreira e antidemocrática, como aceitou
inscrevê-la na própria Constituição. O Senado, que em diversos momentos foi
resistência à barbárie e ao retrocesso de Jair Bolsonaro, aprovou em dois
turnos, com um único voto contrário, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
1/2022, que institui o estado de emergência até o fim do ano com o único e
exclusivo intuito de burlar a legislação eleitoral e criar benefícios sociais
às vésperas da eleição.
A votação é o marco histórico de um retrocesso sem precedentes. Em tramitação relâmpago, os senadores autorizaram que a Constituição seja alterada – sem estudo, sem planejamento, sem debate, ignorando as consequências fiscais, sociais e institucionais – para mudar casuística e arbitrariamente as regras do jogo democrático, de forma a permitir o mais deslavado clientelismo. Depois disso, restará algum limite para conter o descalabro e a desfaçatez?
Com frequência, o presidente Bolsonaro
reclama que seu cargo tem um poder muito limitado, mas a aprovação da PEC
mostrou o exato oposto, explicitando a influência que um presidente da
República, por mais fraco e incompetente que seja, tem sobre o Congresso. A
irresponsabilidade do Executivo – seu descaramento de desprezar todos os
limites morais e legais para fins eleitorais – contagiou o Legislativo.
A covardia coletiva dos senadores é,
também, prova de que o problema moral, cívico e político do País não se
restringe ao bolsonarismo. Não há oposição digna do nome. Não há coerência
mínima entre os que afirmam ser a resistência contra o retrocesso bolsonarista.
Não adianta o PT chamar Bolsonaro de genocida e depois aprovar a aberração da
PEC 1/2022, que inventa estado de emergência para burlar regra eleitoral e
fiscal. Não adianta os senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Tasso Jereissati
(PSDB-CE) tentarem resgatar a esperança de uma opção responsável para 2023, se
depois avalizam uma mudança constitucional que cria benefícios eleitoreiros por
fora do teto de gastos, da regra de ouro e da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ademais, a votação da PEC 1/2022 confirma
um princípio fundamental da vida democrática: a decisão sobre o voto é sempre
pessoal e intransferível. Corajoso e coerente, o voto do senador José Serra
(PSDB-SP) contrário à PEC 1/2022 entra para a história, pois mostra que nem
todos os senadores aceitaram a irresponsabilidade fiscal e institucional. Nem
todos aceitaram chamar de “benefício social” o que é escandalosa compra de
voto. Houve um que, honrando o mandato parlamentar conferido pelo eleitor
paulista, foi fiel ao interesse público e à Constituição.
Contra tudo e contra todos, no mais genuíno
espírito de Quixote, José Serra não se curvou a Jair Bolsonaro nem se apavorou
ante a perspectiva de ser acusado pela malta bolsonarista de prejudicar os
pobres. Aliás, diga-se, o único a se preocupar genuinamente com os pobres
naquele acoelhado Senado foi Serra, pois a miséria se perpetua quando a elite
dirigente, como fez a quase totalidade dos senadores, despreza a Constituição,
ignora as leis e administra irresponsavelmente o dinheiro público.
É esse vigor cívico encontrado no voto de
Serra que se pede aos deputados quando forem avaliar a PEC. Não é porque o
Senado se submeteu ao cabresto de Bolsonaro que os integrantes da Câmara devem
fazer o mesmo, ratificando a destruição não apenas da prudência fiscal e da
integridade das regras eleitorais, como do próprio sentido da Constituição –
que, de instrumento de proteção da democracia, foi transformada por malandros
em meio para burlar impunemente as regras do jogo.
São muitas e urgentes as necessidades
sociais do País, mas isso não pode ser pretexto para dar R$ 41,2 bilhões a
Bolsonaro para comprar votos. O Senado sucumbiu. Cabe agora à Câmara decidir
com qual atitude deseja entrar na história: a coragem ou a covardia.
Tragédia educacional na América Latina
O Estado de S. Paulo
Banco Mundial e Unicef estimam que, em razão da pandemia, 4 em cada 5 alunos latino-americanos nãoconseguem ler e interpretar textos no 6.º ano do fundamental
O atraso da educação na América Latina e no
Caribe, problema anterior à pandemia de covid-19, ganhou contornos ainda mais
dramáticos após o prolongado fechamento de escolas nos últimos dois anos. Uma
nova estimativa do Banco Mundial e do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(Unicef), em colaboração com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco), aponta que, na região, quatro em cada cinco
alunos do 6.º ano do ensino fundamental não conseguem entender e interpretar
textos de maneira adequada.
O alerta sobre o problema, de consequências
avassaladoras, consta de relatório lançado no último dia 23 de junho. De acordo
com o documento, pode ter havido um retrocesso de mais de dez anos nos
resultados de aprendizagem, afetando principalmente crianças em fase de
alfabetização − com impacto ainda maior entre alunos de perfil socioeconômico
mais baixo. O que já seria grave em qualquer cenário fica ainda pior quando se
recorda que os indicadores educacionais da América Latina e do Caribe, na
média, deixavam muito a desejar antes da pandemia.
O relatório leva o nome de Dois anos
depois: salvando uma geração. É exatamente disso que se trata: salvar uma
geração de estudantes cuja vida escolar foi atropelada não somente pela
pandemia, mas pela interrupção exageradamente longa das aulas presenciais e por
deficiências na oferta da educação remota. Ainda que professores e redes de
ensino tenham se esforçado, esbarraram na falta de acesso à internet e em
deficiências de infraestrutura, além da própria inexperiência docente em
educação a distância.
O documento informa que, na média, as
escolas da América Latina e do Caribe ficaram total ou parcialmente fechadas
durante 58 semanas de aula entre março de 2020 e março de 2022 − o que faz da
região a terceira com maior período de suspensão do ensino presencial no
planeta. Apenas o sul da Ásia e a América do Norte registraram número maior,
com 66 e 63 semanas respectivamente. Vale ressaltar, porém, que, na América do
Norte, somente 7 das 63 semanas tiveram fechamento total de escolas, ante 29 na
América Latina e Caribe (e 35 no sul asiático).
Os cerca de 170 milhões de estudantes
latino-americanos e caribenhos ficaram sem ensino inteiramente presencial, na
média, em um a cada dois dias de aula, segundo o documento. Não surpreende,
portanto, o tamanho do prejuízo: é notório que o ensino remoto, mesmo em condições
adequadas, não se equipara à experiência presencial em sala de aula. Isso é
especialmente verdadeiro para alunos cujos pais ou responsáveis têm pouca
escolaridade e baixa renda.
O relatório faz um prognóstico sombrio: o
déficit de aprendizagem registrado durante a pandemia poderá reduzir em 12% a
renda que os atuais alunos terão ao longo da vida. Isso por causa das perdas
educacionais, sem falar nos demais prejuízos. A publicação menciona que o
subcontinente foi a região do mundo com mais mortes per capita por covid-19:
embora concentre 8% da população global, respondia por 28% das mortes
relacionadas ao coronavírus. Além disso, a América Latina e o Caribe sofreram
os piores impactos na atividade econômica e apresentavam as mais baixas
perspectivas de recuperação.
Na educação, vários desdobramentos ainda
não são inteiramente conhecidos: um deles diz respeito ao risco de que mais
estudantes abandonem os estudos, no atual ano letivo, em decorrência do atraso
escolar. Isso, por óbvio, vai depender da resposta de cada país. No Brasil, em
termos de poder público, as esperanças recaem sobre governos estaduais e
municipais, considerando que o Ministério da Educação (MEC), sob o governo Bolsonaro,
carrega a marca da omissão, tendo abdicado de seu papel de coordenação
nacional.
O relatório recomenda foco na retomada do
ensino presencial, com a reabertura de todas as escolas, e em estratégias de
recomposição da aprendizagem, com atividades de recuperação planejadas a partir
de evidências, isto é, de avaliações. O caminho está dado − e saber o que fazer
é essencial. Resta agora agir, com urgência.
O mercado entre o roto e o rasgado
O Estado de S. Paulo
Investidores sabem que a vitória de Bolsonaro seria desastrosa, mas temem a irresponsabilidade lulopetista
Com base nas pesquisas de intenção de voto,
analistas de mercado projetam naturalmente uma disputa dura entre o presidente
Jair Bolsonaro e o petista Lula da Silva na eleição presidencial, com vantagem
para o último. “O quadro é desolador”, disse Daniel Leichsenring em evento da
Verde Asset Management, da qual é economista-chefe. “Nem eu, nem o mercado, nem
os gringos consideram uma eleição binária”, disse o CEO da Verde, Luis
Stuhlberger. “O mercado considera os dois candidatos ruins, cada um a seu
jeito.”
A desolação se refere precisamente àquilo
que há de não binário na disputa. Independentemente das propostas de Lula e de
Bolsonaro, o mercado antecipa a ruína da já combalida ancoragem fiscal em caso
de vitória de qualquer um dos dois. O debate parece dominado por “quem vai
gastar mais”, disse Leichsenring. Segundo Stuhlberger, “o teto de gastos virou
o inimigo público número um de Bolsonaro e Lula”.
Aos representantes do mercado, a propaganda
de Lula vende o retorno a um passado dourado, aludindo às políticas econômicas
ortodoxas e até liberais de seu primeiro mandato. Mas mesmo que fosse o caso –
o que as evasivas de Lula de discutir economia antes das eleições não permitem
antecipar – a situação hoje é diferente.
Com o loteamento do Orçamento aos parlamentares
do Centrão promovido por Bolsonaro, a discricionariedade do Congresso aumentou.
Mais importante, o atual ciclo das commodities não deverá ser, como foi há 20
anos, suficiente para tirar o País do baixo crescimento, desemprego elevado e
juros e inflação altos. “Não posso dizer o que vai acontecer com os ativos se o
candidato A ou B ganhar. A única coisa que consigo concluir é que, se o PT
ganhar, vamos ter mais inflação”, disse Stuhlberger.
Tanto pior se o PT optar por reeditar a
malfadada Nova Matriz Econômica. Com o inchaço do funcionalismo público, o
crédito indiscriminado aos “campeões nacionais” ou o desvirtuamento das
estatais, os resultados finais da gestão petista foram “os mesmos problemas de
miséria, educação, saúde e desigualdade”, afirmou Leichsenring.
Vença o intervencionismo populista e
atrasado de Lula, vença a administração irresponsável de Bolsonaro em quase
todas as áreas relevantes, o resultado eleitoral será devastador sobre o
ambiente de negócios. “Usando uma linguagem não minha, mas das ruas”, arrematou
Stuhlberger, “é tipo um psicopata contra um incompetente bem-intencionado”.
Analistas de mercado têm o dever de subsidiar seus investidores com cenários prováveis e suas consequências, e é natural que estejam se concentrando na disputa entre Lula e Bolsonaro, líderes das pesquisas. Mas enclausurar-se em um fatalismo quanto à escolha entre esses dois seria condescender a uma profecia autorrealizável. Há alternativas. Sem renunciar ao realismo que lhes cabe enquanto profissionais de mercado, financistas são também cidadãos, e também a eles cabe se mobilizar por opções que libertem o País da obrigação de escolher entre o roto e o rasgado.
Mais uma CPI à vista
Folha de S. Paulo
Balcão de negócios no MEC oferece matéria
farta, mas há risco de virar picadeiro
A cada dia parece mais provável a
realização de uma CPI
sobre o Ministério da Educação. O presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), comprometeu-se a ler o requerimento apresentado pela
oposição, com 31 assinaturas.
Fato
determinado há: um balcão de negócios operado no MEC na gestão do
ministro e pastor presbiteriano Milton Ribeiro. Com seu beneplácito atuavam
dentro da pasta os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura como intermediadores
da liberação de verbas, cobrando supostas propinas de prefeitos.
Os indícios e testemunhos eram tão
convincentes que a Polícia Federal pediu e a Justiça aprovou a prisão de
Ribeiro, Santos e Moura. Nova decisão judicial libertou-os, a atestar mais uma
vez a facilidade com que se recorre a essa medida extrema no Brasil, não menor
que a rapidez para revogá-la.
Uma investigação em período eleitoral, como
seria o caso desta CPI uma vez instalada, reúne mais condições que o usual para
se tornar um circo. Muitos discursos inflamados e poucas revelações úteis para
responsabilização de pessoas, empresas ou instituições; mesmo naquelas CPIs
produtivas, como a da pandemia, não há garantia de consequências judiciais.
O picadeiro ficará mais animado caso
Pacheco concretize a ideia por ele aventada de unir dois requerimentos, o da
oposição e outro da situação bolsonarista para investigar obras paradas de
governos petistas no setor de educação. O menor caminho para não apurar nada é
multiplicar o número e a abrangência de fatos a apurar.
Caso termine de fato instalada, superada a
fase de pressão do Planalto para que senadores retirem suas assinaturas, a CPI
não começaria antes de agosto, após o recesso congressual. Os 90 dias iniciais
de prazo coincidiriam com a campanha eleitoral, que já se afigura para lá de
conturbada.
Uma tática para produzir barulho, no curto
prazo balizado pelo pleito, seriam pedidos em
massa de quebras de sigilo. A proverbial expedição de caça, capaz de
gerar mais estrondo e calor do que luz.
Um rastilho que pode conduzir a munição
explosiva está no fio que liga Milton Ribeiro ao Planalto. Jair Bolsonaro (PL),
após hesitação inicial, continua a defender o ex-auxiliar. E há registro do
próprio ministro indicando que os pastores agiriam a pedido do presidente.
Potencialmente comprometedor é o telefonema, revelado pela GloboNews, em que Ribeiro relata um "pressentimento" do presidente sobre uma possível operação da Polícia Federal, o que pode sugerir interferência na investigação. Fato gravíssimo, se vier a confirmar-se a pior hipótese, mas não surpreendente diante do padrão de conduta no Palácio do Planalto.
Debaixo do teto
Folha de S. Paulo
Em contraste com gastança eleitoreira,
pastas essenciais têm verbas comprimidas
Enquanto o governo Jair Bolsonaro (PL)
corre para gastar dezenas de bilhões de reais com medidas eleitoreiras,
justificáveis ou não, áreas essenciais da administração pública perdem
recursos.
No torniquete mais recente, o Ministério da
Economia determinou um bloqueio de quase R$ 7 bilhões, que se soma a outro, de
R$ 1,7 bilhão, feito em março, comprometendo os investimentos e a
previsibilidade em diversas pastas a fim de acomodar os planos presidenciais no
teto de gastos.
A principal vítima da vez foi o Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovações, que perdeu,
ao menos provisoriamente, R$ 2,5 bilhões. Frustram-se, assim,
esperanças criadas na comunidade científica após a expansão inscrita na lei
orçamentária deste ano, que fez as verbas livres da pasta saltarem de R$ 3,3
bilhões para R$ 6,9 bilhões.
O dinheiro bloqueado é oriundo do Fundo
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que aufere
recursos por meio do recolhimento de encargos e tributos e tem como objetivo
fomentar o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Dos 17 fundos setoriais que compõem o
FNDCT, 6 tiveram o seu orçamento completamente congelado pela medida —entre
eles os que financiam iniciativas voltadas para a Amazônia e projetos
aquaviários, de biotecnologia, informática e automação.
Na sequência aparece o Ministério da
Educação, o segundo mais afetado pelo contingenciamento de verbas
discricionárias. Dos cerca de R$ 22 bilhões inicialmente disponíveis, R$ 1,6
bilhão terminou bloqueado, numa compressão orçamentária que se espraia por toda
a pasta, de programas de educação básica aos recursos de universidades e institutos
federais.
O corte mostra-se duro para as instituições
de ensino superior, e reitores admitem até a possibilidade de suspensão das
atividades diante das dificuldades de arcar com os gastos com luz e água.
Por fim, aparece o Ministério da Saúde, que,
com perda de R$ 1,25 bilhão, completa a lista das pastas mais afetadas pelo
bloqueio.
Dentro da lógica do teto de gastos inscrito
na Constituição em 2016, a compressão ocorre porque outras despesas subiram —e
aqui se destacam, como exemplo infeliz, as emendas parlamentares de prioridade
mais que duvidosa. O Orçamento, finito, força governo e Congresso a fazerem
escolhas e por elas responderem.
Contribuinte não deveria tapar rombo de
fundos de estatais
O Globo
Os fundos de pensão de empresas estatais
estão assentados sobre ativos de R$ 1,12 trilhão, o equivalente a 13% do PIB.
Por isso exercem especial atração sobre os governos de turno. Todo grande
projeto de investimentos engendrado em Brasília os inclui como participantes,
mas eles nem sempre obtêm lucro em negócios regidos mais por interesse político
que pela lógica econômica. Não são raros os escândalos, caso do petrolão, em
que restou desmascarada a gestão temerária a que estão sujeitos.
Pela regra estatutária, as operações que
dão prejuízo aos fundos deveriam ser compensadas pelo aumento da contribuição
do funcionário da estatal, da própria empresa ou de ambos. Ao todo, são
afetados cerca de 200 mil empregados de estatais. Por demagogia, a cem dias das
eleições, o presidente Jair Bolsonaro quer impedir que segurados contribuam
mais para reduzir o déficit de R$ 36,2 bilhões registrado em 2021, segundo a
Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar
(Abrapp). O primeiro trimestre deste ano já fechou com rombo de R$ 24,2 bilhões,
indício de que a situação se agravará. Como costuma acontecer, o Tesouro, em
nome dos contribuintes, deverá ser chamado a reequilibrar as finanças dos
fundos.
Quando a estatal mantenedora é levada a
socorrer o fundo, o dinheiro do contribuinte é usado. Seja porque o balanço da
empresa — patrimônio do Estado — é deteriorado, seja porque ela receberá
recursos do Tesouro no futuro. Todos os que pagam impostos participam da ajuda
sem saber.
No cálculo da Abrapp, R$ 20,5 bilhões do
buraco financeiro deveriam começar a ser recolhidos neste ano, principalmente
de funcionários dos Correios (Postalis), da Caixa (Funcef) e da Petrobras
(Petros). Mas o Ministério Público Federal acionou a Justiça para que a Caixa
injete R$ 5 bilhões no Funcef para compensar perdas causadas por investimentos
malfeitos, investigados na Operação Greenfield, que apurou a compra de
participações acionárias por valores acima do mercado. A operação envolveu
também Petros, Postalis e Previ, dos funcionários do Banco do Brasil. Não
tardará, e todos também exigirão compensação.
Já ocorreu antes. Talvez o melhor exemplo —
e o pior negócio para os segurados de Petros, Previ e Funcef e também para o
contribuinte — seja o caso da Sete Brasil, o projeto megalomaníaco engendrado
dentro da Petrobras para construir 28 sondas de perfuração e arrendá-las à
estatal. O delírio resultava da euforia que sucedeu à descoberta do pré-sal.
Seguia à risca o estapafúrdio manual nacional-desenvolvimentista que vê setores
estratégicos por toda parte, havendo sempre a estranha coincidência entre o
“estratégico” e o que favorece negociatas.
Pretendia-se lançar um programa de
substituição de importações no setor petrolífero, no centro do qual estariam a
Petrobras e suas compras bilionárias. À época, o GLOBO obteve um documento da
Sete que fixava o custo do arrendamento das 28 sondas à estatal em US$ 87
bilhões. A exigência de “conteúdo nacional” esbarrava no problema óbvio: o Brasil
não tinha nem tecnologia nem competência para competir no preço com
fornecedores estrangeiros. Tudo terminou em prejuízo, e não só para os
segurados dos fundos que entraram na aventura. Associada a eles e a bancos
privados, a Petrobras desfez-se da Sete em 2020, dez anos depois de criada,
pelo valor simbólico de € 7.
Passou da hora de banir homofobia, racismo
e intolerância dos esportes
O Globo
Mesmo quem nunca pôs os pés num estádio
sabe que ele é ambiente propício para que, em meio ao anonimato, proliferem
atitudes preconceituosas, discriminatórias e até criminosas. A exemplo do que
ocorre no gramado, a disputa nas arquibancadas também deveria seguir regras
claras. Não é o que acontece. Cantos homofóbicos, ofensas racistas e atos de
intolerância têm exposto um lado nada saudável do esporte.
Foi um alento a decisão de torcedores do
Vasco de dar um basta a comportamentos homofóbicos. Na semana passada, torcidas
organizadas assinaram um Código de Conduta em que se comprometem a combater a
violência, o assédio e a discriminação. O acordo prevê punições — da
advertência à suspensão — a quem desrespeitar as regras. Simbolizando a virada,
na partida entre Vasco e Operário-PR, em São Januário, foram desfraldadas
bandeiras com o arco-íris e exibidas faixas pedindo respeito à população
LGBTQIA+.
Não deixa de ser louvável a guinada da nau
cruz-maltina. Há três anos, o Vasco ficou em evidência pelos cantos homofóbicos
entoados por sua torcida num jogo contra o São Paulo em São Januário. O árbitro
Anderson Daronco interrompeu a partida até que parassem as ofensas.
Infelizmente, trata-se de (mau) comportamento generalizado. Flamengo,
Fluminense, Atlético-MG, Corinthians, entre outros, já foram criticados pelo
mesmo motivo.
Outro tento contra a discriminação no
esporte foi a coragem do ex-jogador Richarlyson, que se assumiu bissexual em
entrevista ao podcast Nos Armários dos Vestiários, do portal ge. Vítima de
ofensas e comentários homofóbicos ao longo da carreira, ele se mostra cético
quanto à mudança de mentalidade no esporte: “Vai pintar uma manchete que o
Richarlyson falou em um podcast que é bissexual. Legal. Aí vão chover
reportagens, e o mais importante, que é a pauta, não vai mudar, que é a questão
da homofobia”. Diferentemente de outros esportes, o futebol ainda é um ambiente
em que machismo e homofobia são endêmicos.
Para justificar comportamentos
inaceitáveis, não vale dizer que sempre foi assim. Atitudes outrora reprováveis
já foram devidamente enquadradas. Torcedor que joga objetos no gramado pode
levar seu time a ser multado e até perder o mando de campo. Os tempos estão
mudando, como demonstra o pacto entre as torcidas vascaínas.
É verdade que, apesar das inúmeras
campanhas, atitudes deploráveis ainda persistem. Nos últimos dias, repercutiu
uma declaração em que o ex-piloto Nelson Piquet chama de “neguinho” o
heptacampeão de Fórmula 1 Lewis Hamilton — após a grande repercussão do caso,
Piquet se desculpou pela expressão racista. Nos jogos entre São Paulo e Boca
Juniors e entre Palmeiras e Cerro Porteño, torcedores foram flagrados dirigindo
ofensas racistas a jogadores.
Punir é fundamental, mas não basta. É preciso que federações, clubes e torcedores se empenhem para banir essas aberrações do esporte — de todos os esportes. Isso só acontecerá quando houver uma mudança de mentalidade. A estrada é longa.
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