terça-feira, 9 de agosto de 2022

Andrea Jubé - Saiam às ruas, desafia Jobim, sobre inflação

Valor Econômico

Aliados acham que Bolsonaro cresce 1,5 ponto perecentual com Auxílio

O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou ao Valor, em entrevista publicada no dia 24 de junho, que o “maior problema [da campanha de Bolsonaro] é a inflação” e o maior culpado pela alta dos preços era o combustível.

Pois um mês e meio depois, o governo prepara-se para bater bumbo nesta terça-feira com a possível divulgação pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) da maior queda inflacionária para um mês desde o início do Plano Real, em 1994. Após 25 meses de preços elevados, o Brasil deve registrar deflação de 0,65% no IPCA de julho, conforme a projeção mediana de 36 instituições financeiras, gestoras de recursos e consultorias, de acordo com o Valor Data.

Em paralelo, a Caixa Econômica Federal deve começar a liberar hoje os pagamentos do Auxílio Brasil de R$ 600 para cerca de 20 milhões de famílias, ou 56 milhões de brasileiros contemplados (26% da população).

Números internos da campanha indicam que os primeiros desembolsos do Auxílio de R$ 600 alavancarão o presidente Jair Bolsonaro nas pesquisas. Os cálculos são de que, após a primeira rodada de pagamentos, o candidato cresça 1,5 ponto percentual nas sondagens e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recue 1 ponto.

A se confirmar esse movimento, como as pesquisas internas da campanha à reeleição mostram uma diferença menor entre Bolsonaro e Lula, de seis ou sete pontos percentuais (com vantagem para o petista), caciques do Centrão apostam que, até o fim do mês, eles empatam dentro da margem de erro.

A expectativa de aliados do presidente é de que os números positivos da economia a serem divulgados hoje, combinados com o desembolso do Auxílio de R$ 600, deem munição para Bolsonaro virar o disco, tentar transmitir otimismo e convencer os brasileiros de que a vida vai melhorar. Lideranças do Centrão, que defendem que o presidente adote uma postura moderada, ainda tentam persuadir Bolsonaro de que os ataques às urnas e aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não rendem votos.

Essa retórica agressiva também não serve para rebater palavras de ordem da campanha lulista sobre a crise econômica, como o #Bolsocaro, que caiu nas redes, ou “o Bolsonaro chegou, a vida piorou”.

Outro dado positivo que o Centrão quer agregar ao discurso de Bolsonaro é a redução do desemprego, que caiu para 9,8% em maio, atingindo 10,6 milhões de brasileiros, segundo o IBGE. Foi a primeira vez em mais de seis anos que o desemprego deixou de rodar na casa dos dois dígitos.

A dúvida no time bolsonarista é se haverá tempo hábil para que esses dados se convertam em realidade no dia a dia da população até as eleições de outubro. Porque num primeiro momento, a deflação ressoa artificial para muitos economistas, porque a queda dos preços se deve exclusivamente ao efeito da gasolina e da energia. Os preços dos combustíveis caíram após a redução imposta pelo governo federal ao ICMS dos Estados. Julho pode registrar deflação, mas o acumulado do IPCA em 12 meses está em 11,89%.

O ex-ministro da Defesa e da Justiça nos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso, respectivamente, Nelson Jobim, alertou em uma palestra em Brasília durante o “4º Encontro Nacional de Lideranças”, na semana passada, que a vida real não está correspondendo aos números das planilhas.

“Quando colegas economistas falam sobre a situação econômica, questões fiscais, que o país está conseguindo resolver os problemas, [eu falo] que precisam visitar o centro de São Paulo, caminhar pelas calçadas”, afirmou o ex-ministro, que hoje integra o Conselho de Administração do BTG/Pactual.

“Lá vocês vão encontrar uma enormidade de pessoas na rua, que não são bandidos, não são vagabundos, são famílias que não têm condições de se manter na alimentação, na habitação”, acrescentou. Dados divulgados ontem pelo Boletim Desigualdade nas Metrópoles, da PUC-RS, mostram que o número de pessoas em situação de pobreza saltou para 19,8 milhões nas regiões metropolitanas em 2021 - um crescimento de 3,9 milhões no número de pobres no país em comparação com 2020. Uma das razões dessa expansão foi a interrupção do pagamento do auxílio emergencial na pandemia.

Nelson Jobim, que também foi presidente do Supremo Tribunal Federal, argumentou que os cálculos indicam que a inflação pode chegar no acumulado de 2022 em torno de 5,7%, mas que não corresponderá à alta dos preços dos alimentos. “Aqueles que vão ao supermercado ou à feira vão verificar que a inflação nesta área [de alimentos] é muito superior, varia de 13% a 15%”, alertou, citando a alta dos preços de itens como arroz, feijão, carne e leite. “O Brasil tem 30 milhões de famintos, não somos responsáveis por isso?”, questionou.

Nas últimas semanas, alguns dos itens que mais encareceram foram o leite e seus derivados, itens de consumo básico das famílias de baixa renda. O leite teve alta real de 17,7%, o queijo muçarela de 17,2% (muçarela), e o leite em pó de 6,7%, segundo pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP. Até junho, a alta acumulada do leite chegou a 19,8%.

Desde o começo da pandemia, até abril deste ano, a inflação geral ultrapassou 19,4%. Enquanto isso, o preço médio das carnes aumentou 42,6% no mesmo período, segundo um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Outro problema é que a população está mais endividada: um em cada quatro brasileiros não consegue pagar todas as contas do mês, segundo pesquisa divulgada ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Em resumo, Bolsonaro vai precisar mais do que números de planilha e retórica otimista para convencer os brasileiros de que a vida não piorou quando ele chegou, como afirmam os lulistas. Isso se o Centrão conseguir domesticá-lo e abrir uma trégua nos ataques ao sistema eleitoral e à ordem institucional.

 

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