Revista Veja
O Brasil sustenta democracia com maioria dependente de ajuda estatal
Retrato do Brasil que vai às urnas em
outubro: de cada 100 eleitores quarenta dependem da ajuda do governo para
sobreviver.
No mapa demográfico, isso corresponde a 40%
da população. Na cabine de votação, representa 55% do eleitorado.
No total, são 86 milhões de pessoas
registradas no CadÚnico, o banco de dados federal sobre famílias de baixa renda
em duas dezenas de programas sociais — do Auxílio Brasil à isenção de taxas
em concursos públicos.
É a dimensão da pobreza nacional. Nela há
um mistério político instigante: o Brasil se transformou numa democracia de
massa, com rotina de eleições, voto universal e direto, mas a ampla maioria dos
eleitores segue necessitada do socorro financeiro estatal para comer.
Vista por outro ângulo, aquela aldeia colonial de agosto de 1822, com 4,6 milhões de pessoas e movida a trabalho escravo, agora é uma nação com dois séculos de independência que depende das transferências de dinheiro público aos pobres para fazer sua economia girar.
Isso acontece em treze dos 27 estados, onde
há mais gente sobrevivendo dos programas sociais do que trabalhadores
remunerados no mercado formal. Exemplos: no Maranhão, o número de beneficiários
supera em 550 000 o total de
empregados com carteira assinada; na Bahia são 410 000; no Pará,
330 000; em Pernambuco,
150 000; e, no Ceará,
110 000.
Em alguns estados, mais da metade da
população só se sustenta com ajuda estatal. É o caso de Roraima (66%), do Amapá
(63%), do Acre (60%) e do Pará (60%).
Quanto mais precário o mercado de trabalho,
maior a dependência dos programas sociais. E esse dinheiro mobiliza a economia
— cada real de auxílio pago movimenta 1,4 real, calcula a Fundação Getulio
Vargas.
Os efeitos nas urnas são óbvios para
governantes na disputa pela reeleição. Jair Bolsonaro tem motivos para
sorrir com o início do pagamento do Auxílio Brasil turbinado (de 400 para 600
reais) a apenas sete semanas do primeiro turno. Deve gratidão à oposição, pelo
aval à injeção de 40 bilhões de reais nos programas sociais na emergência da
inflação de dois dígitos.
O principal adversário de Bolsonaro nas
pesquisas sentiu o golpe. Não é fácil concorrer com quem tem a estrutura de
governo e o Orçamento nas mãos, e sai por aí “fazendo a maior distribuição de
dinheiro que uma campanha política já viu desde o fim do Império”. Lula talvez tenha exagerado na
conta, mas sabe o significado da manobra — o Bolsa Família foi crucial na sua
reeleição em 2006, ajudou a limpar a cena da crise do mensalão.
Esse tipo de transferência direta de renda
mitiga efeitos do empobrecimento coletivo no curto prazo, mas é efêmero porque
está condicionado ao fluxo de caixa dos governos. O Auxílio Brasil turbinado
tem prazo de validade até dezembro. Será muito difícil ao próximo governo
voltar atrás (aos 400 reais mensais). Lula explorou a hipótese com empresários,
nesta semana, exalando acidez: “Há de se perguntar se o povo aceitará
pacificamente a retirada de um benefício que ele está recebendo por conta das
eleições”. Tudo é possível. Bolsonaro opera no limite do risco, mas por
enquanto não indicou opção preferencial pelo suicídio político.
Programas assistenciais, na realidade,
representam fração mínima do Orçamento federal, em que cerca de 40% do dinheiro
sempre está reservado para a “rolagem” da dívida pública, a caixa de pandora da
República. Na prática, as iniciativas sociais temporárias têm servido de biombo
para dissimular a responsabilidade dos governos na redução da secular pobreza
nacional.
No século XIX, a desigualdade era vista com
naturalidade e o socorro aos pobres, como caridade — um tipo de percepção cujos
resquícios ainda pairam nos salões modernistas de Brasília. Houve avanço, porém
claramente insuficiente.
Sinais de regressão social reluzem, agora,
nos registros oficiais sobre a maioria do eleitorado, num país aprisionado na
armadilha do baixo crescimento econômico das últimas quatro décadas.
Subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos, dizia Nelson Rodrigues.
Como não se vê nem mesmo um esboço de projeto de país, o horizonte permanece
embaçado. Paradoxalmente, há alternativas visíveis para a saída da crise no
redesenho da globalização — uma delas é a reconstrução econômica lastreada na
abundância de recursos renováveis. A campanha eleitoral representa nova chance
de resgate do futuro. Só depende de ousadia e de competência, mercadorias
políticas escassas há tempos.
Publicado em VEJA de 17 de agosto de 2022, edição nº 2802
Mistério ou excesso de Ministérios? O país tem mais de 200 empresas Suecas cumpridoras de todos os pagamentos das garantias sociais de seus empregados e como se explica uma nação de potencial agrícola com um governo que deixa seu povo vegetando em estado de miséria? Implantamos a democracia no interior de um regime praticamente monarquico, no Estado do Espírito Santo o mais importante nesse regime, tem o PSB no governo em vista de reeleição pelo progresso social que tem alcançado. A fome e a miséria se dá pela ignorância Política e não pela falta de educação que alimenta ao desespero social que vem se agravando na classe média baixa atingida pelos constantes reajustes de combustíveis e das providências que foram tomadas durante a pandemia num clima quase que revolucionário que dará lugar ao renascimento entre as tecnologias e o sucateamento das antigas profissões aumentando o grau de dependentes de subsídios à seguridade social libertando os mais pobres do regime escravocrata imposto pela ganância de capitalistas que atualmente devastam a floresta da Amazônia.
ResponderExcluirO colunista misturou alhos com bugalhos... Poderia ter comparado a situação social deixada por Lula no final dos seus 2 mandatos e a situação atual, a pior em décadas. O grande empobrecimento da população nos últimos anos veio depois de boa melhoria nos indicadores sociais e na renda da população mais pobre durante os governos petistas, quando ocorreram crescimentos reais do salário mínimo e da renda dos mais pobres. Bolsonaro não se preocupava com isto no início do seu mandato, ia oferecer 200 reais de auxílio no começo da pandemia, o Congresso é que não concordou e decidiu ampliar o valor. Agora, às vésperas da eleição, o capitão das rachadinhas contradiz toda sua pregação política de décadas e oferece um auxílio que terminará logo depois das eleições. Demagogia e desespero de quem estava perdendo a eleição...
ResponderExcluirMuito bom o artigo.
ResponderExcluir