Valor Econômico
Dados os riscos externos, a probabilidade
do PIB brasileiro crescer menos de 0,4%, ou retroceder, em 2023 não é baixa
Na atualização mais recente do seu Panorama
Econômico Mundial, o FMI reduziu a projeção para a taxa de crescimento da
economia mundial de 3,6% em 2022 e 2023 para 3,2% no ano corrente e 2,9% no
próximo - abaixo da taxa média de crescimento do PIB mundial nos últimos 20
anos, 3,6%. As revisões para 2023 foram particularmente intensas no que se
refere a algumas economias avançadas: de 2,3% em 2022 para 1% nos EUA, com
redução de 2,3%, no mesmo horizonte, para 1,2% na área do Euro.
Não apenas o Fundo reduziu as projeções de
crescimento, mas apresentou uma lista de riscos de baixa para a atividade, sem
nenhum risco de alta. Vale repassar a lista, bem como possíveis implicações
para a economia brasileira. Em linhas gerais nota-se que, segundo as contas dos
economistas do Itaú, cada ponto percentual a menos no crescimento global
ocasiona uma redução de 0,4 pontos percentuais no crescimento brasileiro.
O primeiro risco apontado pelos economistas de FMI viria de altas adicionais dos preços de energia ocasionados pela guerra na Ucrânia. O foco de preocupação é a potencial redução da transmissão de gás da Rússia para a Europa Central e Ocidental. Uma interrupção total das entregas poderia acarretar forte alta da inflação regional e global.
Especificamente, os economistas do Itaú
estimam que caso a entrega de gás da Rússia para a Europa Ocidental caia a 40%
do normal, o crescimento do PIB regional sofreria um impacto de -2 pontos
percentuais; com interrupção total, o impacto negativo seria de 3,5 pontos percentuais.
O reflexo direto desse choque, para a economia brasileira, pelos canais do
comércio exterior e condições financeiras, seria de -0,15 e -0,30 pontos
percentuais, no caso da interrupção parcial ou integral da entrega de gás.
O segundo risco apontado pelo FMI é a
persistência inflacionária. O cenário central é que a inflação retornaria ao
patamar pré-pandemia no final de 2024. Mas esse processo não é garantido.
Outros choques de oferta podem pressionar a inflação, em especial se a guerra
europeia continuar. Períodos de inflação elevada sempre levantam o risco de uma
espiral entre preços e salários, particularmente em economias nas quais as
condições competitivas nos mercados de trabalho e produtos podem ser limitadas.
Assim como nos anos 1970, bancos centrais podem subestimar, em um primeiro
momento, a persistência inflacionária, e se verem forçados, eventualmente, a
adotar posturas muito mais restritivas - como no choque Volcker de 1980.
Outro risco é de que o próprio processo de
desinflação se mostre mais custoso, em termos de atividade econômica, do que o
esperado. O custo da desinflação varia ao longo do tempo e de país a país,
sendo influenciado por fatores como o nível da inflação inicial, o estado das
expectativas inflacionárias, rigidez dos mercados de trabalho e produto,
sensibilidade de preços e salários às condições de demanda, e a postura da
política fiscal (e, no caso brasileiro, parafiscal). O FMI avalia que o risco
de recessão, dado o necessário aperto da política monetária em escala global, será
particularmente relevante em 2023. A economia americana parece vulnerável a
esse risco, mas, também nesse ponto, o cenário europeu parece ser mais
complicado. Isto porque, na área do Euro, o aperto monetário pode ocasionar
maior estresse nos mercados de dívida dos países com maiores fragilidades
fiscais, como a Itália.
Há também o risco de que o aperto monetário
nas economias maduras leve a uma saída de capitais de economias emergentes. As
economias emergentes, geralmente menos alavancadas do que no passado, em moeda
estrangeira, e com regimes de taxa de câmbio flutuante, devem ser mais
resilientes do que, por exemplo, na virada dos 1970 para os 1980. Mesmo assim,
o aperto monetário global já vem impactando economias com maiores dificuldades
de balanço de pagamentos, como Sri-Lanka e, bem mais importante para o Brasil,
a Argentina. Estima-se que uma queda do PIB argentino de 1% leve a uma redução
de 0,21% na produção industrial no Brasil.
A economia chinesa vem sendo uma fonte de
dinamismo muito importante para o PIB mundial dos últimos anos. Assim, a
possibilidade de que o período de baixo crescimento observado no primeiro
semestre (crescimento anualizado do PIB de apenas 2,5%) se estenda por mais
tempo, apresenta outro risco de baixa para a atividade, seja por influência do
covid-19 ou das dificuldades no setor imobiliário. Vale lembrar que a cada
ponto percentual de redução do crescimento chinês, a expansão do PIB brasileiro
é reduzida em 0,2 pontos percentuais.
O Fundo ressalta também o risco de pressões
continuadas sobre preços de alimentos, que podem ter impacto econômico e social
mais intenso em economias mais pobres. O peso médio dos alimentos na cesta de
consumo dos países da região é 24%, ante 18% nos países desenvolvidos. O
impacto pode ser ainda mais severo em economias da África ou sul da Ásia, com
potencial para aumentar tensões sociais.
Uma guerra mais prolongada na Ucrânia, que
reforce certas clivagens geopolíticas, pode acabar contribuindo para uma
fragmentação mais intensa da economia mundial, representando outro risco de
baixa para a atividade, ainda que este provavelmente só irá se manifestar a
médio prazo.
Por ora, o mercado espera que a economia
brasileira tenha crescimento de 0,4% em 2023. Dados os riscos listados acima, a
probabilidade do PIB crescer ainda menos, talvez retroceder, no ano que vem,
não é baixa.
Mario Mesquita
É,a coisa não tá fácil!
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