O Globo
Os mais de 60 mil apoiadores de Bolsonaro
que foram a Copacabana no dia 7 de Setembro vestidos de amarelo são majoritariamente
conservadores, prezam a lei e a ordem, não gostam de mudanças bruscas, têm medo
do que não conhecem, acreditam em Deus, confiam na família e querem seguir uma
vida sossegada, sem atropelos e surpresas. Engana-se quem olha para aquela
massa e enxerga um bloco compacto de extremistas de direita armados, com sangue
nos olhos, prontos para atirar no primeiro comunista que vir pela frente.
Parte importante do Brasil é assim. A tomar pelas pesquisas eleitorais, pode-se dizer que cerca de 40% dos brasileiros são conservadores e querem eleger um presidente que divida com eles seus valores. Na falta de um verdadeiro líder de direita, apoiam Bolsonaro e acabam se confundindo com energúmenos que pregam uma intervenção militar, o fechamento do Supremo, o banimento da esquerda do convívio nacional. Uma clara fraqueza ideológica associada, em alguns casos, à ausência de pensamento crítico e ao medo do novo cria esta massa que vimos no 7 de Setembro.
O Brasil tem prestado demasiada atenção à
banda ultradireitista dentre os diversos matizes de apoiadores de Bolsonaro, e
se descuidado com a maioria, que não prega disrupção institucional, não está
armada e não é miliciana. Esta semana, os jornais publicaram a seguinte
manchete: “Bolsonaristas criticam decisão de Fachin sobre decreto de armas e
veem provocação às vésperas do 7 de Setembro”. Vocês acham sinceramente que
aquela massa que foi à Copacabana e à Esplanada dos Ministérios quer mesmo todo
mundo armado? Acho que não. Ao ler os textos daquelas reportagens depara-se com
um único personagem, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), membro da bancada da
bala.
Lula comparou as manifestações do 7 de
Setembro à uma reunião da Ku Klux Klan, afirmando que ali não havia negros e
pardos. Obviamente o petista exagerou, mas na raiz estava certo. Não porque
sejam racistas, mas sim porque a direita em todo o mundo é mais branca do que
preta, é mais rica do que pobre. No Brasil, em grande medida, este grupo não
apoia políticas de cotas e é contra a distribuição de bolsas. Muitos têm
inclusive argumentos para sustentar estas teses. O mais conhecido deles vem
sendo usado na campanha de Bolsonaro, que é o provérbio chinês “Não basta dar o
peixe, é preciso ensinar a pescar”.
Bolsonaro, que se elegeu no vácuo causado
pela prisão de Lula e em razão dos escândalos das gestões petistas, acabou
capitalizando para si esta imensidão de votos de quem buscava apenas uma
solução conservadora para o país, uma saída à direita. No passado, essa opção
era oferecida pelo PSDB de Fernando Henrique, José Serra e Geraldo Alckmin.
Embora não fosse de direita, sendo em muitos aspectos até de centro-esquerda,
os governos tucanos emprestavam aos eleitores conservadores aquela estabilidade
que imaginam ser fundamental para se sentirem felizes e seguros.
Para o bem da democracia, o Brasil precisa
encontrar, a partir de 2023, um verdadeiro líder de direita, que fale o idioma
do eleitor conservador, mas que respeite as leis, a Constituição, as regras do
jogo democrático. A presença sufocante de Bolsonaro até aqui vem impedindo o
aparecimento de novas lideranças de direita, da mesma maneira que Lula impõe
esta limitação à esquerda. Num país como o nosso, onde todos os dias mais de 30
milhões de brasileiros vão dormir com fome, é mais difícil convencer que as
soluções da direita liberal também podem garantir crescimento e distribuição de
renda. Mas, como se vê, 40% dos eleitores apostam neste caminho.
O Brasil cumprirá sua missão de ser um
gigante harmonioso, feliz e agregador global quando todas as premissas
democráticas forem cumpridas e estritamente respeitadas. Com Bolsonaro esse
destino está ameaçado. Somente uma forte liderança de direita democrática, que
se apresente como alternativa viável para os conservadores que hoje apoiam o
presidente mas discordam dos seus métodos, é capaz de sepultar o extremismo que
se vê hoje. Com isso garantido, que vença o melhor.
Voto útil
Dados apontam para um segundo turno entre
Lula e Bolsonaro na eleição presidencial. O “tiquinho” que o candidato do PT
conta para vencer já no dia 2 de outubro vai depender sobretudo do voto útil.
Os ataques de Ciro a Lula, em nível mais baixo até que o empregado por
Bolsonaro, podem garantir os sufrágios necessários para uma solução rápida. Com
o crescimento de Simone, que por um lado poderia atrapalhar, por outro pode
incentivar eleitores brizolistas e trabalhistas a escolherem o caminho mais
curto.
Consultoria D'Avila
Não sei o que parece aos estimados
leitores, mas, de minha parte, sempre que vejo e ouço o candidato a presidente
Felipe D’Avila, do Novo, tenho a impressão de estar diante de um consultor. O
tom da sua voz, a ênfase que dá a determinados pontos do seu discurso, as
pausas curtas e estudadas, tudo parece extraído do livro “A bíblia da
consultoria”, de Alan Weiss. Felipe D’Avila poderia também ser um concorrente
de Ciro Bottini, o mais famoso vendedor de produtos na TV brasileira. Neste
caso, contudo, se daria mal, lhe falta a simpatia de Bottini.
Orgulho bolsonarista
A propaganda de TV do deputado Otoni de
Paula, candidato à reeleição no Rio, é uma ode ao crime. Ele diz que, como
Bolsonaro, é perseguido pelo STF. Com inusitado orgulho, afirma que teve sua
casa invadida pela Polícia Federal, que seu celular foi apreendido e que suas
contas em redes sociais foram bloqueadas. Só não disse que já foi condenado por
insultar Alexandre de Moraes. Também esqueceu de informar que mesmo a PGR amiga
identificou cinco crimes de difamação, 19 de injúria e dois de coação cometidos
por Otoni, ex-vice líder de Bolsonaro na Câmara.
Quatro livros
Sugestões de leitura para a reta final da
campanha. “Gineceu”, terceiro livro da jornalista e escritora Mara Bergamaschi,
ex-colunista do GLOBO e atual correspondente do Correio Braziliense em
Portugal. O romance de Mara está sendo lançado hoje na Feira do Livro de
Lisboa. “O ovo da serpente”, livro-reportagem de Consuelo Dieguez, repórter da
revista Piauí, que conta a história do surgimento do bolsonarismo. “Como girei
a roda”, de Ricardo Lessa, com bastidores e intrigas do programa Roda Viva, que
ele comandou por dois anos. “Envelhecer é para as fortes”, de Helena Celestino,
ex-correspondente, ex-editora e ex-colunista do GLOBO.
Sozinho no palanque
Bolsonaro esteve solitário nos palanques do
7 de Setembro. Em Brasília, foi abandonado pelo seu principal aliado, o
presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, que há um mês esteve no lançamento
da candidatura do presidente usando uma camiseta com o seu nome. A turma do
Centrão também não foi vista. Nem o ministro Ciro Nogueira foi notado. Se
estava lá, escondeu-se. No Rio, apenas os políticos e candidatos locais do seu
agrupamento posaram ao seu lado. Mas nem todos, Romário só apareceu no
Maracanã. Político veterano pode ser tudo, menos bobo. Estão se afastando da
rejeição de Bolsonaro que pode contaminar todos que dele se aproximem.
Multidão x multidão
Havia 64,6 mil pessoas no comício de
Bolsonaro em Copacabana na tarde de quarta-feira, segundo o Monitor do Debate
Público da USP. Na noite do mesmo dia, 66,6 mil torcedores assistiram a vitória
do Flamengo sobre o Vélez Sarsfield no Maracanã. Pode não significar muita
coisa, são apenas dois mil a mais, mas os que foram ao Maracanã pagaram para
entrar. Já muitos dos que estiveram em Copacabana receberam algum “incentivo”
para participar do ato e gritar mito. No Maracanã, Bolsonaro foi vaiado e
xingado. E Rodolfo Landim não pôde fazer nada.
Supremacia do falo
O linguajar de jagunço e miliciano adotado
por Bolsonaro no palanque do 7 de Setembro, em Brasília, não foi apenas uma
ofensa aos brasileiros, atingiu como se fosse um soco as mulheres, aquelas que
ele precisa conquistar para crescer. Diante de Michelle, a “princesa” que ele
julga quase santa, aquela que recebeu cheques de R$ 89 mil do famoso Fabrício
Queiroz, Bolsonaro fez uma apologia ao pênis. Ao seu pênis em particular, mas
em que reafirma a supremacia do falo sobre a suposta inércia do corpo da
mulher. Foi um momento de memorável idiotice, quase medieval, em que o macho vê
a fêmea apenas como um recipiente para depositar o seu sêmen.
O Chile é aqui
A derrota da nova Constituição no
plebiscito chileno prova que ganhar eleição não garante mandato absoluto ao
governante eleito e empossado. As muitas forças que construíram e destruíram o
texto que substituiria o legado de Pinochet mostram que governar e legislar
depende de entendimento, formação de maiorias e exige humildade para saber ceder
e eventualmente perder.
Ótimo texto !
ResponderExcluirO Brasil precisa de um líder direito, que substitua o farsante que ganhou a última eleição presidencial prometendo Nova Política e que se mostrou a Tchutchuca do Centrão na segunda metade do mandato, e absolutamente incompetente, mentiroso e criminoso durante todo o tempo na presidência.
ResponderExcluirSim,ótimo texto!
ResponderExcluirPrecisamos no Brasil de forças políticas coerentes, ideologicamente e maduras.
O corte dicotômica esquerda/direita é maniqueísta em si e não comporta a pluralidade que é qualquer sociedade; por outro lado, na realidade social e política essa pluralidade se compõe de sabores ideológicos em espectro, que vai da ultra-esquerda à ultra-direita, passando pela esquerda, pela direita e pela soma siamesa centro-esquerda+centro direita.
Temos no Brasil um o Cidadania23 como partido coerente e bem definido de centro-esquerda e o PSDB como um partido relativamente definido de centro-direita. Só recentemente vem sendo construído um partido definido de direita coerente, o Partido Novo e um partido definido como de esquerda coerente, o PSOL. Mas tanto o PSOL como o Novo estão passando por algum barulho interno que deve esperar-se que não abale sua construção. Nos extremos, do lado esquerdo há vários grupos que reivindicam o sabor e na direita há os bolsonaristas e deve haver outros não explicitado.
O que tem atrapalhado a definição e amadurecimento do quadro partidário é a existência fatal de dois populistas com vários vícios e marcas populistas bastante parecidas, inclusive nos erros morais, só que com discursos antagonizantes, mas mesmo as suas bases de sustentação no poder é a mesma, composta por partidos que não se definem por identidades políticas e sim pelos por apelos clientelistas e fisiológicos. E os dois populistas, Lula e Bolsonaro, cultivam esses seres venais desde a campanha pela conquista do poder. O entorno mais próximo dos populistas é quem poderia limitar essas forças fisiológicas -sim, os oportunistas do Centrão constituem uma força política- mas parece que elas também exercitam uma espécie se oportunismo político e não se importam de usar, ou pensar que usam, estes fisiológicos para chegarem ou manter o poder.
Poder é força, segundo Maquiavel, mas a força que acessa os
ideólogos dos dois populistas é vexatória e venal ao Brasil.
Edson Luiz Pianca.
edsonmaverick@yahoo.com.br
Na falta de um conservadorismo legítimo abraçaram um reacionarismo vergonhoso,imperdoável.
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