sábado, 10 de setembro de 2022

Ascânio Seleme - O Brasil precisa de um líder de direita

O Globo

Os mais de 60 mil apoiadores de Bolsonaro que foram a Copacabana no dia 7 de Setembro vestidos de amarelo são majoritariamente conservadores, prezam a lei e a ordem, não gostam de mudanças bruscas, têm medo do que não conhecem, acreditam em Deus, confiam na família e querem seguir uma vida sossegada, sem atropelos e surpresas. Engana-se quem olha para aquela massa e enxerga um bloco compacto de extremistas de direita armados, com sangue nos olhos, prontos para atirar no primeiro comunista que vir pela frente.

Parte importante do Brasil é assim. A tomar pelas pesquisas eleitorais, pode-se dizer que cerca de 40% dos brasileiros são conservadores e querem eleger um presidente que divida com eles seus valores. Na falta de um verdadeiro líder de direita, apoiam Bolsonaro e acabam se confundindo com energúmenos que pregam uma intervenção militar, o fechamento do Supremo, o banimento da esquerda do convívio nacional. Uma clara fraqueza ideológica associada, em alguns casos, à ausência de pensamento crítico e ao medo do novo cria esta massa que vimos no 7 de Setembro.

O Brasil tem prestado demasiada atenção à banda ultradireitista dentre os diversos matizes de apoiadores de Bolsonaro, e se descuidado com a maioria, que não prega disrupção institucional, não está armada e não é miliciana. Esta semana, os jornais publicaram a seguinte manchete: “Bolsonaristas criticam decisão de Fachin sobre decreto de armas e veem provocação às vésperas do 7 de Setembro”. Vocês acham sinceramente que aquela massa que foi à Copacabana e à Esplanada dos Ministérios quer mesmo todo mundo armado? Acho que não. Ao ler os textos daquelas reportagens depara-se com um único personagem, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), membro da bancada da bala.

Lula comparou as manifestações do 7 de Setembro à uma reunião da Ku Klux Klan, afirmando que ali não havia negros e pardos. Obviamente o petista exagerou, mas na raiz estava certo. Não porque sejam racistas, mas sim porque a direita em todo o mundo é mais branca do que preta, é mais rica do que pobre. No Brasil, em grande medida, este grupo não apoia políticas de cotas e é contra a distribuição de bolsas. Muitos têm inclusive argumentos para sustentar estas teses. O mais conhecido deles vem sendo usado na campanha de Bolsonaro, que é o provérbio chinês “Não basta dar o peixe, é preciso ensinar a pescar”.

Bolsonaro, que se elegeu no vácuo causado pela prisão de Lula e em razão dos escândalos das gestões petistas, acabou capitalizando para si esta imensidão de votos de quem buscava apenas uma solução conservadora para o país, uma saída à direita. No passado, essa opção era oferecida pelo PSDB de Fernando Henrique, José Serra e Geraldo Alckmin. Embora não fosse de direita, sendo em muitos aspectos até de centro-esquerda, os governos tucanos emprestavam aos eleitores conservadores aquela estabilidade que imaginam ser fundamental para se sentirem felizes e seguros.

Para o bem da democracia, o Brasil precisa encontrar, a partir de 2023, um verdadeiro líder de direita, que fale o idioma do eleitor conservador, mas que respeite as leis, a Constituição, as regras do jogo democrático. A presença sufocante de Bolsonaro até aqui vem impedindo o aparecimento de novas lideranças de direita, da mesma maneira que Lula impõe esta limitação à esquerda. Num país como o nosso, onde todos os dias mais de 30 milhões de brasileiros vão dormir com fome, é mais difícil convencer que as soluções da direita liberal também podem garantir crescimento e distribuição de renda. Mas, como se vê, 40% dos eleitores apostam neste caminho.

O Brasil cumprirá sua missão de ser um gigante harmonioso, feliz e agregador global quando todas as premissas democráticas forem cumpridas e estritamente respeitadas. Com Bolsonaro esse destino está ameaçado. Somente uma forte liderança de direita democrática, que se apresente como alternativa viável para os conservadores que hoje apoiam o presidente mas discordam dos seus métodos, é capaz de sepultar o extremismo que se vê hoje. Com isso garantido, que vença o melhor.

Voto útil

Dados apontam para um segundo turno entre Lula e Bolsonaro na eleição presidencial. O “tiquinho” que o candidato do PT conta para vencer já no dia 2 de outubro vai depender sobretudo do voto útil. Os ataques de Ciro a Lula, em nível mais baixo até que o empregado por Bolsonaro, podem garantir os sufrágios necessários para uma solução rápida. Com o crescimento de Simone, que por um lado poderia atrapalhar, por outro pode incentivar eleitores brizolistas e trabalhistas a escolherem o caminho mais curto.

Consultoria D'Avila

Não sei o que parece aos estimados leitores, mas, de minha parte, sempre que vejo e ouço o candidato a presidente Felipe D’Avila, do Novo, tenho a impressão de estar diante de um consultor. O tom da sua voz, a ênfase que dá a determinados pontos do seu discurso, as pausas curtas e estudadas, tudo parece extraído do livro “A bíblia da consultoria”, de Alan Weiss. Felipe D’Avila poderia também ser um concorrente de Ciro Bottini, o mais famoso vendedor de produtos na TV brasileira. Neste caso, contudo, se daria mal, lhe falta a simpatia de Bottini.

Orgulho bolsonarista

A propaganda de TV do deputado Otoni de Paula, candidato à reeleição no Rio, é uma ode ao crime. Ele diz que, como Bolsonaro, é perseguido pelo STF. Com inusitado orgulho, afirma que teve sua casa invadida pela Polícia Federal, que seu celular foi apreendido e que suas contas em redes sociais foram bloqueadas. Só não disse que já foi condenado por insultar Alexandre de Moraes. Também esqueceu de informar que mesmo a PGR amiga identificou cinco crimes de difamação, 19 de injúria e dois de coação cometidos por Otoni, ex-vice líder de Bolsonaro na Câmara.

Quatro livros

Sugestões de leitura para a reta final da campanha. “Gineceu”, terceiro livro da jornalista e escritora Mara Bergamaschi, ex-colunista do GLOBO e atual correspondente do Correio Braziliense em Portugal. O romance de Mara está sendo lançado hoje na Feira do Livro de Lisboa. “O ovo da serpente”, livro-reportagem de Consuelo Dieguez, repórter da revista Piauí, que conta a história do surgimento do bolsonarismo. “Como girei a roda”, de Ricardo Lessa, com bastidores e intrigas do programa Roda Viva, que ele comandou por dois anos. “Envelhecer é para as fortes”, de Helena Celestino, ex-correspondente, ex-editora e ex-colunista do GLOBO.

Sozinho no palanque

Bolsonaro esteve solitário nos palanques do 7 de Setembro. Em Brasília, foi abandonado pelo seu principal aliado, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, que há um mês esteve no lançamento da candidatura do presidente usando uma camiseta com o seu nome. A turma do Centrão também não foi vista. Nem o ministro Ciro Nogueira foi notado. Se estava lá, escondeu-se. No Rio, apenas os políticos e candidatos locais do seu agrupamento posaram ao seu lado. Mas nem todos, Romário só apareceu no Maracanã. Político veterano pode ser tudo, menos bobo. Estão se afastando da rejeição de Bolsonaro que pode contaminar todos que dele se aproximem.

Multidão x multidão

Havia 64,6 mil pessoas no comício de Bolsonaro em Copacabana na tarde de quarta-feira, segundo o Monitor do Debate Público da USP. Na noite do mesmo dia, 66,6 mil torcedores assistiram a vitória do Flamengo sobre o Vélez Sarsfield no Maracanã. Pode não significar muita coisa, são apenas dois mil a mais, mas os que foram ao Maracanã pagaram para entrar. Já muitos dos que estiveram em Copacabana receberam algum “incentivo” para participar do ato e gritar mito. No Maracanã, Bolsonaro foi vaiado e xingado. E Rodolfo Landim não pôde fazer nada.

Supremacia do falo

O linguajar de jagunço e miliciano adotado por Bolsonaro no palanque do 7 de Setembro, em Brasília, não foi apenas uma ofensa aos brasileiros, atingiu como se fosse um soco as mulheres, aquelas que ele precisa conquistar para crescer. Diante de Michelle, a “princesa” que ele julga quase santa, aquela que recebeu cheques de R$ 89 mil do famoso Fabrício Queiroz, Bolsonaro fez uma apologia ao pênis. Ao seu pênis em particular, mas em que reafirma a supremacia do falo sobre a suposta inércia do corpo da mulher. Foi um momento de memorável idiotice, quase medieval, em que o macho vê a fêmea apenas como um recipiente para depositar o seu sêmen.

O Chile é aqui

A derrota da nova Constituição no plebiscito chileno prova que ganhar eleição não garante mandato absoluto ao governante eleito e empossado. As muitas forças que construíram e destruíram o texto que substituiria o legado de Pinochet mostram que governar e legislar depende de entendimento, formação de maiorias e exige humildade para saber ceder e eventualmente perder.

4 comentários:

  1. O Brasil precisa de um líder direito, que substitua o farsante que ganhou a última eleição presidencial prometendo Nova Política e que se mostrou a Tchutchuca do Centrão na segunda metade do mandato, e absolutamente incompetente, mentiroso e criminoso durante todo o tempo na presidência.

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  2. EdsonLuiz.10/9/22 21:45

    Sim,ótimo texto!

    Precisamos no Brasil de forças políticas coerentes, ideologicamente e maduras.

    O corte dicotômica esquerda/direita é maniqueísta em si e não comporta a pluralidade que é qualquer sociedade; por outro lado, na realidade social e política essa pluralidade se compõe de sabores ideológicos em espectro, que vai da ultra-esquerda à ultra-direita, passando pela esquerda, pela direita e pela soma siamesa centro-esquerda+centro direita.

    Temos no Brasil um o Cidadania23 como partido coerente e bem definido de centro-esquerda e o PSDB como um partido relativamente definido de centro-direita. Só recentemente vem sendo construído um partido definido de direita coerente, o Partido Novo e um partido definido como de esquerda coerente, o PSOL. Mas tanto o PSOL como o Novo estão passando por algum barulho interno que deve esperar-se que não abale sua construção. Nos extremos, do lado esquerdo há vários grupos que reivindicam o sabor e na direita há os bolsonaristas e deve haver outros não explicitado.

    O que tem atrapalhado a definição e amadurecimento do quadro partidário é a existência fatal de dois populistas com vários vícios e marcas populistas bastante parecidas, inclusive nos erros morais, só que com discursos antagonizantes, mas mesmo as suas bases de sustentação no poder é a mesma, composta por partidos que não se definem por identidades políticas e sim pelos por apelos clientelistas e fisiológicos. E os dois populistas, Lula e Bolsonaro, cultivam esses seres venais desde a campanha pela conquista do poder. O entorno mais próximo dos populistas é quem poderia limitar essas forças fisiológicas -sim, os oportunistas do Centrão constituem uma força política- mas parece que elas também exercitam uma espécie se oportunismo político e não se importam de usar, ou pensar que usam, estes fisiológicos para chegarem ou manter o poder.

    Poder é força, segundo Maquiavel, mas a força que acessa os
    ideólogos dos dois populistas é vexatória e venal ao Brasil.

    Edson Luiz Pianca.
    edsonmaverick@yahoo.com.br

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  3. Na falta de um conservadorismo legítimo abraçaram um reacionarismo vergonhoso,imperdoável.

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