O Globo
Na propaganda eleitoral, as dívidas serão
perdoadas, negociadas, reduzidas, enfim, aliviadas. Como?
Olhando os grandes números, parece mesmo
que a economia brasileira passa por um bom momento: a inflação desacelera,
o crescimento acelerou no segundo semestre, deixando um embalo para o final do
ano, a taxa de desemprego caiu, e não há dificuldades nas contas externas.
Comparando com a situação e as expectativas
do início deste ano, o ambiente é claramente melhor. Mas não dá para concluir
que isso tudo deixará uma boa herança para o próximo presidente.
Começando pelos preços ao consumidor. Pelo
IPCA de agosto, divulgado ontem, a inflação em 12 meses caiu para 8,73%, a
primeira vez em um ano que fica abaixo dos dois dígitos. Governo e mercado
esperam desaceleração lenta, porém consistente para os próximos meses.
Essa expectativa faz sentido porque, depois
de várias tentativas, finalmente temos uma legislação que garante a
independência do Banco Central (BC). Isso permite que a instituição pratique
uma política monetária de juros muito elevados mesmo em pleno ciclo eleitoral.
Mais ainda: pela nova lei, o mandato do
presidente da República não coincide com o do presidente do BC. O atual chefe
da instituição, Roberto Campos Neto, tem mandato até 2024 — e isso significa
que a política monetária será mantida nos próximos dois anos. A expectativa
dominante sugere que a inflação chegará à meta (3%) somente em 2024, depois de
três anos seguidos de estouros.
No médio termo, está bom, mas em termos políticos há uma óbvia dificuldade. A inflação vem sendo derrubada a golpes de juros muito elevados — ou de uma política muito restritiva, como têm repetido os diretores do BC.
“Restritiva” quer dizer uma política que
restringe investimentos e consumo. Fica muito caro tomar financiamento para
qualquer coisa. Isso limita programas de expansão da atividade e do emprego,
que constam da propaganda dos candidatos. Nenhum deles disse até agora como
agirá diante de juros tão elevados por tanto tempo.
Outra dificuldade econômica e política está
no elevado endividamento das famílias. Na propaganda eleitoral, as dívidas
serão perdoadas, negociadas, reduzidas — enfim, aliviadas. Como? Ou não há
respostas ou há explicações fantasiosas, que colocam no mesmo saco desde
dívidas tributárias até carnês em atraso. Não funciona, muito menos enquanto os
juros permanecerem elevados. Há aí, portanto, uma séria restrição ao
crescimento econômico.
Tem mais. Como tudo no Brasil, a inflação
também é desigual. Quem encheu o tanque em agosto pagou menos do que no mês
anterior. Quem pegou avião também gastou menos. Mas quem foi ao supermercado
comprar alimentos pagou muito mais.
Em 12 meses, a inflação de alimentos
alcançou 13,43%, bem acima do índice médio. Preços de comida estão agora
subindo menos, mas subindo.
Para ficar nos combustíveis, a queda se
deve basicamente à redução de impostos, que arruína a receita de estados e
municípios. De algum modo, essa receita terá de ser reposta no ano que vem — já
que as despesas não caíram. Logo haverá uma conta para o contribuinte, a ser
cobrada pelos novos governantes.
Visto de perto, portanto, 2023 estará
assim: inflação caindo, mas ainda pesando no bolso, convivendo com juros
elevados para empresas e famílias, a maior parte destas endividadas. Não há
como acelerar o crescimento nessas circunstâncias.
A menos que o governo federal coloque um
monte de dinheiro novo na economia. Não há esse dinheiro. Ao contrário, o
governo Bolsonaro estourou o teto de gastos várias vezes e deixará buracos
espalhados para os próximos anos. Fatal. Consequência da política de cortar
impostos e distribuir “bondades” sem reduzir despesas. No máximo, adiaram
despesas deste para os próximos anos, um baita problema para o sucessor.
Não acabou: o mundo desenvolvido está muito
perto de uma recessão (com juros altos), e a China, nossa principal parceira
econômica, cresce cada vez menos por causa da política de Covid Zero, que
coloca populações em lockdown praticamente todo mês.
Isso, não se vê na campanha.
É,a coisa tá feia e vai piorar.
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