quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Eugênio Bucci* - A pauta ainda pauta

O Estado de S. Paulo

Os fatos que mais mobilizam a opinião pública no debate eleitoral são aqueles descobertos, verificados e reportado pela imprensa profissional

À medida que se aproximam as eleições de outubro, vai ficando mais e mais patente que somos um país atolado em fake news (uma delas nos governa e atazana). Olhe à sua volta e verá. Corre por aí o boato criminoso dizendo que os opositores do presidente da República acalentam um plano de fechar igrejas pelo Brasil afora. Muita gente acreditou. Há, também, aquela história estapafúrdia de que Lula quer acabar com o trabalho por aplicativos, uma propaganda que só serve para aterrorizar.

Entre tantas mentiras industrializadas, a pior é a demonização das vacinas. O alvo não são apenas as da covid-19, mas todas. De onde vem tanta crueldade? Como será que alguém pode fazer isso, mesmo sabendo que vai prejudicar a saúde de gente desavisada? A resposta é tão simples quanto chocante: os patrocinadores da extrema-direita antidemocrática se convenceram de que, se insuflarem a repulsa aos imunizantes, desmoralizarão os cientistas, e, se desmoralizarem os cientistas, fortalecerão a imagem do mitômano que querem ver reeleito. Fanáticos, metidos a salvadores da Pátria, não hesitam em espalhar o pânico. Financiam a ignorância fabricada e sabotam as campanhas de vacinação, que já não alcançam os mesmos patamares do passado. Matam seus conterrâneos e nem ligam.

Atarantadas, as autoridades improvisam ações para frear o desastre. Em nome de combater a desinformação, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) chegou ao ponto de aderir ao Telegram, onde distribui mensagens educativas sobre “como votar”. As agências de checagem, que amadureceram bastante de 2018 para cá, trabalham com o mesmo propósito e mais efetividade. Fundações privadas apoiam com dinheiro divulgadores da ciência e ajudam a diminuir o estrago. Tudo isso é bom, claro, e traz resultados positivos, mas a verdade é que o Brasil chafurda em fake news. A balela vence. O ignaro grassa. O golpismo campeia.

Eleitores e eleitoras se baseiam em correntes do WhatsApp para decidir o voto. Um meme flamejante, passional e inverídico atinge mais gente do que uma manchete de primeira página. Para piorar o que já ia muito mal, o jornalismo se enfraqueceu. A imprensa brasileira vai de crise em crise, sem tempo de tomar fôlego. As grandes redações encolheram e os jornais pequenos – regionais ou municipais – passam por dificuldades asfixiantes. Reféns de verbas públicas, controladas por prefeitos ou estafetas de governadores, não conseguem ter independência editorial e sobrevivem na irrelevância.

Mesmo assim – veja você que coisa incrível –, poucas vezes a imprensa teve tanta proeminência no Brasil. Ainda que sitiada e covardemente atacada, vem fazendo uma enorme diferença. A pauta jornalística ainda pauta o debate público.

Os sinais disso estão em toda parte. Há duas semanas, as entrevistas concedidas ao Jornal Nacional pelos dois candidatos mais bem colocados nas pesquisas, Lula e Bolsonaro, alcançaram um patamar na casa dos 40 milhões de telespectadores. As perguntas diretas, competentes e bem fundamentadas formuladas pelos apresentadores William Bonner e Renata Vasconcellos foram decisivas para que as pessoas não desgrudassem os olhos da tela. Bom jornalismo. Pouco depois, no domingo de 28 de agosto, o debate entre os cinco principais candidatos e candidatas na Band, em São Paulo, mediado por jornalistas preparados, levou a emissora a bater recordes de audiência. Pode parecer um paradoxo, mas não é. A forte presença dos meios jornalísticos na disputa eleitoral é apenas lógica.

Quais os fatos que mais mobilizam a opinião pública no calor do debate eleitoral? São aqueles que foram descobertos, verificados e reportados pela imprensa profissional. A corrupção no Ministério da Saúde ganhou visibilidade no ano passado, depois que Julia Affonso, André Shalders e Breno Pires, repórteres do Estadão, relataram indícios de um negócio suspeitíssimo na compra da Covaxin pelo governo federal. Também no ano passado, o mesmo Estadão, em outro furo de reportagem, revelou o escândalo do orçamento secreto graças ao trabalho investigativo de Breno Pires e André Shalders – os mesmos que desnudaram as tramoias na Saúde –, acompanhados de Vinícius Valfré e Felipe Frazão. Agora, Thiago Herdy e Juliana Dal Piva, do UOL, esmiuçaram as compras de imóveis em dinheiro vivo pela família Bolsonaro.

Essas notícias são referência obrigatória na corrida para o Palácio do Planalto. Melhor assim. Mesmo bombardeada por informações fraudulentas, a opinião pública busca respaldo na verdade factual, o que não deixa de ser um alento para quem valoriza a liberdade de imprensa e a democracia. Bem sabemos que a desinformação, abastecida pelo dinheiro dos bilionários fascistas, se alastra como praga, mas a boa pauta e a boa reportagem seguem atuantes. Se, no fim deste túnel claustrofóbico em que despencamos, ainda houver Estado Democrático de Direito, haverá imprensa – e vice-versa.

Não se trata de bancar o otimista, mas de olhar a realidade de frente: se a pauta da imprensa de qualidade consegue pautar a campanha eleitoral, ainda pulsa o pulso da razão.

*Jornalista, é professor da ECA USP

2 comentários:

  1. Anônimo8/9/22 14:43

    Sim, a imprensa tradicional ainda é a melhor ferramenta pra tentarmos entender os abusos e absurdos do DESgoverno Bolsonaro. Mas tem gente que prefere ficar com a imprensa miliciana da Record, Joven Pan e outros lixos, que felizmente não representam a mídia responsável que ainda existe e resiste no país. Os blogueiros criminosos que recebiam verbas públicas, como o Allan dos Santos, já estão sendo processados e serão punidos. Este canalha preferiu fugir pra não ter que enfrentar a Justiça brasileira! O mesmo fez o covarde Abraham
    Weintraub, que fugiu do país fantasiado de "ministro" mesmo depois de vários dias de sua demissão, protegido pelo genocida e indicado pra boquinha no Banco Mundial ganhando 110 mil reais mensais... Este é o "patriotismo" destes canalhas!

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