O Estado de S. Paulo
Os fatos que mais mobilizam a opinião
pública no debate eleitoral são aqueles descobertos, verificados e reportado
pela imprensa profissional
À medida que se aproximam as eleições de
outubro, vai ficando mais e mais patente que somos um país atolado em fake
news (uma delas nos governa e atazana). Olhe à sua volta e verá. Corre por
aí o boato criminoso dizendo que os opositores do presidente da República
acalentam um plano de fechar igrejas pelo Brasil afora. Muita gente acreditou.
Há, também, aquela história estapafúrdia de que Lula quer acabar com o trabalho
por aplicativos, uma propaganda que só serve para aterrorizar.
Entre tantas mentiras industrializadas, a pior é a demonização das vacinas. O alvo não são apenas as da covid-19, mas todas. De onde vem tanta crueldade? Como será que alguém pode fazer isso, mesmo sabendo que vai prejudicar a saúde de gente desavisada? A resposta é tão simples quanto chocante: os patrocinadores da extrema-direita antidemocrática se convenceram de que, se insuflarem a repulsa aos imunizantes, desmoralizarão os cientistas, e, se desmoralizarem os cientistas, fortalecerão a imagem do mitômano que querem ver reeleito. Fanáticos, metidos a salvadores da Pátria, não hesitam em espalhar o pânico. Financiam a ignorância fabricada e sabotam as campanhas de vacinação, que já não alcançam os mesmos patamares do passado. Matam seus conterrâneos e nem ligam.
Atarantadas, as autoridades improvisam
ações para frear o desastre. Em nome de combater a desinformação, o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) chegou ao ponto de aderir ao Telegram, onde distribui
mensagens educativas sobre “como votar”. As agências de checagem, que amadureceram
bastante de 2018 para cá, trabalham com o mesmo propósito e mais efetividade.
Fundações privadas apoiam com dinheiro divulgadores da ciência e ajudam a
diminuir o estrago. Tudo isso é bom, claro, e traz resultados positivos, mas a
verdade é que o Brasil chafurda em fake news. A balela vence. O ignaro
grassa. O golpismo campeia.
Eleitores e eleitoras se baseiam em
correntes do WhatsApp para decidir o voto. Um meme flamejante, passional e
inverídico atinge mais gente do que uma manchete de primeira página. Para
piorar o que já ia muito mal, o jornalismo se enfraqueceu. A imprensa
brasileira vai de crise em crise, sem tempo de tomar fôlego. As grandes
redações encolheram e os jornais pequenos – regionais ou municipais – passam
por dificuldades asfixiantes. Reféns de verbas públicas, controladas por
prefeitos ou estafetas de governadores, não conseguem ter independência
editorial e sobrevivem na irrelevância.
Mesmo assim – veja você que coisa incrível
–, poucas vezes a imprensa teve tanta proeminência no Brasil. Ainda que sitiada
e covardemente atacada, vem fazendo uma enorme diferença. A pauta jornalística
ainda pauta o debate público.
Os sinais disso estão em toda parte. Há
duas semanas, as entrevistas concedidas ao Jornal Nacional pelos dois
candidatos mais bem colocados nas pesquisas, Lula e Bolsonaro, alcançaram um
patamar na casa dos 40 milhões de telespectadores. As perguntas diretas,
competentes e bem fundamentadas formuladas pelos apresentadores William Bonner
e Renata Vasconcellos foram decisivas para que as pessoas não desgrudassem os
olhos da tela. Bom jornalismo. Pouco depois, no domingo de 28 de agosto, o
debate entre os cinco principais candidatos e candidatas na Band, em São Paulo,
mediado por jornalistas preparados, levou a emissora a bater recordes de
audiência. Pode parecer um paradoxo, mas não é. A forte presença dos meios
jornalísticos na disputa eleitoral é apenas lógica.
Quais os fatos que mais mobilizam a opinião
pública no calor do debate eleitoral? São aqueles que foram descobertos, verificados
e reportados pela imprensa profissional. A corrupção no Ministério da Saúde
ganhou visibilidade no ano passado, depois que Julia Affonso, André Shalders e
Breno Pires, repórteres do Estadão, relataram indícios de um negócio
suspeitíssimo na compra da Covaxin pelo governo federal. Também no ano passado,
o mesmo Estadão, em outro furo de reportagem, revelou o escândalo do
orçamento secreto graças ao trabalho investigativo de Breno Pires e André
Shalders – os mesmos que desnudaram as tramoias na Saúde –, acompanhados de
Vinícius Valfré e Felipe Frazão. Agora, Thiago Herdy e Juliana Dal Piva, do
UOL, esmiuçaram as compras de imóveis em dinheiro vivo pela família Bolsonaro.
Essas notícias são referência obrigatória
na corrida para o Palácio do Planalto. Melhor assim. Mesmo bombardeada por
informações fraudulentas, a opinião pública busca respaldo na verdade factual,
o que não deixa de ser um alento para quem valoriza a liberdade de imprensa e a
democracia. Bem sabemos que a desinformação, abastecida pelo dinheiro dos
bilionários fascistas, se alastra como praga, mas a boa pauta e a boa
reportagem seguem atuantes. Se, no fim deste túnel claustrofóbico em que
despencamos, ainda houver Estado Democrático de Direito, haverá imprensa – e
vice-versa.
Não se trata de bancar o otimista, mas de
olhar a realidade de frente: se a pauta da imprensa de qualidade consegue
pautar a campanha eleitoral, ainda pulsa o pulso da razão.
*Jornalista, é professor da ECA USP
2 comentários:
Sim, a imprensa tradicional ainda é a melhor ferramenta pra tentarmos entender os abusos e absurdos do DESgoverno Bolsonaro. Mas tem gente que prefere ficar com a imprensa miliciana da Record, Joven Pan e outros lixos, que felizmente não representam a mídia responsável que ainda existe e resiste no país. Os blogueiros criminosos que recebiam verbas públicas, como o Allan dos Santos, já estão sendo processados e serão punidos. Este canalha preferiu fugir pra não ter que enfrentar a Justiça brasileira! O mesmo fez o covarde Abraham
Weintraub, que fugiu do país fantasiado de "ministro" mesmo depois de vários dias de sua demissão, protegido pelo genocida e indicado pra boquinha no Banco Mundial ganhando 110 mil reais mensais... Este é o "patriotismo" destes canalhas!
Muito bom o artigo.
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