segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Bernardo Mello Franco - Nova chance a Lula e à democracia

O Globo

Presidente eleito dá mais uma volta por cima em trajetória marcada por dramas e superação: “Tentaram me enterrar vivo e eu estou aqui”, desabafou

Antes de começar a leitura do discurso da vitória, Lula fez um breve comentário de improviso. Disse se considerar um cidadão que ressuscitou. “Tentaram me enterrar vivo e eu estou aqui”, desabafou.

Sua eleição para o terceiro mandato, feito inédito na história do Brasil, representa mais uma volta por cima numa trajetória marcada por dramas e superação.

Lula deixou o Planalto com popularidade recorde. Era aprovado por nada menos que 87% da população. Emplacou a sucessora para mais dois mandatos. Seu lugar no olimpo parecia garantido — até que veio a Operação Lava-Jato.

A investigação desgastou o PT e abriu caminho para o impeachment de Dilma Rousseff, a herdeira ungida por Lula. Mas seu verdadeiro alvo era o ex-presidente, alvo de uma caçada que culminou em sua prisão, em abril de 2018.

Acusado de corrupção, Lula passou 580 dias na cadeia. Teve os direitos políticos cassados. Foi submetido a um processo de linchamento moral. Perdeu a mulher, um irmão e um neto de 7 anos.

As tragédias pessoais se somaram ao declínio de seu partido. O PT encolheu, teve dirigentes presos, perdeu quadros promissores. Em certa altura, chegou a ser descrito como uma sigla em extinção.

A maré começou a virar com o vazamento de mensagens que provavam os interesses políticos por trás da Lava-Jato — que já eram evidentes para quem não quis tapar os olhos.

O Supremo concluiu que Sergio Moro foi um juiz parcial e anulou as condenações de Lula. O petista saiu da cadeia, juntou os cacos e subiu no palanque para organizar sua sexta campanha presidencial.

A vitória deste domingo dá uma nova chance ao retirante que sobreviveu à miséria e chegou à Presidência. A eleição também dá outra chance à democracia brasileira, alvo de ataque permanente desde que Jair Bolsonaro chegou ao poder.

Herdeiro dos porões da ditadura, o capitão se dedicou a minar, um por um, todos os pilares da Constituição de 1988. Tentou emparedar o Judiciário e o Legislativo. Capturou os órgãos de controle. Agiu para sufocar a oposição, as universidades e a imprensa.

As políticas públicas sofreram um processo deliberado de desmonte. O governo abandonou a Amazônia e se aliou às quadrilhas que lucram com a devastação da floresta. Desprezou a ciência, sabotou o sistema de saúde em meio a uma pandemia, transformou o país em pária internacional.

Nos últimos meses, Bolsonaro raspou os cofres públicos e pôs toda a máquina do Estado a serviço da reeleição. Só fracassou porque encontrou, do outro lado da disputa, o político mais popular desde a redemocratização do país.

Como reconheceu neste domingo, Lula não venceu sozinho. Usou sua experiência para costurar uma frente ampla com representantes de todo o espectro político, a começar por um vice de centro-direita. A vitória dessa frente é um triunfo da democracia sobre o autoritarismo.

Aos 77 anos, o petista subirá a rampa com desafios enormes à sua frente. Receberá um Brasil mais pobre e mais dividido do que aquele que herdou de Fernando Henrique Cardoso em 2003.

Terá que recuperar a imagem do país, isolar a extrema direita e reconstruir as instituições torpedeadas por Bolsonaro. Além de tudo isso, precisará arrumar as contas públicas para cumprir sua principal promessa: tirar o Brasil mais uma vez do mapa da fome.

 

Um comentário:

  1. Parabéns aos nordestinos que elegeram o homem certo na hora certa.

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