O Globo
Presidente eleito dá mais uma volta por
cima em trajetória marcada por dramas e superação: “Tentaram me enterrar vivo e
eu estou aqui”, desabafou
Antes de começar a leitura do discurso da
vitória, Lula fez um breve comentário de improviso. Disse se considerar um
cidadão que ressuscitou. “Tentaram me enterrar vivo e eu estou aqui”,
desabafou.
Sua eleição para o terceiro mandato, feito
inédito na história do Brasil, representa mais uma volta por cima numa
trajetória marcada por dramas e superação.
Lula deixou o Planalto com popularidade
recorde. Era aprovado por nada menos que 87% da população. Emplacou a sucessora
para mais dois mandatos. Seu lugar no olimpo parecia garantido — até que veio a
Operação Lava-Jato.
A investigação desgastou o PT e abriu caminho
para o impeachment de Dilma Rousseff, a herdeira ungida por Lula. Mas seu
verdadeiro alvo era o ex-presidente, alvo de uma caçada que culminou em sua
prisão, em abril de 2018.
Acusado de corrupção, Lula passou 580 dias na cadeia. Teve os direitos políticos cassados. Foi submetido a um processo de linchamento moral. Perdeu a mulher, um irmão e um neto de 7 anos.
As tragédias pessoais se somaram ao
declínio de seu partido. O PT encolheu, teve dirigentes presos, perdeu quadros
promissores. Em certa altura, chegou a ser descrito como uma sigla em extinção.
A maré começou a virar com o vazamento de
mensagens que provavam os interesses políticos por trás da Lava-Jato — que já
eram evidentes para quem não quis tapar os olhos.
O Supremo concluiu que Sergio Moro foi um
juiz parcial e anulou as condenações de Lula. O petista saiu da cadeia, juntou
os cacos e subiu no palanque para organizar sua sexta campanha presidencial.
A vitória deste domingo dá uma nova chance
ao retirante que sobreviveu à miséria e chegou à Presidência. A eleição também
dá outra chance à democracia brasileira, alvo de ataque permanente desde que
Jair Bolsonaro chegou ao poder.
Herdeiro dos porões da ditadura, o capitão
se dedicou a minar, um por um, todos os pilares da Constituição de 1988. Tentou
emparedar o Judiciário e o Legislativo. Capturou os órgãos de controle. Agiu
para sufocar a oposição, as universidades e a imprensa.
As políticas públicas sofreram um processo
deliberado de desmonte. O governo abandonou a Amazônia e se aliou às quadrilhas
que lucram com a devastação da floresta. Desprezou a ciência, sabotou o sistema
de saúde em meio a uma pandemia, transformou o país em pária internacional.
Nos últimos meses, Bolsonaro raspou os
cofres públicos e pôs toda a máquina do Estado a serviço da reeleição. Só
fracassou porque encontrou, do outro lado da disputa, o político mais popular
desde a redemocratização do país.
Como reconheceu neste domingo, Lula não
venceu sozinho. Usou sua experiência para costurar uma frente ampla com
representantes de todo o espectro político, a começar por um vice de
centro-direita. A vitória dessa frente é um triunfo da democracia sobre o
autoritarismo.
Aos 77 anos, o petista subirá a rampa com
desafios enormes à sua frente. Receberá um Brasil mais pobre e mais dividido do
que aquele que herdou de Fernando Henrique Cardoso em 2003.
Terá que recuperar a imagem do país, isolar
a extrema direita e reconstruir as instituições torpedeadas por Bolsonaro. Além
de tudo isso, precisará arrumar as contas públicas para cumprir sua principal
promessa: tirar o Brasil mais uma vez do mapa da fome.
Parabéns aos nordestinos que elegeram o homem certo na hora certa.
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