sexta-feira, 21 de outubro de 2022

José de Souza Martins - Pesquisas eleitorais e realidade

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O brasileiro que opina nessas questões não é um brasileiro de certezas, mas de incertezas, contradições e dúvidas

O aparente desencontro entre as pesquisas de opinião eleitoral que antecederam as eleições de 2 de outubro e os efetivos resultados das urnas não tem nada a ver com as suspeitas levantadas contra essa modalidade de prognóstico estatístico. Os pesquisadores não calculam só a probabilidade de acerto, mas também o erro amostral. Isto é, a probabilidade de desacerto na representatividade quantitativa das opiniões manifestadas.

A probabilidade de acerto é indicativa da possibilidade de que o candidato com maior número de opções vença a eleição. Mas não é garantia de que isso aconteça. Imprevistos de conscientização lenta, como a violação do sagrado, por Bolsonaro e por bolsonaristas, no Círio de Nazaré e na Basílica de Aparecida, são do tipo que repercutem mesmo na consciência de quem não é católico. É como aquele episódio não esquecido do evangélico que chutou a santa. As determinações da circunstância cambiante e seus imprevistos podem mudar opções.

A formação de opinião e a tomada de decisão, em casos assim, não é individual, é um processo social. As configurações, quaisquer que sejam, são momentos desse processo, são resultados provisórios que se reconfiguram no tempo dos dias que faltam para a eleição e o fechamento das urnas.

Nessas pesquisas, as categorias de referência para estudo dos fatores da decisão do eleitor talvez não abranjam todas as singularidades do processo social de sua decisão. Mesmo que sujeitos à influência de vários agentes partidários, tem ele algumas referências pétreas, suas.

Em nosso caso, têm sido considerados os rendimentos das famílias, frequentemente tomados como indícios da diferenciação de classes sociais, que não o são. Classe social envolve um conjunto extenso de variáveis não econômicas expressas na consciência política, o que difere de opinião eleitoral. Há nela um conjunto extenso de variáveis sociológicas e antropológicas não redutíveis a rendimentos. A concepção popular da economia tende a ser a de economia moral, a que influencia no voto.

As pesquisas têm pressuposto, também, a influência da religião nos seus resultados, com destaque para a diferença presumível entre evangélicos e católicos. Eficácia política da religião é completamente diferente nos dois grupos. Entre os evangélicos vinculados às igrejas de massa, como as dos grandes templos, e os das pequenas igrejas pentecostais, socialmente comunitárias, há diferenças de mentalidade, de comportamento e da concepção do sagrado.

As pequenas igrejas não são necessariamente as de púlpito usurpado por aproveitadores políticos com frases de efeito. O candidato é que é imaginariamente capturado e usado pelas igrejas. Bolsonaro está usando politicamente as igrejas. Mas também está sendo usado por elas em sentido diverso do que supõe.

Nesses grupos, a igreja local é o grupo de referência, mas sua sociabilidade comunitária estende a multiplicação da interpretação das falas e dos fatos para a informalidade da conversação dos crentes de um mesmo grupo de relações face a face fora do templo. Seu objetivo é outro.

Catolicismo é completamente diferente entre o dos católicos identificados com o Concílio Vaticano II e seus desdobramentos e o dos demais católicos. Desde João XXIII, em suas encíclicas e documentos, a Igreja Católica tem adotado como uma das referências de sua ação pastoral a superação da alienação social na disseminação da fé. A preocupação é contra o que escraviza e coisifica o homem e o priva da liberdade interior de crer. É o oposto do fundamentalismo de guerra santa, especialmente de igrejas evangélicas.

Embora essas distinções se traduzam na ação política, há diferenças significativas na influência de líderes religiosos na opção eleitoral por Lula ou Bolsonaro, como mostrou pesquisa do Datafolha, encomendada pela TV Globo e pela “Folha de S. Paulo”.

Para os eleitores de Lula, 30% são influentes. Para os eleitores de Bolsonaro, 43% mencionam influência dos líderes religiosos. Apesar da pouca evidência concreta de valores do cristianismo, em suas falas e em suas ações de governo, como a compaixão, o amor ao próximo, a paz, a caridade. Uma contradição entre o candidato e sua religiosidade que o torna vulnerável.

Provavelmente, fatores decisivos na formação da opinião eleitoral ficam de fora da avaliação nas análises de tendência de voto porque não consideradas nas classificações sociais adotadas. São estatisticamente sociais, mas não são qualitativamente sociológicas nem antropológicas. O brasileiro que opina nessas questões não é um brasileiro de certezas, mas de incertezas, contradições e dúvidas. É o brasileiro das categorias residuais das decisões de última hora.

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