Correio Braziliense
A exclusão social gerou conflitos que foram
resolvidos ora com políticas públicas, ora com a força bruta
Na coluna de domingo, intitulada Vamos
falar de exclusão estrutural, falamos da exclusão de maioria da população dos
benefícios de uma sociedade moderna e democrática e da velha segregação social
que herdamos da ordem escravocrata, que não se restringe ao racismo estrutural,
mas atinge a população mais pobre de um modo geral. Esse é um diagnóstico quase
pacífico, mas as divergências a partir de perspectivas políticas diferentes
para enfrentar o problema, como são as alternativas social-democrata e
"iliberal", polarizam o debate eleitoral que estamos vivendo neste
momento.
O debate ocorre de uma forma que exclui alternativas intermediárias, como as social-liberal ou neoliberal, que corresponderiam às propostas dos candidatos derrotados no primeiro turno. Em busca de apoio na classe média e no empresariado, o petista Luiz Inácio Lula da Silva é o que mais se aproxima da alternativa social-liberal, marcadamente sinalizada pelo apoio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e dos economistas do Plano Real Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha e Armínio Fraga. Jair Bolsonaro (PL), em recente entrevista, buscou apoio nos meios empresariais e na classe média defendendo a proposta de Estado mínimo, o modelo neoliberal.
A divisão social no Brasil não segue mais o
padrão clássico da sociedade industrial, porque vivemos numa ordem pós-moderna,
na qual as classes sociais já não se estruturam como antigamente. Por exemplo:
a velha classe operária da grande indústria mecanizada é uma espécie em
extinção. Não se resolve mais o problema da renda e da inclusão econômica
apenas com empregos formais, que continuam sendo muito necessários, mas
ampliando as possibilidades do mundo do trabalho com outras atividades produtivas
e a chamada economia criativa, que fomentam o empreendedorismo e o trabalho por
conta própria na prestação de serviços e oferta de bens e produtos.
O que torna perigosa essa divisão, que faz
parte das contradições de qualquer sociedade? É a forma radicalizada como está
sendo tratada. Historicamente, a exclusão social gerou conflitos que foram
resolvidos ora com políticas públicas, na ordem democrática, ora com a força
bruta, nos governos autoritários. Sem dúvida, o esforço individual e o
empreendedorismo são saídas para a exclusão em qualquer regime em que exista
livre produção mercantil e liberdade econômica, protagonizado por governos
social-democrata, social-liberal, neoliberal ou iliberal.
O problema é que isso não resolve o
problema da miséria dos que não conseguem ultrapassar os limites impostos pela
competição individual e a concorrência capitalista. É aí que as políticas
públicas de transferência de renda e inclusão social são necessárias.
Ética protestante
Em 1997, Fareed Zakaria, apresentador da
emissora CNN e especialista em política doméstica e externa, escreveu no
periódico Foreign Affairs que alguns países tinham cada vez menos apreço pelo
"Estado de Direito, respeito a minorias, liberdade de imprensa", o
que chamou de "iliberalismo". Essa tendência passou a ser um eixo da
política mundial com o fortalecimento da direita europeia, a eleição de Donald
Trump nos Estados Unidos e sua aliança com líderes mundiais, como Vladimir
Putin, na Rússia, e Recep Tayyip Erdogan, na Turquia, que transformaram as
respectivas democracias em ditaduras eleitorais.
Na Polônia e na Hungria, líderes populistas
fazem a mesma coisa. No Brasil, Bolsonaro se tornou um dos polos desse eixo,
sobretudo depois da derrota de Trump para o presidente democrata Joe Biden.
Num vídeo recente, que virou meme nas redes
sociais, o empresário Luciano Hang, o "Velho da Havan", aliado de
primeira hora de Bolsonaro, faz a apologia do empreendedorismo e critica
duramente a regulamentação da economia pelo Estado, atribuindo à esquerda a
responsabilidade pelo atraso econômico do país, ao passo que a direita teria
feito de Santa Catarina o paraíso brasileiro para se investir, trabalhar e
empreender.
E onde entra a "ética
protestante"? A expressão foi cunhada há mais 100 anos pelo sociólogo
alemão Max Weber, impressionado com a competição entre as igrejas protestantes
dos EUA. Hoje, em Springfield, no Missouri, há uma igreja para cada mil
habitantes. São 122 igrejas batistas, 36 capelas metodistas, 25 Igrejas de
Cristo e 15 Igrejas de Deus, que competem ferrenhamente entre si, usando
métodos comerciais e de marketing, que são a inspiração para as denominações
pentecostais aqui no Brasil.
A valorização do trabalho duro, do
empreendedorismo e do sucesso individual é um "americanismo" que veio
para ficar, tão poderoso na sua projeção global que nem mesmo a China comunista
escapa de sua expansão: estima-se que número de protestantes chineses possa
chegar a 110 milhões. No Brasil, onde se multiplicam as denominações
pentecostais, o avanço evangélico junto à população de baixa renda está
alicerçado na fé em Deus, na defesa da família, na pauta conservadora dos
costumes, no esforço individual e no empreendedorismo.
A adesão ao projeto iliberal, como o de Bolsonaro, tem a ver com a absolutização do sucesso individual como via de mobilidade social. Entretanto, num país tão desigual como o nosso, por si só não erradicará a pobreza. Por isso, não sensibiliza a maioria dos eleitores de mais baixa renda.
A sorte da esquerda brasileira é que o extrato de baixa renda é maioria.
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