Valor Econômico
Segundo turno que começou pela votação surpreendente
de Bolsonaro termina com investida contra TSE
Em quatro semanas, um segundo turno que
começou pelo surpreendente percentual de votos obtido pelo presidente da
República em 2 de outubro terminou sob o impacto de uma investida de sua
campanha para desacreditar o processo eleitoral. As pesquisas de intenção de
voto mostram um cenário apertado.
Marcada pelo recorde em denúncias de “fake
news” pedidos de direitos de resposta no horário eleitoral e pelo inédito poder
de polícia do TSE, a campanha estava marcada para terminar na noite desta
sexta-feira, com o debate presidencial. Terá porém, manifestações em todo o
país, no sábado, convocadas pela campanha de Jair Bolsonaro sob o mote
“eleições limpas”.
No lugar das urnas eletrônicas, cujo
relatório de fiscalização ainda não foi apresentado pelas Forças Armadas,
entrou a denúncia de supressão de inserções publicitárias da campanha
bolsonarista já rejeitado pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral,
Alexandre de Moraes.
A guinada da campanha presidencial deu-se à medida que a arrancada do primeiro turno, que deixou Jair Bolsonaro a apenas cinco pontos percentuais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (48,4% x 43,2%), o equivalente a 6 milhões de votos, perdeu fôlego.
Não foi por falta de empenho da máquina de
governo. Em apenas 11 dias (entre 10 e 21 de outubro) a Caixa Econômica Federal
emprestou R$ 4,3 bilhões em crédito consignado para 1,6 milhão de beneficiários
do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). O programa,
cujas regras foram definidas dias antes do segundo turno, acabaria suspenso,
temporariamente, por determinação do Tribunal de Contas da União.
Tampouco faltou empenho de empresários
aliados da campanha presidencial. Levantamento do Ministério Público do
Trabalho (MPT) contabilizou, até o dia 26 de novembro, 1.633 denúncias de
assédio eleitoral contra 1.284 empresas. Em 2018 apenas 98 empresas foram alvos
de denúncia.
Os casos variam de ameaça de dispensa de
empregados a anúncio de fechamento iminente em caso de resultado eleitoral
contrário ao pretendido pelo dono do estabelecimento, passando por incentivo à
abstenção. Os episódios que vieram à lume se relacionam com pressões pela
reeleição presidencial. Minas Gerais é o recordista de casos.
Além da máquina de governo e de uma rede de
suporte empresarial em todo o país, a candidatura à reeleição ainda teve, na
largada, o apoio dos governadores, dois dos quais reeleitos, dos três
principais colégios eleitorais do país: Romeu Zema (MG), Cláudio Castro (RJ) e
Rodrigo Garcia (SP).
Como Minas foi o único, entre esses três
Estados, em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou, passou a ser
o alvo preferencial da campanha bolsonarista, tendo motivado quatro visitas do
presidente. Zema, porém, que ganhou no primeiro turno com 56% dos votos válidos
sem associar seu nome ao de Bolsonaro, não se mostrou capaz de arregimentar
prefeitos para virar a campanha presidencial em Minas pelo que indicam as
últimas pesquisas Ipec e Datafolha.
No Rio de Janeiro, o presidente mantém-se à
frente, mas Lula foi capaz de avançar em territórios bolsonaristas como a
Baixada Fluminense e regiões da capital. Teve, para isso, um maior engajamento
do prefeito do Rio. Ao longo do primeiro turno, Eduardo Paes manteve-se a uma
distância regulamentar da campanha lulista porque apoiava a candidatura ao
governo do Estado do ex-prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PDT), em oposição
ao palanque lulista de Marcelo Freixo (PSB).
É em São Paulo, porém, que se trava a mais
dramática disputa desta reta final. Depois de passar para o 2º turno, a exemplo
de Bolsonaro, com votação acima daquela prevista pelos institutos de pesquisa,
Tarcisio Freitas (Republicanos) viu-se acossado pela candidatura petista de
Fernando Haddad.
A ascensão do ex-prefeito da capital se deu
depois que o ex-deputado federal Roberto Jefferson disparou dezenas de tiros de
fuzil e granadas de efeito moral contra policiais federais, afetando tanto a
campanha do ex-ministro bolsonarista, quanto a do presidente no Estado.
O episódio resultou em dois policiais feridos
e na volta de Jefferson, que cumpria pena domiciliar no interior do Rio, para o
presídio de Bangu 8. Com isso, o PTB, presidido por Jefferson, voltou a ter
protagonismo no 2º turno depois de ter marcado o primeiro com a atuação do
candidato do partido à Presidência, Padre Kelmon. Substituto de Jefferson na
chapa, por inelegibilidade, Kelmon, em dobradinha com o presidente, ocupou o
lugar de provocador-mor de Lula no último debate do 1º turno.
Surpreendido pela votação do adversário em
2 de outubro, o candidato petista demorou a reagir no 2º turno. A reação
começou com o engajamento da ex-candidata do MDB à Presidência, Simone Tebet à
campanha. Mais do que a incorporação do branco à campanha, a senadora foi
responsável pela respostas mais contundentes à entrevista em que Bolsonaro
disse ter “pintado um clima” em encontro com adolescentes venezuelanas que
estavam “ganhando a vida” numa comunidade do Distrito Federal.
A resistência em responder à cobrança para
que detalhasse o programa de governo, particularmente na economia, não impediu
que Lula obtivesse, no segundo turno, o apoio dos economistas que haviam
apoiado Simone, notadamente os idealizadores do Plano Real que aderiam em peso
à sua candidatura.
Nesta quinta-feira, Lula divulgou uma
“Carta para o Brasil do Amanhã” que é uma recauchutagem do programa de governo
protocolado no TSE em que diz que suas primeiras medidas, se eleito, serão para
resgatar a fome de 33 milhões de brasileiros.
A frente de apoio à campanha lulista
abrigou também empresários e investidores como Pedro Passos e Guilherme Leal
(Natura), ex-colaboradores do governo tucano. O segundo turno mostrou ainda o
acerto de sua campanha em associar uma frente ampla por sua candidatura à
defesa da democracia. Além dos ex-presidentes Fernando Henrique e José Sarney,
ambos nonagenários, a campanha contabilizou como positiva para Lula a
declaração do papa Francisco que, do Vaticano, desejou que “Nossa Senhora de
Aparecida livre o brasileiro do ódio, intolerância e violência”.
A declaração do papa veio na esteira da
repercussão, para o embate religioso da campanha entre evangélicos e católicos,
das hostilidades de apoiadores bolsonaristas contra o arcebispo de Aparecida,
Orlando Brandes. Antes do papa, o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Odílio Scherer
já tinha ido ao Twitter explicar que o vermelho de sua batina representava o
sangue derramado de Cristo e não sua adesão ao comunismo.
Com a vantagem de cinco pontos percentuais
de Lula sobre Bolsonaro, segundo o Datafolha, o debate da noite desta sexta
será a última grande oportunidade para o presidente tentar virar o jogo. Lula
tem sido preparado para não se deixar pautar pelo presidente, como o fez no
primeiro debate do segundo turno, na pauta da corrupção, com a presença do
ex-juiz Sergio Moro na plateia da TV Bandeirantes. É nas 24 horas depois do
debate que o mercado eleitoral da indefinição, formado por mais de oito milhões
de votos, pode vir a tomar um rumo. Nas capitais de todo o país e no Distrito
Federal, graças à atuação do Supremo Tribunal Federal, contará com o ineditismo
do passe livre no transporte municipal para depositar seu voto nas urnas.
Pois é...
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