Folha de S. Paulo
As redes acordaram a múmia reacionária no
Brasil e no mundo
Nunca achei, e
escrevi isto aqui mais de uma vez, que a eleição seria um passeio. E
parecia claro que a realização de um segundo turno daria azo a sortilégios e indignidades.
Estão aí, na cara de toda gente. Não viu quem não quis ou quem resolveu dançar
o minueto com o desastre de olho em 2026. Aquele 1,57 ponto percentual
que faltou
a Lula no dia 2 levou o país a olhar para o abismo. E agora o abismo
olha para o país. Ainda que Bolsonaro seja derrotado, miasmas do vale-tudo
empestarão o futuro.
Inexiste um confronto de opostos simétricos. Essa tese é uma farsa. Também a adesão dos economistas do Real a Lula me diz isso. Outros adversários históricos do PT, que talvez migrem para a oposição no dia seguinte à posse se o ex-presidente vencer, decidiram: "A democracia em primeiro lugar". Afinal, são raras as ditaduras que não proclamam "Deus acima de todos".
Sempre considerei Bolsonaro um adversário
perigoso não porque reconheça virtudes em seu governo. Ao contrário. Justamente
porque comandou uma gestão nefasta, não haveria de fazer distinção entre o
legal e o ilegal, o legítimo e o ilegítimo, o moral e o imoral. E não faz.
Convém notar que a disputa é apenas o seu Plano B. A primeira disposição era o
golpe. Manteve a sua tropa unida com a tese conspiratória sobre as urnas.
Obrigado a competir —o Centrão não topou a porradaria—, vimos entrar em ação a
mesma máquina de desinformação que atuou em 2018, mas agora agigantada por
recursos públicos.
O centrão tinha algo potencialmente mais
eficaz a testar do que a virada de mesa: sucessivos golpes legislativos. No
primeiro caso, Arthur Lira e Ciro Nogueira poderiam terminar na cadeia. Sendo
como é, ficaram com a chave do cofre. A tropa comandou a agressão à
Constituição, à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei Eleitoral para
interferir nas urnas. Com as bênçãos de Paulo Guedes. Anotem aí: Bolsonaro está
criando a jurisprudência dos sem-limites. Depois de 2022, será muito difícil
definir o que não pode fazer um governante em busca de um segundo mandato. Lula
ainda resistir como favorito é um quase-milagre de sua biografia.
"Está triste porque ele vai perder,
Reinaldo?" Quem disse que vai? Até acho que não. Meu ponto é outro.
Quantos são os filmes, sempre muito ruins, em que, por distração ou ambição,
exploradores acabam despertando uma múmia que morava nas catacumbas da
civilização, mantendo aprisionados com ela todos os males do mundo?
Estou atento à composição futura do
Congresso. Terei de lidar com ela todos os dias. Sabemos como funciona a
indústria de "fake news" do bolsonarismo. As reuniões de família já
não têm espaço para a rivalidade entre os primos. Certos valores torpes
passaram a ocupar "todos os lugares privilegiados e importantes do
espírito", como escreveu Musil ao indicar o curso de uma nova era.
Aquela senhora católica de Jacareí a gritar
sua fúria contra o padre, durante a homilia, porque ele pediu uma oração em
memória de Marielle informa que (mais Musil) "uma doença misteriosa
devorou a pequena genialidade dos velhos tempos" — já muito pequena,
insista-se. A mulher ordenava aos berros: "O senhor não vai falar de
Marielle Franco dentro da Casa de Deus! (...) Uma homossexual, envolvida com o
tráfico (...). Uma esquerdista do PSOL". A vereadora foi assassinada. Não
tinha ligação nenhuma com o tráfico. Para tão piedosa devota, homossexuais e
esquerdistas assassinados não merecem nem a sua oração. Eis a era das múmias
despertas.
Elas não acordaram só no Brasil. Trata-se
de um fenômeno das sociedades contemporâneas em tempos de redes sociais. E seu
objetivo é justamente solapar o regime de liberdades, que, em nome de seus
valores pluralistas, ainda se defende muito mal, permitindo que sabotadores, em
nome dos deles, atuem contra a própria democracia. Quando o TSE decide agir, a
exemplo do que fez com a correta resolução desta quinta, enfrenta críticas até
de certos setores abobalhados da imprensa, que fecham os olhos para os inimigos
da sociedade aberta.
Vença Lula ou Bolsonaro, os democratas viveremos dias de resistência. Vamos ver se ao golpe ou ao autogolpe.
E agora o abismo, com a cara horrenda de Bolsonaro estampada nele, olha para o país... Aquele 1,57% que faltou pode ser mesmo a diferença entre a Democracia e a barbárie, ou a continuação e o aprofundamento desta!
ResponderExcluirSó Jesus na causa.
ResponderExcluirNem Jesus aguenta mais.
ResponderExcluirVerdade,Jesus cansou,rs.
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