quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Mario Mesquita* - O otimismo das projeções econômicas

Valor Econômico

Surpresas positivas podem sugerir que as reformas implementadas desde 2016 estariam tendo os efeitos almejados

Modelos utilizados para fazer projeções econômicas tendem a partir da premissa de que o futuro terá alguns elementos comuns com o presente e o passado. Como consequência, modelos tradicionais são particularmente frágeis na detecção tempestiva de rupturas estruturais. Mudanças estruturais são geralmente detectadas e analisadas depois do fato, e não previstas ex-ante.

Cabe notar, contudo, que, mesmo quando erram, as projeções podem ser úteis. Por exemplo, se, a partir de um determinado momento, os economistas passam a subestimar consistentemente a taxa de crescimento do PIB, é possível que esteja ocorrendo uma mudança estrutural, para melhor, na capacidade de expansão do produto, que não está sendo capturada analiticamente em tempo real.

No caso do Brasil, o Banco Central compila, desde o início do século, uma amostra consistente de projeções sobre variáveis macroeconômicas, o chamado relatório Focus, que nos permite avaliar o comportamento das expectativas ao longo do tempo, bem como checar se há erros recorrentes.

Embora as projeções de taxas de juros e câmbio sejam mais relevantes do ponto de vista dos mercados de ativos, expectativas quanto à inflação e crescimento têm maior importância para famílias e empresas, e serão o foco desta coluna. Projeções podem ser e são feitas para vários horizontes, mas, para simplificar, vamos considerar aqui apenas aquelas divulgadas no final de dezembro, para o ano subsequente.

Considerando dados da amostra Focus desde 2001, pode-se concluir que os analistas têm, em linhas gerais, pecado por algum otimismo quanto à performance da economia. Isto porque, em média, projetam taxas de inflação mais baixas do que as efetivamente observadas, e taxas de crescimento um pouco mais fortes. A inflação anual média entre 2001 e 2021 foi de 6,4%, ante expectativas de 5,2%, já o crescimento ficou em 2,1%, frente a 2,6% esperados.

Surpresas inflacionárias têm sido mais frequentes e maiores do que surpresas desinflacionárias. Considerando apenas desvios superiores a 0,5 ponto percentual, para cada lado, houve surpresas inflacionárias em 10 anos, e desinflacionárias em 5 anos, e a inflação esperada ficou próximo da observada no resto do período. As maiores surpresas inflacionárias foram em 2002 (7,7 pontos percentuais), 2021 (6,7), 2015 (4,1) e 2001 (3,4). Já as maiores surpresas baixistas foram observadas em 2017 (-1,9), 2003 (-1,7) e 2006 (-1,4).

A sequência de surpresas baixistas de inflação entre 2016 e 2018, mesmo com flexibilização da política monetária, sugere que os analistas podem ter tardado um pouco a incorporar em seus modelos uma redução da taxa neutra de juros, ocasionada pela agenda de reformas implementada no período.

Quanto ao PIB, houve 13 surpresas negativas, e 7 positivas. Excluindo 2020, ano atípico dada a pandemia de covid-19, as maiores surpresas negativas ocorreram em 2015 (-4,1 pontos percentuais), 2001 (apagão, -2,6) e 2009 (recessão global, -2,4). As maiores surpresas positivas ocorreram em 2007 (2,6) e 2010 (2,4). O mercado tendeu a subestimar o crescimento no período anterior à crise de 2008-9, talvez por não incorporar plenamente os efeitos benéficos do boom de commodities.

As visões sobre a economia brasileira atingiram seu ponto de maior otimismo no final da primeira década do século, mas o que se seguiu foi um longo período de resultados decepcionantes - em maior ou menor grau, observamos surpresas negativas de crescimento, de forma ininterrupta, entre 2011 e 2016, em especial em 2012, e 2014-15. As surpresas provavelmente ocorreram porque os analistas subestimaram a relevância do ambiente global para o crescimento brasileiro, bem como os efeitos de decisões locais de política econômica.

É verdade que a atividade econômica tem surpreendido positivamente desde meados de 2020. O PIB caiu 4,1% naquele ano, mas isso foi bem menos do que o consenso de mercado acerca da intensidade da recessão, observado no momento de maior pessimismo sobre o impacto econômico da pandemia (-6,6% em julho de 2020). Houve também uma surpresa positiva em 2021 (1,2 pontos percentuais), e muito provavelmente haverá outra em 2022 (o consenso do mercado sobre o crescimento do PIB está atualmente em 2,76%, ante apenas 0,36% no final do ano passado).

Essa sequência de surpresas positivas pode sugerir que o crescimento tendencial da economia brasileira estaria aumentando - e isso constitui evidência preliminar (que merece ser estudada mais a fundo, sem vieses) de que as reformas implementadas desde 2016 estariam tendo os efeitos almejados.

*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco

 

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