O Estado de S. Paulo
Uma PEC no atual regime deveria vir com
dispositivo exigindo que o Executivo apresente ao Senado os limites de
endividamento
A equipe de transição do presidente eleito
apresentou a lideranças do Congresso Nacional uma proposta para alterar a
Constituição com o objetivo de descumprir o teto de gastos em até R$ 200
bilhões. Com razão, lideranças políticas e especialistas em contas públicas
apontaram graves riscos fiscais.
Qualquer “licença para gastar” concedida pelo Poder Legislativo precisa acompanhar prazos e diretrizes para implantar um novo arcabouço fiscal no País, substituindo o teto de gastos em vigor desde 2016. Sabidamente, o regime atual do teto de gastos já não consegue promover transparência e planejamento na gestão do Orçamento federal. Um novo arcabouço fiscal deveria ser construído sobre os alicerces da nossa Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): promover o planejamento e a transparência das medidas fiscais de curto prazo em sintonia com os objetivos fiscais de longo prazo.
A proposta de flexibilizar permanentemente
o teto de gastos, sem dar prazo ao Poder Executivo para apresentar um novo
regime fiscal, desconsidera qualquer compromisso com as contas públicas e
banaliza ainda mais o teto de gastos introduzido na Constituição no final de
2016. Em última análise, embaralha as expectativas em relação aos rumos da
gestão fiscal.
Mais do que simples limite constitucional de
despesa – que hoje traz mais problemas do que soluções –, o País precisa de um
sistema de regras e procedimentos, compatibilizado e coerente, capaz de
promover o controle de gastos de forma funcional e transparente. Na era das
“soluções simples para problemas complexos”, limitar-se a fixar um teto de
gastos na Constituição, em vez de adotar um arranjo institucional sofisticado,
é mais fácil, porém pouco sustentável.
O sistema de regras e procedimentos que
orientam a política fiscal no Brasil está definido na Lei de Responsabilidade
Fiscal, cuja gestação remonta à Assembleia Nacional Constituinte. Fui relator
de Tributos, Orçamentos e Finanças na Constituinte, na comissão então presidida
por Francisco Dornelles. Naquele momento histórico, nasceu o art. 163 da
Constituição, que vem a ser a base constitucional da LRF. Em meu parecer,
justifiquei a importância de um arcabouço fiscal regulamentado por lei
complementar com o objetivo de promover o “desenvolvimento equilibrado, com
juros compatíveis com a produção; transparência das operações, sobretudo as que
envolvam o setor público; e controle social do gasto e da dívida pública”.
Na mesma Constituinte, prevaleceu a regra
de manter a definição de limites de endividamento na esfera das competências
privativas do Senado, como vigorava na Constituição anterior, agora definido a
partir de iniciativa privativa do presidente. Por essa razão, a LRF estabelece
um arcabouço que se ancora em limites de endividamento e metas fiscais voltadas
para adotar uma trajetória da dívida pública a partir de uma concertação
política entre o Executivo e o Senado. Nessa mesma direção formou-se hoje um
consenso em torno da necessidade de um arcabouço ancorado em limites de
endividamento, ainda que estes não tenham sido regulamentados.
Poucos sabem que o Congresso teve um papel
determinante na origem da LRF. É que a proposta do Executivo para
regulamentá-la não nasceu espontaneamente, mas sim de um dispositivo da Emenda
Constitucional n.º 19, de 1998, conhecida como a da Reforma Administrativa. Em
seu art. 30, ficou estabelecido que o projeto de lei complementar referente ao
art. 163 da Constituição – que veio a se converter na LRF – seria apresentado
ao Legislativo em seis meses da promulgação daquela emenda constitucional.
Por isso, entendo que uma Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) no atual regime fiscal deveria vir acompanhada de
um dispositivo exigindo que o Poder Executivo apresente ao Senado os limites de
endividamento previstos no art. 52 da Constituição. Esse dispositivo permitiria
revogar o teto de gastos e, simultaneamente, estabelecer uma âncora fiscal
atrelada a uma regra de controle do endividamento.
Destaco três aspectos positivos dessa
opção. Primeiro, o arcabouço fiscal da LRF já está pronto para receber os
limites de endividamento, com válvulas de escape, gatilhos para ajustes de
contas e mecanismos de controle pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Segundo, colocaríamos a LRF num modo de operação completo, já que até hoje não
foram aprovados os limites de endividamento que ancoram o regime fiscal nela
regulamentado. Terceiro, esse novo arcabouço apresentaria as virtudes de um
adequado regime fiscal, conforme se adota hoje no palco internacional: simples,
efetivo e flexível.
A discussão legislativa da LRF se arrastou
por um ano – de 15/4/1999 a 11/4/2000. O Congresso Nacional aprovou uma lei que
até hoje está alinhada a boas práticas internacionais e que passaria, assim, a
funcionar com uma âncora fiscal na forma de limites de endividamento, como
recomendam órgãos oficiais em países considerados de ponta na área da
governança pública. Sejamos pragmáticos: o novo arcabouço fiscal deve ser
construído dentro do regime institucional da LRF.
*Senador (PSDB-SP)
Interessante!
ResponderExcluirEnquanto o pilantra do Posto Ipiranga aprontava, durante 4 anos ninguém se incomodou com os quase R$ 800 bilhões de estouros de tetos.
Mas, agora que é Lula, ai meus sais, perigo, deus na causa, todos querem porque querem controlar o novo governo e seus gastos sociais...
José Serra teria sido um grande presidente,eu acho.
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