terça-feira, 15 de novembro de 2022

Míriam Leitão - País entre o vácuo e a expectativa

O Globo

No Egito, Lula será visto como chefe de Estado. No Brasil o Orçamento continua enrolado

Dois eventos brasileiros ocorriam em Sharm el-Sheikh. No estande Brazil Hub, da sociedade civil, estavam representantes do futuro governo como Marina, Izabella Teixeira, Randolfe Rodrigues, Joenia Wapichana. Foram assistir pessoas de diversos países, organizações e empresas. Havia espaço para 80 pessoas, apareceram 500. A segurança da ONU teve que ser chamada para abrir um corredor em frente ao Brazil Hub porque a aglomeração impedia a passagem. No pavilhão oficial do Brasil, às moscas, o ministro Joaquim Leite dava uma palestra para vinte pessoas sobre suas propostas. Este ano ,o governo Bolsonaro decidiu que não fala de Amazônia, apenas de energia.

O presidente eleito Lula, que desembarca hoje no Egito, já é considerado o evento político mais importante dessa Conferência da ONU para o Clima. Doze chefes de estado pediram reuniões bilaterais, além da presidente da Comissão Europeia, e do secretário geral da ONU. E a lista cresce. Isso tem o significado claro: para o mundo, Lula já é chefe de Estado.

Enquanto isso no Brasil, há enormes obstáculos a remover antes de o governo começar. O senador Marcelo Castro, relator do Orçamento, avisou ontem que entende da seguinte forma a solução para o imbróglio do orçamento: o valor do Bolsa Família será colocado acima do teto de gastos para sempre. Serão ao todo R$ 175 bilhões.

– Entendi que a PEC vai excepcionalizar o Bolsa Família, porque a sociedade brasileira pactuou que precisa desse programa para socorrer os milhões de pobres. Portanto, não tem condicionantes, nem prazos. Ele é perene. Não é por um ano, nem por quatro. Se a gente está de acordo que isso precisa ser colocado fora do teto, é para sempre — me disse o senador, ontem à noite.

Mas há muita discussão dentro do novo governo. A administração que acaba é contra, alega que tem que ser menor e apenas por um ano. Tudo só ficará esclarecido amanhã quando for divulgada a proposta da PEC. Se for da forma como o relator imagina, o resto do trabalho será para remanejar o valor atual do Auxílio Brasil para todos os outros itens onde falta dinheiro.

— Tirando-se para fora do teto os R$ 105 bilhões atualmente previstos, esses recursos vão ser usados para cobrir os buracos em todos os outros pontos do orçamento. Mas eu vou querer que o governo me mande tudo detalhadinho para essa distribuição — explicou Castro.

Não será fácil consertar esse orçamento. Uma reunião na quinta-feira da semana passada na casa do senador Rodrigo Pacheco já mostrou isso. Houve muita divergência sobre como e o que fazer para que o Brasil possa começar no ano que vem tendo um orçamento.

Outro ponto de tensão na relação entre o governo que sai e o que entra tem a ver com a questão climática. Ontem, o vice-presidente Geraldo Alckmin exigiu as informações sobre o desmatamento. Os dados do Prodes, que mediu o desmatamento de agosto de 2021 a julho deste ano, estão prontos, mas o governo Bolsonaro os escondeu, como fez no ano passado. O plano é divulgar depois da Conferência do Clima. Um abuso. Mais um.

Os brasileiros que estão no Egito dizem que estão cercados de expectativa e alegria. O que mais ouvem é “o Brasil voltou”. Nesse ambiente é que Lula desembarca. O Brasil sempre foi grande nas negociações diplomáticas do clima, é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa, e tem a maior parte da maior floresta tropical. Bolsonaro nunca foi numa COP, enxotou a conferência que seria realizada no Brasil em 2019. Lula, como eu antecipei nessa coluna, no dia 6 de novembro, vai convidar a COP-30, de 2025, para ser realizada no Brasil.

Apesar desse bom ambiente para o Brasil, a Conferência em si vai mal. Um dos pontos concretos é financiamento. Na COP-15, em 2009, em Copenhague, foi fechado um acordo em que os países ricos desembolsariam US$ 100 bilhões por ano para os países pobres e vulneráveis a partir de 2020. Não estão cumprindo o combinado. O debate sobre o aumento das ambições das metas acionais também patina. A guerra criou uma crise de energia que está elevando as emissões da Europa. O Brasil nem pode atuar nesse impasse. O governo atual sempre sabotou os acordos. Lula, apesar de ser recebido com toda a alegria, não pode negociar. Só em 47 dias ele será presidente. O Brasil está entre o vácuo e a expectativa de poder.

 

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