segunda-feira, 7 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Criar ministérios não significa fazer um governo melhor

O Globo

Lula quer agradar grupos específicos e fazer barganha política, mas deveria se preocupar com uma gestão eficaz

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já avisou que aumentará o número de ministérios. Com a experiência de dois mandatos consecutivos, ele conhece bem as pressões em busca de espaço na Esplanada e deverá usar as pastas como agrados aos que o apoiaram. Prometeu recriar o Ministério das Mulheres e o da Cultura, voltar a desmembrar da Economia os conhecidos ministérios do Planejamento, do Trabalho e da Indústria e do Comércio, instituir o dos Povos Originários e sabe-se lá mais o quê.

Como toda medida política, criar ministérios envolve custos e benefícios. É fácil medir os custos: trata-se de toda a estrutura de gestão e burocracia atrelada ao novo ministro e à miríade de cargos abaixo dele. A criação de um ministério por si só, contudo, não representa aumento de despesa tão significativo em relação ao Orçamento da União. Se a área justificar uma gestão própria, uma nova pasta pode fazer sentido.

Não é essa, porém, a principal motivação de Lula. Como nos governos petistas anteriores, as razões são outras. Primeira, agradar eleitorados que se sentem valorizados apenas por ter uma pasta dedicada a suas causas (na prática, isso não significa nada, pois é possível executar uma política pública eficaz sem ministro específico). Segunda, a mais importante, criar mais cargos para oferecer nas barganhas políticas. Foi assim que, dos 24 ministérios que recebeu de Fernando Henrique Cardoso em 2002, Lula entregou 37 à sucessora, Dilma Rousseff.

É frustrante, para quem acha que criar ministérios facilita a governabilidade, constatar que inexiste relação entre o número de ministérios e a sustentação política do governo. Fernando Collor assumiu com apenas 12 pastas e perdeu a faixa presidencial num impeachment, com 16 ministérios. Dilma chegou a ter 39 ministros em 2015, maior gabinete da Nova República. Um ano depois também foi derrubada pelo Congresso noutro impeachment.

O presidente Jair Bolsonaro fez campanha em 2018 com a promessa de enxugar a máquina e governar com apenas 15 ministérios. Era um pretenso aceno de austeridade. Deixou de cumprir a promessa já na montagem do governo. Na posse, assumiu com 23 ministros. Era categórico: “Um número elevado de ministérios é ineficiente, não atendendo aos interesses legítimos da nação. O quadro atual deve ser visto como resultado da forma perniciosa e corrupta de fazer política”.

Tentou articular-se com o Congresso por meio de “bancadas temáticas”, sem ninguém ser capaz de explicar direito do que se tratava. Depois de alguns meses, aproximou-se do Centrão, grupo de partidos com atuação fisiológica, e cedeu aos parlamentares o orçamento secreto, por meio do qual apenas neste ano R$ 16,5 bilhões serão transferidos sem transparência nem critério técnico. Bolsonaro está prestes a deixar o governo com 23 ministros e só não criou o vigésimo-quarto ministério, da Segurança, porque não teve tempo.

A diversidade de pastas pode flutuar em função do programa de governo, da aliança política e das contingências. Independentemente do figurino ideológico, persistirão os ministérios-chave da Justiça, da área econômica, das Relações Exteriores, da Casa Civil e de áreas sociais como Saúde ou Educação. No restante, o mais importante não é o vaivém de ministérios, mas que a máquina administrativa funcione bem e execute políticas eficazes. Era com isso que Lula deveria se preocupar.

Geração solar é benéfica para a economia e para o meio ambiente

O Globo

Desde 2018, painéis fotovoltaicos octuplicaram e já correspondem a 10% da eletricidade brasileira

A rápida expansão da energia solar no Brasil tem surtido efeitos benéficos para a economia e a preservação do meio ambiente. Desde 2018, a potência instalada aumentou oito vezes, chegando a 20 gigawatts em outubro — à frente de gás, biomassa, carvão e energia nuclear. Cerca de 10% da matriz elétrica brasileira depende hoje do sol, e há, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, potencial para crescer muito mais. A previsão é que em pouco tempo a geração solar ultrapasse a eólica e fique atrás apenas da hídrica.

Uma das explicações é que ser verde é lucrativo. O dínamo da recente transformação são os brasileiros que fizeram contas e concluíram que painéis fotovoltaicos nos telhados de suas casas ou empresas representam economia. A queda na conta de luz é imediata. O tempo para recuperar o capital investido depende de fatores como incidência de sol no local e número de placas, mas é razoável falar em cinco anos. É como se toda a energia gerada depois desse prazo fosse grátis. A extensão da vantagem depende dos equipamentos, que costumam ter garantia bem maior.

O Brasil fez bem ao criar regras para incentivar a geração limpa. Quando há sol, a energia gerada abastece a residência ou a empresa, e o excedente é lançado na rede elétrica. Em momentos de pouco ou nenhum sol, a energia volta para ser consumida.

A Lei 14.300 prevê que quem já gera energia solar ou passar a gerar até o início de janeiro poderá continuar a usar gratuitamente a rede elétrica como uma espécie de bateria até 2045. Os consumidores que investirem em placas fotovoltaicas depois desse prazo pagarão uma tarifa. Mesmo com a mudança, continuará valendo a pena, mas a vantagem será menor. É esse incentivo extra que alimenta as previsões de crescimento vigoroso até o final do ano.

Com o agravamento do aquecimento global, a matriz elétrica limpa deverá se tornar uma das forças do Brasil para atrair investimentos no setor industrial. Como a demanda por eletricidade não para de aumentar e a maior parte dos rios já foi explorada, a participação das hidrelétricas é decrescente. Cairá de 61% do total para 48% em 2031, segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Por sorte, o país conta com vastas áreas propícias à geração solar e eólica, que, juntas, deverão chegar a 30% em nove anos.

A diversificação das fontes também reduz a vulnerabilidade do sistema de geração. Com mais painéis fotovoltaicos e turbinas eólicas, será possível gerenciar melhor os reservatórios de água das hidrelétricas. As demais fontes de energia — o gás, inclusive — também continuarão a ter papel relevante para manter a segurança da rede e reduzir o risco de apagões. Mas sol e vento é que garantirão o carimbo de sustentável à nossa matriz energética.

Petrobras em foco

Folha de S, Paulo

Investidores temem retrocessos; espera-se que Lula tenha aprendido com erros

Mesmo com o anúncio pela Petrobras do pagamento de R$ 43,7 bilhões em dividendos na quinta (3), valor equivalente a cerca de 11% do valor de mercado da empresa, as ações da estatal tiveram forte queda no dia seguinte. A desvalorização de mais de 5% destoou do restante do mercado, que subiu 1,08%.

O mau desempenho decorre de preocupações com o futuro da maior companhia do país. O temor, não sem fundamento, é que a nova gestão petista traga retrocessos no bem-sucedido processo de saneamento financeiro levado a cabo nos últimos anos, que transformou a petroleira numa das empresas mais lucrativas do setor.

A partir de 2016, a Petrobras passou por profunda reestruturação de seus processos internos, pagou dívidas originadas por projetos mal planejados e sujeitos à corrupção, como as refinarias Comperj e Abreu e Lima, vendeu ativos não prioritários e focou seus investimentos em exploração e produção, com grande eficiência.

Começou, assim, a bater recordes na geração de caixa e a distribuir dividendos em volumes jamais vistos. A conjuntura atual de preços elevados do petróleo viabilizou nos primeiros nove meses de 2022 o pagamento de R$ 180 bilhões, 77,5% a mais que no ano passado.

A política atual da empresa determina o pagamento de 60% da geração de caixa operacional, menos investimentos, enquanto o passivo for menor que US$ 65 bilhões.

Tal padrão de remuneração dos acionistas —em especial a União, que detém 37% do capital— só é possível porque a dívida atual, de US$ 54,3 bilhões, é inferior ao resultado operacional anual. Ao final do governo Dilma Rousseff (PT), é bom não esquecer, a empresa devia o quíntuplo do resultado anual.

Doravante, as principais incógnitas dizem respeito à continuidade da disciplina nos empreendimentos e ao potencial uso da companhia para controlar a inflação. Durante a campanha, afinal, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou os dividendos, indicou que vai intervir nos preços e prometeu voltar aos aportes em refinarias.

É natural que o novo governo possa ter prioridades diferentes e opte por reter mais lucros para investimentos. Mas qualquer decisão de ampliar aportes em setores como refino e energia limpa dependerão de uma revisão do planejamento estratégico, algo que só ocorrerá no ano que vem.

O principal risco é a degradação da governança interna, que pode novamente abrir espaço para projetos temerários. A boa notícia é que a empresa está mais blindada a malfeitos. O estatuto atual e a Lei das Estatais são barreiras importantes. Qualquer interferência na determinação de preços, por exemplo, traria reação dos acionistas minoritários nos tribunais.

Espera-se que Lula e o PT tenham aprendido algo com os escândalos da péssima gestão anterior.

A volta dos despejos

Folha de S. Paulo

Decisão do STF torna necessário aprimorar transição para evitar violência

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, autorizou a volta das ações de despejo, que haviam sido proibidas em junho de 2021 devido à pandemia.

A última prorrogação da medida havia sido aprovada pelo STF em agosto deste ano, com validade até 31 de outubro. Instado a decidir por uma nova prorrogação, Barroso negou o pedido.

A decisão vale tanto para ocupações coletivas quanto para inquilinos individuais. Segundo dados do Insper de dezembro de 2021, ao menos 20 mil pessoas estavam protegidas pelo julgamento da corte.

Diante da melhoria dos índices referentes à pandemia, é correto que se estabeleça a volta do cumprimento das medidas de liberação de posse. Em especial em despejos individuais, não cabe mais ao proprietário arcar com o ônus de medidas especiais sem justificativa.

Não obstante, políticas públicas de moradia são necessárias para diminuir o alto déficit habitacional no país: mais da metade da população vive em condições inadequadas de moradia, e 52%, segundo dados de 2019, pagam aluguel acima de 30% de sua renda.

Sem políticas efetivas, a situação já precarizada durante a pandemia, com a criação de favelas de desabrigados, perdurará.

Vale a pena definir regras mais claras de transição. Em desocupações coletivas, Barroso exige a criação de comissões de mediação no âmbito dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais. Falta esclarecer se tais comissões se referem aos órgãos internos de mediação já em atuação ou a outros que devem ser criados.

Mecanismos para evitar conflitos violentos devem ser fortalecidos. Na Câmara dos Deputados, está em debate um projeto que, além de apresentar legalidade duvidosa, aumenta as tensões fundiárias, já que autoriza o uso da polícia em desocupações sem ordem judicial.

A questão não é menor. Estimativas de movimentos sociais apontam que pelo menos 188 mil famílias podem ficar sem moradia com a liberação de despejos e remoções.

Cabe ao poder público fornecer soluções de habitação e acolhimento dos desabrigados. Ao Judiciário, cumpre aprimorar instrumentos de mediação que, de um lado, garantam o justo gozo da propriedade e, de outro, não gerem violência pelo uso excessivo da força policial.

É possível progredir sem degradar

O Estado de S. Paulo

Propostas como a da rede Uma Concertação pela Amazônia, que defende conciliar preservação ambiental e desenvolvimento econômico, devem ser apoiadas pela sociedade

O Brasil tem pela frente um desafio urgente e gigantesco: preservar a Amazônia ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento econômico da região, melhorando as condições de vida das populações locais e além. A tarefa demanda iniciativas nas mais variadas áreas e se desdobra em uma infinidade de ações. Tudo sob a sombra da escalada das mudanças climáticas e do desmonte das políticas de proteção ambiental no governo de Jair Bolsonaro. Por isso, são especialmente importantes iniciativas como a da rede Uma Concertação pela Amazônia, que formulou um modelo de governança que incentive as atividades econômicas que valorizem a floresta em pé.

A ideia da rede, apresentada em parceria com o Estadão e com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) no dia 26 de outubro, é subsidiar autoridades e governos nos inadiáveis debates sobre como preservar a Amazônia sem deixar de explorar suas riquezas.

O documento, que pode ser consultado no site concertacaoamazonia.com.br, faz propostas para os cem primeiros dias de atuação do próximo governo federal, bem como dos futuros governadores e do Congresso Nacional. Não por acaso, o título do documento − 100 primeiros dias de governo: propostas para uma agenda integrada das Amazônias − se refere à Amazônia no plural. A maior floresta tropical do planeta contém realidades e desafios de toda ordem. A face mais visível do problema, que aparece nas fotos de satélite para o mundo todo, é a devastação ambiental que se acelerou nos últimos anos até mesmo em terras indígenas e em unidades de conservação. A região convive também com alguns dos piores indicadores socioeconômicos do País.

Para fazer frente a tal situação, o documento defende um novo modelo de governança. Propõe, entre 14 sugestões, a criação de uma Secretaria de Estado de Emergências Climáticas vinculada à Presidência da República. Seria um gesto simbólico significativo para demonstrar preocupação efetiva com o tema, maltratado no atual governo.

O alcance do projeto pode ser aferido pela diversidade de especialistas que participaram dos debates. Além do meio ambiente, trabalharam pesquisadores de educação, saúde e segurança pública, além de políticos, incluindo dois ex-governadores, e representantes do Ministério Público e do terceiro setor. Quase todos constataram que o Estado brasileiro deve se fazer mais presente na região, como condição indispensável para a implementação de qualquer projeto de desenvolvimento.

Como bem descreveu o pesquisador e cofundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) Beto Verissimo, a Amazônia tem hoje, sob o ponto de vista ambiental, áreas já quase inteiramente desmatadas, outras sob pressão de pecuaristas, onde a floresta cede terreno a pastagens e onde há a presença do crime organizado, e, por fim, territórios com cobertura nativa preservada. Logo, é de esperar que as estratégias adotadas pelo poder público variem conforme cada cenário, mesclando ações de reflorestamento, de regularização fundiária, de fiscalização e de incentivo a atividades que tirem proveito do potencial econômico da floresta, sem derrubá-la. Uma sugestão de Verissimo e de outros participantes demanda mais investimentos em internet. Ou seja: tão ou mais importantes que as estradas de rodagem são as infovias para conectar as populações amazônicas às possibilidades da economia digital, da telemedicina e da educação.

No que diz respeito à violência, o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, apontou o baixo número de delegados e peritos nas polícias civis dos Estados amazônicos como entrave para o efetivo combate à criminalidade. Já a presidente do Instituto Igarapé, Ilona Szabó, destacou que os crimes ambientais fazem parte de um ecossistema de ilegalidades e violações com tentáculos dentro e fora da floresta.

Ou seja, não se pode pensar em preservar a Amazônia sem considerar que a floresta afeta regiões do País e do mundo bem distantes dela. E, sobretudo, não se pode planejar ações de defesa daquele bioma se as iniciativas de preservação ambiental continuarem a ser vistas como obstáculo ao desenvolvimento. Como mostra a rede Uma Concertação pela Amazônia, progresso e preservação não são excludentes.

O País precisa de uma indústria forte

O Estado de S. Paulo

Um mundo em rápidas mudanças e mais exigente em termos ambientais e sociais torna mais complexa a tarefa do próximo governo num setor vital para o desenvolvimento do Brasil

Com crescimento de 2,2%, a indústria puxou a expansão de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no segundo trimestre deste ano, na comparação com os três meses anteriores. Esse desempenho da economia brasileira foi celebrado pelo governo, que viu nele o fim dos problemas decorrentes da pandemia de covid-19 e a retomada do crescimento acelerado. Para o setor industrial poderia significar a recuperação gradual de seu papel impulsionador e transformador da economia que desempenhou no século passado, mas que vem perdendo há algumas décadas. A realidade, no entanto, como ocorre muitas vezes, é menos brilhante do que desejaríamos. E é essa a realidade que aguarda o futuro governo.

Mesmo que cresça 2,7% neste ano e se mantenha entre as dez maiores do mundo, a economia brasileira terá expansão menor do que a da economia mundial. E as projeções para 2023 são de desaceleração acentuada da atividade econômica. Quanto à indústria, o bom desempenho observado no primeiro semestre do ano, além de insuficiente para recolocá-la no lugar que ocupou no passado recente da economia brasileira, não está assegurado no futuro. Esse é o lado mais preocupante, e que merece atenção especial do governo que tomará posse em 1.º de janeiro de 2023.

A indústria de transformação continua tendo papel vital nas mudanças pelas quais passa o sistema produtivo, estimulando a geração e a disseminação de novas técnicas e novos métodos. Ela gera também empregos em geral mais bem remunerados do que os de outros setores e induz a melhoria dos sistemas de ensino na medida em que eleva o grau de exigência do preparo da mão de obra que ocupa.

Mesmo perdendo gradualmente sua participação no PIB à medida que os países crescem e se desenvolvem, com a expansão de outros segmentos, como de serviços, a indústria mantém seu papel modernizador. No Brasil, porém, o declínio da indústria em relação a outros setores começou antes de o País ter alcançado o desenvolvimento atingido por outras economias. E a queda se observa também em nível internacional.

O Brasil vem perdendo posição entre os maiores produtores industriais do mundo há quase três décadas. Na última classificação feita pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido), a indústria brasileira ficou em 15.º lugar, respondendo por 1,28% da produção mundial em 2021. Em 1996, respondia por 2,55%.

Os últimos anos têm sido caracterizados por mudanças profundas nos processos de produção e comercialização, com a chamada quarta revolução industrial. A automação que marcou a fase anterior continua importante, mas agora está acompanhada de outros elementos, como robótica, inteligência artificial, interconexão, novas formas de organização da produção e novas formas de negócio.

O impacto sobre o trabalho está sendo notável. A redução das tarefas repetitivas e manuais está exigindo crescentemente trabalhadores multifuncionais e com conhecimento técnico diversificado. E surgem também novas especializações profissionais. Tudo isso ocorre num mundo em que as exigências quanto a questões como meio ambiente, impactos sociais e governança se intensificam. Energia sustentável é um dos símbolos desse novo modelo de produção.

É preciso, porém, que o presidente eleito comece a dedicar atenção a essas questões com presteza.

Reforma tributária que simplifique e estimule a atividade produtiva; investimentos em inovação, ciência e tecnologia; capacitação de mão de obra; eficiência energética com respeito ao meio ambiente; provimento de infraestrutura adequada de transporte e logística; aperfeiçoamento da legislação trabalhista onde necessário, mas sem ferir direitos, estão entre os temas frequentemente citados por dirigentes da indústria como prioritários. Eles compõem um roteiro que o futuro governo terá de entender se estiver preocupado com o futuro da indústria e da economia brasileira.

Estrangeiros apostam no Brasil

O Estado de S. Paulo

Bom momento é recado de que credibilidade da política fiscal é essencial para atrair investimentos

A atratividade do Brasil para Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs) está crescendo. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos dois primeiros trimestres o Brasil foi o terceiro país que mais atraiu IEDs, depois de EUA e China. Mesmo com uma desaceleração global no segundo trimestre, o País manteve um bom ritmo. A Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) estima que os fluxos entre janeiro e setembro atingiram US$ 66 bilhões, 31% a mais do que o total investido em 2021. No ano passado, o Brasil ficou na sétima posição entre os países que mais receberam IEDs. Agora, a Unctad estima que deve fechar o ano no grupo dos cinco países mais atraentes.

São indicadores importantes, porque o IED se destina a ampliar a produção das empresas, refletindo um interesse duradouro por parte dos investidores. Por isso é também chamado investimento produtivo. Segundo o Banco Mundial, é o melhor tipo de investimento para gerar empregos, desenvolver infraestrutura e transferir tecnologias.

O bom posicionamento do Brasil pode ser explicado por fatores internos e externos. O País foi um dos primeiros a reagir à alta inflacionária mundial, antecipando-se no aumento da taxa de juros, agora estabilizada. Além disso, está, comparativamente, superando as expectativas em relação ao crescimento e à política fiscal. O Brasil está distante das zonas de riscos geopolíticos (como a disputa EUA e China e a guerra da Ucrânia), e, em meio a eles, as principais economias mundiais enfrentam perspectivas de recessão, com dificuldades em conter a inflação via aceleração das taxas de juros.

Países que disputam capital estrangeiro com o Brasil estão menos atraentes. A Rússia, por exemplo, está sob pressão internacional por sua guerra criminosa contra a Ucrânia. A inflação está degradando a economia argentina, enquanto o governo faz manobras temerárias na negociação da dívida com o FMI. As políticas econômicas da Turquia têm se mostrado erráticas.

Nestas circunstâncias, o Brasil se beneficia por oferecer ativos com valores atraentes, especialmente na área de commodities. Mas não só. Segundo a Unctad, a entrada de IED se destinou principalmente ao agronegócio, mas também ao setor automotivo, fabricação de eletrônicos, tecnologia da informação e serviços financeiros. A agência aponta que os fluxos têm sido impulsionados, sobretudo, por altos reinvestimentos de ganhos das multinacionais, além de empréstimos de matrizes a filiais no País. A Unctad sugere ainda que a privatização do setor elétrico deve continuar sendo um dos principais canais para o IED no Brasil.

O bom momento não deveria implicar acomodação. Ao contrário, é preciso aproveitá-lo para sinalizar aos investidores medidas para ampliar ainda mais a credibilidade, principalmente com uma reforma administrativa que elimine privilégios do funcionalismo e ajude a estabelecer níveis sustentáveis para a dívida pública e uma reforma tributária que racionalize mecanismos de taxação e elimine distorções regressivas. 

Espera-se responsabilidade fiscal já na fase de transição

Valor Econômico

Em uma eleição, o vitorioso é escolhido com a missão de fazer escolhas - e estas dependem das condições das contas públicas

Vencido o segundo turno, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apressou-se para tomar algumas providências práticas. Geraldo Alckmin (PSB), seu vice, foi escalado para comandar o processo de transição. E representantes de sua chapa logo realizaram as primeiras reuniões com autoridades dos três Poderes para tratar do assunto.

É assim que instituições republicanas trabalham no mundo todo, quando há alternância no poder. Destas reuniões, entretanto, já surgiram informações que merecem reflexão: a principal delas é a notícia segundo a qual o governo eleito pretende aprovar, ainda neste ano, uma proposta de emenda constitucional (PEC) visando “excepcionalizar” da regra do teto de gastos despesas adicionais consideradas “inadiáveis”.

Logo batizada de “PEC da Transição”, a proposta viabilizaria, por exemplo, a manutenção em R$ 600 mensais do Auxílio Brasil, que deve voltar a se chamar Bolsa Família. Só essa medida demandaria R$ 52 bilhões.

No entanto, conforme detalhou o Valor na semana passada, além da exceção para o auxílio, a PEC poderia ainda tirar do teto R$ 18 bilhões para o pagamento de R$ 150 adicionais a famílias com crianças de até seis anos; um montante suficiente para custear um reajuste do salário mínimo que leve em conta a média do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos cinco anos anteriores, que ficaria entre 1,3% e 1,4%; verbas para a merenda escolar e a Farmácia Popular; e retomada de obras paradas, além de até R$ 14 bilhões necessários para completar o piso para a saúde.

Para tanto, uma articulação foi feita com o relator da peça orçamentária de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI). Segundo ele, a proposta enviada pela gestão de Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso em agosto apresenta várias deficiências. Em outras palavras, existiria a necessidade de um espaço fiscal de mais de pelo menos R$ 100 bilhões fora do teto de gastos. Mas há quem cite a cifra de R$ 200 bilhões.

Está aí um problema. Além disso, a chamada PEC da Transição imediatamente começou a ser objeto de críticas até mesmo entre aliados do presidente eleito.

Em outra frente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fez algumas ponderações durante uma entrevista à GloboNews na sexta-feira. E defendeu que o governo eleito apresente uma medida provisória para garantir a manutenção do Bolsa Família em R$ 600 a partir de janeiro do ano que vem, em vez da PEC. Essa MP, argumentou, poderia, por exemplo, servir para garantir a abertura do crédito extraordinário necessário ao custeio do programa de transferência de renda. Por outro lado, ele recomendou que Lula e sua equipe se certifiquem de que há “segurança jurídica” para adotar esse mecanismo.

Isso já estava sendo feito. Na quinta-feira, representantes da equipe de transição estabelecida por Lula consultaram o Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de o órgão emitir um parecer avalizando a abertura de crédito extraordinário para financiar a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 no ano que vem.

De acordo com a legislação vigente, os créditos extraordinários são abertos sempre visando atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. Têm efeito imediato e, por serem feitos por meio de medidas provisórias, precisam de menos votos para serem aprovados posteriormente pelo Legislativo. Mas possivelmente teriam um alcance mais limitado - e menos permanente - do que uma PEC.

É compreensível que o governo eleito tente incluir no Orçamento do ano que vem alguns dos gastos decorrentes das promessas feitas durante a campanha eleitoral. Afinal, qualquer administração tenta afastar de si o risco de ser acusada de praticar “estelionato eleitoral”. Ademais, autoridades do PT buscam uma solução capaz de afastar questionamentos futuros sobre a solidez jurídica do instrumento utilizado.

Deve-se observar, contudo, que a situação fiscal do país não recomenda o estabelecimento de gastos permanentes fora do teto. Em uma eleição, o vitorioso é escolhido com a missão de fazer escolhas - e estas dependem das condições das contas públicas. A responsabilidade fiscal deve ter início já no período de transição.

Um comentário:

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