terça-feira, 22 de novembro de 2022

Pedro Cafardo - Cartas expõem duelo fiscal de economistas

Valor Econômico

Na bolsa se joga, se ganha e se perde. Façam suas apostas

Com a bola já rolando no Catar, o ímpeto seria relaxar e escrever apenas sobre a Copa do Mundo, seu duvidoso impacto econômico e questões históricas desse megaevento.

Mas há fatos relevantes no Brasil, que se prepara para a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Mais importante que os duelos do Catar é o duelo fiscal que se dá aqui, onde duas correntes, ambas apoiadoras de Lula no segundo turno da eleição, tentam influenciar a política econômica do novo governo.

Teve enorme repercussão em todas as mídias a carta aberta ao presidente eleito escrita pelos economistas Pedro Malan, Arminio Fraga e Edmar Bacha. Em tom respeitoso, esses três “pais do Real” alertaram Lula para o risco de que sua atuação venha a criar “problemas maiores do que os que queremos resolver”. A preocupação deles surgiu com a alta do dólar e a queda da bolsa decorrentes do discurso de Lula na COP27. Pela avaliação do trio signatário, ele teria dado a entender que a responsabilidade fiscal representa um obstáculo ao “nobre anseio da responsabilidade social”.

Teve pouca repercussão nas mídias, principalmente na grande, outra carta ao presidente eleito, escrita por um quinteto de economistas: Luiz Carlos Bresser-Pereira, José Luis da Costa Oreiro, Luiz Fernando Rodrigues de Paula, Kalinka Martins da Silva e Luiz Carlos Garcia Magalhães. Esses quatro “Luízes” e a professora Kalinka, novos desenvolvimentistas, procuram fazer um “contraponto” à carta dos três pais do Real.

O ponto central do alerta do trio é sobre a extinção do teto de gastos, um preceito constitucional que, na opinião desses economistas, “não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos”, ao contrário do que sustentou Lula. O Brasil paga juros altíssimos, segundo eles, porque “não é percebido como um bom devedor, seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente”. O trio passa a ideia de que a revogação do teto de gastos pode provocar uma onda inflacionária em razão de efeitos na desvalorização cambial, na redução de salários e na vida dos trabalhadores em geral.

O quinteto discorda dessa visão. Chama de “falácia” a ideia de que o teto é fundamental para garantir a disciplina fiscal. Isso porque ele se mostrou incapaz de impedir que o governo Bolsonaro realizasse um volume de gastos extrateto de R$ 795 bilhões. Inclusive gastos eleitorais vedados pela Constituição, sob a complacência do mercado financeiro.

O quinteto também classifica como “equivocada” a afirmação do trio de que o Brasil paga altíssimos juros porque “não é percebido como bom devedor”. Para fundamentar a crítica, cita o principal indicador do risco envolvido ao emprestar dinheiro para governos soberanos, o Embi+, calculado pelo banco J.P. Morgan. Em 2 de janeiro de 2003, primeiro dia útil do primeiro mandato de Lula, esse índice estava em 1.374 b.p., ou seja, um spread de 13,74% sobre a taxa de juros dos títulos da dívida pública americana. Oito anos depois, em 31/12/2010, último dia do segundo governo Lula, o índice havia caído para 189 b.p, (spread de 1,89%). Segundo o quinteto, isso é “prova inconteste da confiança do mercado na responsabilidade fiscal do governo Lula”.

Será que esse histórico de disciplina basta para garantir a responsabilidade fiscal agora? A pergunta é feita na própria carta do trio do Real, que responde “não”: “A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza”.

As críticas de Lula ao setor financeiro são contestadas na carta do trio: “O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos”.

Mas o quinteto entende que os juros (13,75% ao ano) poderiam ser muito mais baixos no Brasil, porque a política monetária e fiscal do país tem capacidade restrita de intervir no processo inflacionário hoje gerado fora do país. A inflação em 12 meses na União Europeia estava em 11,25% em outubro, quase o dobro da brasileira. Na Alemanha, era de 11,6% no mesmo período, e, nos EUA, de 7,7%. E os juros estão em 0,75% na UE e 3% a 3,25% nos EUA.

Com juros a 13,75%, o quinteto desenvolvimentista faz um alerta a Lula sobre o custo da dívida pública, um “elemento ausente” no debate do ajuste fiscal. Em 2022, esses gastos serão de R$ 500 bilhões e, em 2023, de R$ 700 bilhões. Esse seria “o maior programa de transferência de renda do mundo, só que uma transferência para o 1% mais rico do país”. O complexo das taxas de juros, segundo o quinteto, é “uma anomalia na comparação com o resto do mundo”, porque não decorre de elevado endividamento público, hoje em 77%, nada alarmante em nível internacional - na Espanha, por exemplo, é de 118%.

Esse duelo fiscal está apenas começando - nos últimos anos predominou o discurso fiscalista - e vai se expandir no Congresso nas próximas semanas, na discussão da PEC da Transição. Não deixa de ser um avanço que as citações da responsabilidade fiscal venham agora sempre aliadas à social. Ao longo dos debates haverá certamente novos impactos na bolsa. É bom lembrar, porém, que a bolsa, além de fonte relevante de capitais, é um grande campo onde se joga, se ganha e se perde. Façam suas apostas.

Copa do Mundo

Já em clima de Copa e abandonando o duelo fiscal, vale arriscar palpites sobre os jogos. A boa seleção brasileira tem chance de título, mas precisa abandonar o cai-cai adotado na Copa de 2018, principalmente por Neymar. As falsas quedas e contusões, consentidas pela arbitragem no Brasil, são punidas nas copas. E uma expulsão por simulações pode custar um título.

Com exceção da polêmica convocação do lateral direito Daniel Alves, as escolhas do técnico Tite tiveram apoio generalizado. Estão distantes os tempos de desavenças de torcedores sobre os escolhidos quando a maioria dos jogadores atuava no Brasil. Naquela época, o partidarismo clubístico falava mais alto, e geralmente a seleção saía do Brasil para as Copas debaixo de críticas.

Desta vez, há quase unanimidade no apoio aos escolhidos e a seleção inicia a Copa quinta-feira credenciada ao hexa. Infelizmente, a história mostra que têm mais chances de título seleções que saem do Brasil desacreditadas.

 

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