segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Alex Ribeiro - Juro neutro pode estar retrocedendo uma década

Valor Econômico

Estimativas indicam que a chamada taxa neutra de juros, aquela que não acelera e não desacelera a inflação, tenha subido a 5% reais ao ano

Os analistas do mercado financeiro já estão prevendo que a economia vai ter que operar com um nível mais alto de juros no governo Lula, mesmo antes de o novo presidente tomar posse, em janeiro. Estimativas indicam que a chamada taxa neutra de juros, aquela que não acelera e não desacelera a inflação, tenha subido a 5% reais ao ano.

Se o mercado financeiro estiver certo, o Brasil terá retrocedido uma década nesse quesito. Mesmo durante a grave crise fiscal do governo Dilma, a taxa neutra não havia passado muito além de 4% ao ano.

No questionário que tradicionalmente faz antes de suas reuniões, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central perguntou para economistas de instituições financeiras e de consultorias qual é a sua estimativa para a taxa neutra. Os resultados só saem na semana que vem, mas o boletim Focus de expectativas de mercado já dá boas indicações de que as projeções podem ter subido para 5%.

Desde o segundo turno das eleições presidenciais, as estimativas do mercado para a taxa Selic no longo prazo, em 2026, subiram de 7,5% ao ano para 8% ao ano. Como a meta de inflação de longo prazo hoje está estimada em 3%, isso significa que, grosso modo, os analistas tem em mente um juro real de cerca de 5% ao ano.

Há pouco mais de um ano, o Banco Central havia pedido ao mercado estimativas para a taxa neutra, e o consenso era de que estava em 3% ao ano.

O governo eleito tem a sua parcela de culpa por essa alta mais recente do juro neutro, com a sua Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que visa estourar em R$ 198 bilhões o teto de gastos e os sinais de que um economista não-ortodoxo vai comandar a Fazenda.

Mas a tendência de alta já vinha ocorrendo bem antes, com o contínuo enfraquecimento do arcabouço fiscal no governo Bolsonaro. Também pesou, em menor grau, o ambiente internacional mais desfavorável e as pressões inflacionárias globais.

Em dezembro de 2021, o mercado já estimava que a taxa neutra de juros havia subido para 4% ao ano. A pesquisa do BC diz que 93% citaram a política fiscal como a principal causa da alta do juro neutro. Naquele período, o governo Bolsonaro aprovou no Congresso uma PEC para tirar o pagamento de precatórios do teto de gastos e para corrigir esse limite de despesas com uma inflação maior. Apenas um terço dos analistas citaram também mudanças no cenário internacional como uma das causas para a alta da taxa neutra de juros.

O Banco Central reajustou, aos poucos, a sua taxa de juros, elevando-a primeiro para 3,5% ao ano e, depois, para 4% ao ano. Esse é um dos insumos mais importantes usados nos modelos de projeção de inflação do Copom. Na prática, significa que o comitê passou a operar com juros um ponto percentual mais altos para obter o mesmo efeito para baixar a inflação às metas.

Nesse período, porém, a percepção do mercado sobre a taxa neutra continuou a sua tendência de deterioração. Antes de Lula ser eleito, já estava em 4,5% ao ano, depois que o governo aprovou a PEC Kamikaze, que ampliou as transferências de renda para aumentar a chances de vitória do presidente Bolsonaro.

O Copom, porém, manteve os juros neutros estáveis em 4% ao ano durante esse período de gastança eleitoral. O comitê não costuma reajustar a sua estimativa com uma frequência tão grande como o mercado. Agora, dependendo do resultado da pesquisa pré-Copom, poderá se sentir novamente pressionado a rever as suas estimativas.

Com a economia sob comando de Paulo Guedes, foi desfeito uma boa parte dos ganhos no governo Temer, com aprovação do teto de gastos. O juro neutro chegou ao seu menor valor, em 2,9%, no começo do governo Bolsonaro, com a aprovação da reforma da Previdência Social, segundo estimativas do Banco Central publicadas num “box” do Relatório de Inflação de dezembro de 2021.

A depender da evolução da política fiscal no governo Lula, é possível que a taxa neutra siga em trajetória de alta. Os juros reais de longo prazo negociado em mercado, que hoje superam 6% ao ano, costumam indicar com certa antecedência a trajetória da taxa neutra.

Além de tornar mais penoso o combate à inflação, a alta dos juros neutros aumenta a despesa com juros e o superávit primário necessário para estabilizar a dívida do setor público em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

Cada alta de um ponto percentual na taxa neutra - e, portanto, na Selic - significa um aumento de R$ 37,1 bilhões nos encargos da dívida bruta, a cada período de um ano. A alta da taxa neutra no governo Bolsonaro, portanto, causa um prejuízo de R$ 56 bilhões. A alta da taxa neutra ocorrida desde a eleição de Lula provoca uma despesa adicional de R$ 18,5 bilhões por ano com juros.

Isso tem uma implicação importante para o superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública. Uma regra de bolso usada pelos economistas para estimar o superávit primário necessário para estabilizar a relação entre a dívida e o PIB é a diferença entre a taxa neutra e a tendência de crescimento econômico de longo prazo. Alguns deles subtraem mais algo como 1%, já que o deflator do PIB costuma superar a inflação oficial do país.

Se os juros reais subiram 2 pontos percentuais num prazo de um ano, isso significa, grosso modo, que o superávit primário necessário para estabilizar a relação entre a dívida e o PIB é cerca de 2 pontos percentuais maior. Isso dá um pouco menos de R$ 200 bilhões, ou o valor que Lula pede para gastar além do teto de gastos em 2023.

O superávit primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB será menor se a tendência de crescimento da economia tiver aumentado. A equipe econômica de Bolsonaro vem argumentando que, com as reformas econômicas dos últimos anos, essa velocidade cresceu para 2,5%. Mas o mercado, aparentemente, ainda não se convenceu disso. O Focus aponta uma tendência de crescimento de 2% no longo prazo. No questionário pré-Copom, o Banco Central pediu as novas estimativas do mercado para essa tendência de crescimento no longo prazo.

 

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