Valor Econômico
Estimativas indicam que a chamada taxa
neutra de juros, aquela que não acelera e não desacelera a inflação, tenha
subido a 5% reais ao ano
Os analistas do mercado financeiro já estão
prevendo que a economia vai ter que operar com um nível mais alto de juros no
governo Lula, mesmo antes de o novo presidente tomar posse, em janeiro.
Estimativas indicam que a chamada taxa neutra de juros, aquela que não acelera
e não desacelera a inflação, tenha subido a 5% reais ao ano.
Se o mercado financeiro estiver certo, o
Brasil terá retrocedido uma década nesse quesito. Mesmo durante a grave crise
fiscal do governo Dilma, a taxa neutra não havia passado muito além de 4% ao
ano.
No questionário que tradicionalmente faz antes de suas reuniões, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central perguntou para economistas de instituições financeiras e de consultorias qual é a sua estimativa para a taxa neutra. Os resultados só saem na semana que vem, mas o boletim Focus de expectativas de mercado já dá boas indicações de que as projeções podem ter subido para 5%.
Desde o segundo turno das eleições
presidenciais, as estimativas do mercado para a taxa Selic no longo prazo, em
2026, subiram de 7,5% ao ano para 8% ao ano. Como a meta de inflação de longo
prazo hoje está estimada em 3%, isso significa que, grosso modo, os analistas
tem em mente um juro real de cerca de 5% ao ano.
Há pouco mais de um ano, o Banco Central
havia pedido ao mercado estimativas para a taxa neutra, e o consenso era de que
estava em 3% ao ano.
O governo eleito tem a sua parcela de culpa
por essa alta mais recente do juro neutro, com a sua Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) que visa estourar em R$ 198 bilhões o teto de gastos e os
sinais de que um economista não-ortodoxo vai comandar a Fazenda.
Mas a tendência de alta já vinha ocorrendo
bem antes, com o contínuo enfraquecimento do arcabouço fiscal no governo
Bolsonaro. Também pesou, em menor grau, o ambiente internacional mais
desfavorável e as pressões inflacionárias globais.
Em dezembro de 2021, o mercado já estimava
que a taxa neutra de juros havia subido para 4% ao ano. A pesquisa do BC diz
que 93% citaram a política fiscal como a principal causa da alta do juro
neutro. Naquele período, o governo Bolsonaro aprovou no Congresso uma PEC para
tirar o pagamento de precatórios do teto de gastos e para corrigir esse limite
de despesas com uma inflação maior. Apenas um terço dos analistas citaram
também mudanças no cenário internacional como uma das causas para a alta da
taxa neutra de juros.
O Banco Central reajustou, aos poucos, a
sua taxa de juros, elevando-a primeiro para 3,5% ao ano e, depois, para 4% ao
ano. Esse é um dos insumos mais importantes usados nos modelos de projeção de
inflação do Copom. Na prática, significa que o comitê passou a operar com juros
um ponto percentual mais altos para obter o mesmo efeito para baixar a inflação
às metas.
Nesse período, porém, a percepção do
mercado sobre a taxa neutra continuou a sua tendência de deterioração. Antes de
Lula ser eleito, já estava em 4,5% ao ano, depois que o governo aprovou a PEC
Kamikaze, que ampliou as transferências de renda para aumentar a chances de
vitória do presidente Bolsonaro.
O Copom, porém, manteve os juros neutros
estáveis em 4% ao ano durante esse período de gastança eleitoral. O comitê não
costuma reajustar a sua estimativa com uma frequência tão grande como o
mercado. Agora, dependendo do resultado da pesquisa pré-Copom, poderá se sentir
novamente pressionado a rever as suas estimativas.
Com a economia sob comando de Paulo Guedes,
foi desfeito uma boa parte dos ganhos no governo Temer, com aprovação do teto
de gastos. O juro neutro chegou ao seu menor valor, em 2,9%, no começo do
governo Bolsonaro, com a aprovação da reforma da Previdência Social, segundo estimativas
do Banco Central publicadas num “box” do Relatório de Inflação de dezembro de
2021.
A depender da evolução da política fiscal
no governo Lula, é possível que a taxa neutra siga em trajetória de alta. Os
juros reais de longo prazo negociado em mercado, que hoje superam 6% ao ano,
costumam indicar com certa antecedência a trajetória da taxa neutra.
Além de tornar mais penoso o combate à
inflação, a alta dos juros neutros aumenta a despesa com juros e o superávit
primário necessário para estabilizar a dívida do setor público em relação ao
Produto Interno Bruto (PIB).
Cada alta de um ponto percentual na taxa
neutra - e, portanto, na Selic - significa um aumento de R$ 37,1 bilhões nos
encargos da dívida bruta, a cada período de um ano. A alta da taxa neutra no
governo Bolsonaro, portanto, causa um prejuízo de R$ 56 bilhões. A alta da taxa
neutra ocorrida desde a eleição de Lula provoca uma despesa adicional de R$
18,5 bilhões por ano com juros.
Isso tem uma implicação importante para o
superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública. Uma regra de
bolso usada pelos economistas para estimar o superávit primário necessário para
estabilizar a relação entre a dívida e o PIB é a diferença entre a taxa neutra
e a tendência de crescimento econômico de longo prazo. Alguns deles subtraem
mais algo como 1%, já que o deflator do PIB costuma superar a inflação oficial
do país.
Se os juros reais subiram 2 pontos
percentuais num prazo de um ano, isso significa, grosso modo, que o superávit
primário necessário para estabilizar a relação entre a dívida e o PIB é cerca
de 2 pontos percentuais maior. Isso dá um pouco menos de R$ 200 bilhões, ou o
valor que Lula pede para gastar além do teto de gastos em 2023.
O superávit primário necessário para
estabilizar a relação dívida/PIB será menor se a tendência de crescimento da
economia tiver aumentado. A equipe econômica de Bolsonaro vem argumentando que,
com as reformas econômicas dos últimos anos, essa velocidade cresceu para 2,5%.
Mas o mercado, aparentemente, ainda não se convenceu disso. O Focus aponta uma
tendência de crescimento de 2% no longo prazo. No questionário pré-Copom, o
Banco Central pediu as novas estimativas do mercado para essa tendência de
crescimento no longo prazo.
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