sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

César Felício - Lula tenta seu ‘vale a pena ver de novo’

Valor Econômico

Há muitos ecos do passado no novo desenho da Esplanada

O ministério do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, já tem definidos os espaços para o PT, PSB, PC do B e militância, que fazem parte do núcleo original da aliança que forjou a terceira candidatura vitoriosa do petista. De modo que análises como “o ministério é petista demais” e “a frente ampla não está contemplada” ainda são prematuras.

A camada de ministros que representam forças que entraram em um segundo momento na campanha ou até depois da eleição deve vir na próxima semana. Falta definir o destino de Marina Silva e Simone Tebet, a parte que cabe ao MDB e ao PSD nesse latifúndio, de que maneira o Centrão de Arthur Lira estará representado, se algo será dado para o PDT e Solidariedade e quem assume o Ministério dos Povos Originários e de que forma.

 “Quem tem expectativa não perca a expectativa”, disse Lula durante o anúncio. Só na próxima semana, portanto, haverá a perfeita dimensão da representatividade política da Esplanada dos Ministérios.

De início, o que se pode observar é que este será um ministério de governadores da safra recente. Lá já estão Flavio Dino (Maranhão) na Justiça, Camilo Santana (Ceará) na Educação, Wellington Dias (Piauí) no Desenvolvimento Social e Rui Costa (Bahia) na Casa Civil. Talvez tenhamos nos próximos dias Renan Filho (Alagoas) em pasta ainda indefinida e um indicado direto de Helder Barbalho, do Pará, para algum posto. Lula, portanto, dá poder a quem lhe viabilizou voltar a ter poder. É desnecessário lembrar o peso do Nordeste junto com o Pará em sua eleição e na oposição ao presidente Jair Bolsonaro.

Em 2003, no primeiro mandato, Lula posou para a foto oficial com 35 ministros ou secretários com status de titulares de ministério. Desses, 20 eram petistas ou profundamente vinculados ao partido. Agora já se sabe que serão 37 ministros, quem sabe até 38, dos quais 21 já anunciados e desses 21, dez são petistas que já exerceram mandato eletivo e quatro são técnicos que participaram dos governos Lula e Dilma, ou seja, afins ao petismo. No desenho final do primeiro escalão, a parte do PT pode ficar proporcionalmente semelhante a que existia no Lula I.

Uma diferença é que o PT há 20 anos era um partido mais amplo do que é hoje. Estavam na sigla, por exemplo, Marina Silva e Cristovam Buarque, titulares das pastas de Meio Ambiente e Educação, posteriormente adversários do PT nas eleições presidenciais. Em termos de articulação, não há nada equivalente a um José Dirceu na equipe ministerial, o que é até uma notícia tranquilizadora, dada a lembrança do mensalão, que causou a saída do então ministro da Casa Civil do governo. Rui Costa não tem esse perfil.

Também era um partido maior. Uma coisa é ter metade do ministério com 91 deputados, como era há 20 anos. A outra é ficar com esta fatia tendo 69 parlamentares.

Pouco expressiva em 2003, desta vez a questão da diversidade se faz mais presente. Eram quatro mulheres há vinte anos, agora já são seis, sendo que ainda há três possíveis na próxima semana (Sônia Guajajara, Marina e Tebet).

A dificuldade de diálogo com o setor produtivo, que perpassou toda a campanha do presidente eleito, fica nítida agora na formação da equipe. Lula passou recibo no seu fracasso em atrair um empresário para a pasta do Desenvolvimento. Confirmou que recebeu a negativa do presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva. A pasta terminou com o vice Geraldo Alckmin. Em 2003, havia Luiz Furlan (Desenvolvimento), Roberto Rodrigues (Agricultura) e Walfrido Mares Guia (Turismo). Lula também buscou algum economista ouvido pelo mercado para compor a equipe. Não houve sucesso nas cogitações sobre Persio Arida e André Lara Resende. Não há um Henrique Meirelles, como houve em 2003 no Banco Central.

Onde foi possível reciclar fórmulas este ano, Lula reciclou. Há 20 anos teve um ministro da Fazenda petista e de São Paulo que colocou Bernardo Appy na equipe. Teremos agora outro ministro da Fazenda petista e de São Paulo com o mesmo Bernardo Appy na equipe. Em 2003 havia um cantor baiano e negro na Cultura, agora haverá uma cantora baiana e negra. O ministro da Pesca era um petista de Santa Catarina, assim como deverá ser agora, embora ainda não tenha sido anunciado.

Ecos da ex-presidente Dilma Rousseff estarão no governo. A entrada de Jorge Messias na AGU e a presença de Aloizio Mercadante no BNDES são fortes sinalizações neste sentido.

A busca por fórmulas do passado é um caminho natural. Tanto Lula, quanto seus eleitores, a comunidade internacional, o mercado e até seus opositores querem a repetição de pretensos anos dourados. No plano ideal, Lula terá sido bem sucedido à medida em que seu terceiro mandato presidencial for o mais próximo possível de uma réplica de seu primeiro mandato, de 2003 a 2006.

Foi um tempo de cravo e ferradura. Lula assumiu recebendo em sua primeira audiência como presidente o venezuelano Hugo Chávez. Encerrou o dia jantando com o cubano Fidel Castro. Ao tomar posse como ministro da Casa Civil, José Dirceu prometeu uma “verdadeira revolução social”. Já o da Fazenda, Antonio Palocci, ao assumir disse que não ia provocar bolhas de crescimento “a partir de uma permissividade perigosa com a inflação”.

No discurso de posse, Lula temperou o esquerdismo com pedidos de calma, de “manter sob controle as nossas muitas e legítimas ansiedades”, “tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista”.

Talvez boa parte desse discurso possa ser repetido agora e alguns se iludam que, como cantou Gardel no tango “Volver”, 20 anos não é nada. Mas 2023 não é 2003. O PT tem sua própria herança maldita para administrar, além da de Bolsonaro.

Machado de Assis no começo de Dom Casmurro relata a tentativa de Bentinho de voltar ao tempo. Fez uma réplica da casa onde havia se criado, mobiliou-a tal qual era, os mesmos móveis nos mesmos lugares, o mesmo papel de parede. “O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência”, diz o narrador. “Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente”.

 

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