O Estado de S. Paulo
Há gente talentosa na transição. Mas ainda
não ouvi falar de coisas novas, apenas a velha maneira de criar um grande teto
para que ninguém fique na chuva
Neste momento de transição de um governo
para outro tão diferente, há muitos temas fascinantes, além de conhecer a
verdadeira situação do País.
Um deles é definir o organograma da gestão
do País, quantos ministérios, por exemplo, serão necessários para essa tarefa.
Impossível fugir a uma realidade: governo
de frente ampla, entre outra coisas, precisa de apoio no Congresso. Há muitos
aliados por acomodar.
O primeiro impulso é criar o maior número
de ministérios, inclusive porque existe a crença, em nosso mundo político, de
que a maneira adequada de reconhecer a importância de um tema é elevá-lo à
condição de ministério. Esse caminho traz seus problemas, e um deles é o
gigantismo da máquina estatal, com aumento de gastos, enfim, algo que aprofunda
o abismo entre a sociedade e o mundo político burocrático que a governa.
Existe alternativa para solucioná-lo, sem perda da base política? É preciso fazer uma tentativa muito cuidadosa para evitar surpresas.
Um dos passos que poderia ser fundamental:
a criação de um grupo, entre tantos outros, dedicado a pensar como a revolução
digital pode tornar um governo mais leve, barato e eficaz.
Essa reflexão deveria preceder o próprio
organograma, pois daria as coordenadas para reduzir a estrutura, inclusive
obtendo maiores resultados práticos.
Outro passo importante é convencer os
aliados de que o melhor lugar para eles é onde seu trabalho lhe renderá mais
reconhecimento, logo, mais possibilidades eleitorais. Às vezes, uma estrutura
mais enxuta ou simples programa pode projetar mais um partido do que um pesado
ministério. No caso da cultura, por exemplo, quem desenvolver um programa como
o dos pontos culturais ao longo do Brasil, como foi feito no passado, poderá
obter mais resultados do que se dissolver no ar-condicionado de Brasília.
Existem milhares de pescadores no Brasil e
uma extensa costa. Mas será que o problema deve ser abordado por um Ministério
da Pesca, às vezes ocupado por um político que desconheça o tema?
Aliás, no caso da pesca, um simples grupo
que se dedique a colher informações daria um grande passo adiante.
Desconhecemos a situação de mais de 90% das nossas espécies.
Possivelmente, um dos grandes problemas do
setor é a sobrepesca. Será necessário um ministério para baixar a bola? Ou
mesmo a grande ameaça aos pescadores artesanais, a poluição dos mares, pode ser
equacionada por um Ministério da Pesca?
O trabalho de transição de um governo para
o outro, de modo geral, é rápido e tende a desaparecer na esteira dos problemas
cotidianos que a realidade de governar suscita. Embora não tenha nenhuma
certeza sobre isso, suspeito de que o resultado poderia ser outro se, ao invés
da criação de inúmeros grupos estanques, houvesse desde o início um esforço
multidisciplinar, pequenas constelações que abordariam a complexidade não só de
avaliar, como a de propor.
Documentos básicos como os relatórios do
Tribunal de Contas da União (TCU) poderiam ser o ponto de partida para abordar
a realidade do governo, restando apenas a definição de um programa para
enfrentar e o desenho de uma estrutura para realizá-lo.
O caminho inicial de criar muitos grupos
atende, também, ao fato de que o governo pretende ter um perfil de frente ampla
e, em consequência, precisa acomodar o maior número de apoiadores. Essa escolha
é razoável porque seleciona talentos, premia apoiadores e, inclusive, oferece a
muitos um dado positivo no currículo: ter participado do grupo de transição.
Há uma vantagem na gratificação simbólica,
pois o novo governo terá menos gente a acomodar, tendo de certa forma pago sua
dívida de campanha.
Mas um governo não pode ser apenas um
pagador de dívidas de campanha. Na hora do vamos ver, seria necessária uma estrutura muito enxuta
e eficaz, o que não tem nada que ver com o tão propalado Estado mínimo dos
liberais nem com a estrutura gigantesca dos estatizantes: apenas a forma exata
para encaminhar uma tarefa histórica num país em algumas áreas devastado pela
incompetência de Bolsonaro.
A ideia da diversidade partidária num
governo, assim como outras diversidades, em princípio, pode ser algo positivo.
No entanto, talvez seja necessário dentro deste quadro não tanto um partido
hegemônico no sentido de guardar para si as melhores fatias do bolo. Faz falta
uma vanguarda que, sem negar as necessidades de seus aliados, os desperte para
seus interesses estratégicos, em detrimento dos imediatos.
Um tipo de vanguarda, por exemplo, que
também faz falta no agrobusiness para convencê-lo a abrir mão de lucros
imediatos e garantir uma permanente e sustentável posição no mercado mundial.
Com tanta gente talentosa no numeroso grupo
que faz a transição, possivelmente esses problemas já tenham sido levantados e
equacionados de uma forma mais adequada do que formulo aqui. O problema é que
ainda não ouvi falar de coisas novas, apenas a velha maneira de criar um grande
teto para que ninguém fique na chuva.
O desafio é muito grande, não só pelos problemas que se acumularam, mas principalmente pelo tipo de oposição vulcânica que, a qualquer momento, entra de novo em erupção.
Verdade.
ResponderExcluirO que parece que falta ao Brasil é aquilo pelo qual lutou o Ciro Gomes: um projeto de país, ou um projeto de nação tanto faz. Creio que o que Gabeira chamou de "verdadeira situação do país" se refere apenas ao estrago causado pelo vendaval bolsonarista. O que precisa ficar bem claro para todos são questões mais gerais. Tipo: queremos esse pais caracterizado por ter bilionários numa ponta e moradores de rua noutra? Em que o país deve se especializar em exportar matérias primas, vulgo 'commodities' ou queremos exportar ciência, tecnologia, arte ecultura? Um país de favelados e latifúndios (do tamanho de países que fizeram reforma agrária)? Resumindo um projeto de país com objetivos de curto, médio e longo prazos. Pra mim os dois obstáculos são o nazilatifúndio, vulgo agronegócio e o capital financeiro que vive de mamar nas tetas da dívida pública. Sugiro a Lula chamar a Maria Lúcia Fattorelli para ajudar numa auditoria dessa dívida.
ResponderExcluirOs 2 governos de Lula foram positivos, mas não resolveram muitos problemas. Os 2 governos de Dilma foram mais problemáticos, até trágicos, e muitos membros da equipe de transição participaram destes governos petistas anteriores. Bolsonaro não criou todos os problemas atuais, muitos vêm de Dilma e muitos vêm de antes. Então, se Lula basicamente repetir o que fez em seus 2 primeiros governos, será melhor que o DESgoverno Bolsonaro, mas não resolverá muitos dos grandes problemas que prometeu solucionar durante a campanha eleitoral. E, como Gabeira alerta, a "oposição vulcânica", que obteve o impeachment de Dilma e agora acampa junto dos quartéis, pode entrar novamente em erupção em momentos mais desfavoráveis mas ter maior apoio e consequências.
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