sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

César Felício - A urgência em anunciar Haddad e Múcio

Valor Econômico

Em 2002, Lula também se antecipou ao anunciar Palocci, mas semelhança entre os dois momentos são poucas

É de se estranhar a promessa de anúncio de parte do ministério do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em dia de jogo de quartas de final da Copa do Mundo. A premência em antecipar as escolhas dadas como certas de Fernando Haddad na Fazenda, Rui Costa na Casa Civil, José Múcio Monteiro na Defesa, Mauro Vieira no Itamaraty e Flávio Dino na Justiça, manda sinalizações tanto para o Congresso e para o mercado, quanto para o Judiciário e as Forças Armadas.

A primeira é que com a Fazenda definida é possível avançar na negociação da PEC da Transição em relação a compromissos que terão que ser honrados no próximo ano. Como por exemplo a definição de uma regra fiscal que substitua o teto de gastos. Por diferentes motivos, o mercado e o Congresso querem tratar desse assunto agora. A palavra que Haddad der a partir de agora sobre este assunto ganha outro peso.

A escolha de Múcio outorga ao ex-ministro do Tribunal de Contas da União a credencial para que ele faça gestos que tracem uma linha divisória clara entre o que é bolsonarismo e o que são Forças Armadas imbuídas de seu papel constitucional. Bolsonaro esforçou-se durante quatro anos em apagar esta linha divisória. Cumpre estabelecê-la, e para fazê-lo sem crises é preciso consertar relógio no escuro. O escuro é bem importante neste caso. Múcio tem perfil para a missão.

Flávio Dino e Rui Costa anunciados agora ganham relevância porque destravam definições para o resto do ministério. Tanto um quanto o outro, inclusive, apadrinham forças que disputam outras cadeiras na Esplanada. O PT baiano defende por exemplo Jorge Messias para a vaga na Advocacia-Geral da União. No PSB de Dino, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin discretamente trabalha a favor de Anderson Pomini, advogado sócio do ex-governador paulista Márcio França em um escritório de advocacia. Outro aliado de Alckmin, o ex-deputado Gabriel Chalita, é citado como opção para algum posto de segundo escalão. Chalita também é bem relacionado com Haddad, de quem foi secretário da Educação e candidato a vice em 2016, quando o ex-prefeito de São Paulo tentou se reeleger.

Com Costa na Casa Civil, é citado para a poderosa subchefia de Assuntos Jurídicos o advogado coordenador do grupo Prerrogativas, Marco Aurélio Carvalho. A escolha de Dino deve fazer com que o PSB tenha apenas mais um ministro. O nome indicado é França. Ele quer a pasta das Cidades, mas aceitaria como plano B Ciência e Tecnologia.

Vieira no Itamaraty garante um nome técnico em uma pasta para a qual já haviam sido cogitados o próprio Haddad, Mercadante e Jaques Wagner.

Há 20 anos, Lula também anunciou o ministério por etapas e igualmente começou pela Fazenda. Ele não surpreendeu quando em 10 de dezembro disse que a pasta iria para Antonio Palocci, coordenador de sua campanha. O que foi inesperado foi o local: Washington, durante visita ao então presidente americano George W. Bush.

Haddad passou a ser visto como opção para a Fazenda depois de viajar com Lula para a cúpula do Meio Ambiente em Sharm el-Sheikh. Seu anúncio também não surpreende, mas as semelhanças terminam aí.

Palocci firmou-se como opção para a Fazenda ao ser um dos articuladores da “Carta ao Povo Brasileiro”, documento que indicou a continuação de pontos da política econômica de Fernando Henrique Cardoso.

Haddad representa o oposto: o de que Lula quer mudar a economia. O Congresso e o mercado aguardam agora do novo ministro, caso se confirme o anúncio, de que forma esta mudança se dará.

Militares

Dois generais na Câmara, um no Senado, um capitão no comando do principal Estado do país e a lista não para por aí. O protagonismo de militares na política nacional não se encerra com o fim do governo Bolsonaro, ainda que se possa discutir se o risco de ruptura institucional não foi superestimado neste quadriênio.

Bolsonaro montou um governo militarizado como jamais se viu, nem mesmo durante a ditadura militar. Mas assim como muito nomeou, muito demitiu - o mais estrepitoso movimento foi a demissão dos três comandantes das Forças Armadas, em 2021 - o que no mínimo permite colocar em dúvida a aderência ao golpismo no meio castrense.

O dispositivo militar de Bolsonaro, o “meu Exército”, como tantas vezes ele se referiu, no fundo pode ter sido um grande blefe, na opinião de Carlos Alberto Santos Cruz, o primeiro general de reserva a ser mandado embora no governo atual. Entre as muitas informações duvidosas que grassam no bolsonarismo depois das eleições, uma delas seria a de que a cúpula militar estaria dividida, com três generais se opondo a um golpe comandado por Bolsonaro e os demais dispostos ao que der e vier.

“Se abrisse um inquérito sobre isso seria ótimo. A internet premia a covardia, porque isso é algo totalmente irresponsável”, afirma o general, ressalvando que está na reserva há dez anos e não fala pelo Alto Comando. Mas observa que desde a redemocratização, em 1985, nunca houve um episódio de insubordinação relevante entre os militares, seja de que escalão for.

O saldo negativo de quatro anos de pregação anti-institucional de Bolsonaro, portanto, “é perfeitamente recuperável” em um governo Lula, aponta Santos Cruz. “A expectativa é a de termos normalidade, porque não houve nada de anormal durante o governo Lula”, disse. E a definição de Múcio para a Defesa, na visão de Santos Cruz, é o retrato dessa normalidade.

O anúncio de Múcio acompanhar o de Haddad, contudo, indica que nem tudo está normal. Há uma urgência. Porque se o panorama não é de golpe, tampouco é o da volta dos militares para a periferia da política.

O próprio Santos Cruz é um exemplo de que a atuação de militares na política independe de Bolsonaro. O general esteve filiado ao Podemos, colocou-se à disposição para disputar a Presidência e lançou agora um livro, “Democracia na prática”.

As situações políticas passam e o Exército fica, disse o marechal Hermes da Fonseca, às vésperas da tempestade tenentista. Bolsonaro passará, mesmo dentro da caserna. Mas a atenção civil aos fardados será outra.

 

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