O Globo
Espaço para o debate e a contestação
garante a saúde e a sobrevida da democracia solapada pelo bolsonarismo nos
últimos quatro anos
Uma das declarações mais emblemáticas de
Luiz Inácio Lula da
Silva desde a vitória foi feita na última quinta-feira, durante a apresentação
do relatório da transição sobre o cenário que o presidente eleito encontrará
após subir a rampa do Palácio do Planalto.
“Eu
sei que vocês vão continuar nos ajudando, cobrando”, disse ele à plateia
formada por aliados políticos, integrantes da equipe de transição e
jornalistas. “Isso é importante, não deixem de cobrar. Se vocês não cobram, a
gente pensa que tá acertando, e muitas vezes a gente tá errando e continua
errando porque as pessoas não reclamam.”
Não chega a ser uma fala surpreendente para quem já disse outras vezes que este seria um governo de composição, de frente ampla, para além do PT. É, aliás, o esperado de quem se elegeu prometendo fortalecer as instituições democráticas, tão solapadas no último governo.
Mas nem por isso deixa de ser importante,
por demonstrar que Lula entende — ou pelo menos diz que entende — as
circunstâncias que o levaram de volta a Brasília para
um inédito terceiro mandato.
Apesar do que dizem muitos petistas, a
vitória em outubro não foi o triunfo de uma visão de mundo à esquerda ou a
redenção de uma vítima da perseguição do sistema judicial. Foi, isso sim, fruto
do repúdio contundente da maioria dos brasileiros ao negacionismo e à
destruição sistemática das instituições promovida pelo bolsonarismo.
Mesmo com o passivo de corrupção sistêmica
e da condução ruinosa da economia promovida nos últimos anos do PT no governo,
os eleitores deram a Lula um novo crédito, em nome da reconstrução da nossa
democracia e de políticas sociais desmanteladas no atual mandato.
Tal constatação em nada diminui o tamanho
da vitória, mas dá a medida dos desafios que esperam o presidente eleito.
Enquanto Lula se prepara para subir a
rampa, uma parcela da população ainda torce ou trabalha por
um golpe militar, insurreição ou
ataque terrorista que o impeça de assumir o poder. Os radicais estão a
toda, e o Brasil infestado
de gente armada e disposta a causar tumulto.
Investigar os criminosos e coibir as
ameaças usando todos os instrumentos legais disponíveis é o mínimo que se
espera. Mas a tarefa de pacificar o país vai além. Passa por desidratar o
radicalismo do discurso político e restabelecer como normal o diálogo e a
divergência democrática respeitosa.
Por isso o pedido de Lula por cobrança é
tão relevante quanto necessário. Empavonados pela volta ao poder, petistas e
lulistas radicais já vêm tentando reeditar o argumento, tão repetido na
campanha, segundo o qual, “se criticar o Lula, o Bolsonaro ganha”. Agora o
bordão está sendo adaptado por algo na linha “se criticar o Lula, o Bolsonaro
volta”.
Por essa lógica, a única postura
construtiva para a democracia é achar bom tudo o que faz o líder petista. Há
até quem aposte na falsa simetria de comparar os críticos aos próprios
terroristas que armam bombas para explodir aeroportos, já que ambos “querem
acabar com o Lula”.
Sempre haverá quem aceite se submeter a
esse tipo de patrulha, mas o silêncio ou a omissão em nada ajudarão a
fortalecer a democracia, muito menos contribuirão para o sucesso de qualquer
governo. O fato concreto é que Lula está eleito e, como ele mesmo tem dito, é
ele quem manda.
Portanto quem pode reavivar o bolsonarismo
com suas ações não são os jornalistas cumprindo seu dever de fiscalizar o poder
e de fazer perguntas, nem os críticos que tentam alertar sobre eventuais erros
ou omissões.
O que pode trazer Bolsonaro de volta é um
governo ruim, que faça barbeiragens demais na economia — ou que atire no colo
dos adversários os eleitores que, apesar de relutantes, deram ao petista o
crédito de mais um mandato.
Fomentar a intolerância para silenciar os
críticos em nome de uma pretensa normalidade democrática não é apenas um gesto
autoritário, mas também politicamente suicida. É o espaço para o debate e a
crítica que garante a saúde e a sobrevida de uma democracia. Quanto mais cobranças
e críticas Lula sofrer, mais chances terá de acertar.
Tao nova e tão capaz, parabéns!
ResponderExcluirMagnífico texto! A colunista acertou em cheio! Destaco a passagem que mais gostei:
ResponderExcluir"Mesmo com o passivo de corrupção sistêmica e da condução ruinosa da economia promovida nos últimos anos do PT no governo, os eleitores deram a Lula um novo crédito, em nome da reconstrução da nossa democracia e de políticas sociais desmanteladas no atual mandato."
Rá, a imprensa tem forte papel nisso. Vamos raciocinar.
ResponderExcluirDilma fez um governo ruim? Respondamos q sim, pra continuar o raciocínio. Pior do q o do genocida? Claro q não. Contudo, Dilma tombou e o palerma, não. Pq? 3 fatores. 1-Bozo comprou com mais eficiência o Congresso; 2- Dilma não comprou a PGR como o canalha e 3- a imprensa era contra a Dilma e protegeu o covarde.
Notem q os 2 primeiros fatores são controláveis, ié, Dilma falhou. Mas somente parte da imprensa é controlável (vide jovem pano), outra parte tem ideologia (vide Merval, Waack, Globo, Folha, Estadão - alguém crê q apoiem o LULA por vintade própria? KKKKKKKKKKKK).
Não se iludam - a imprensa baterá no LULA como nunca bateria no fujão. LULA terá q ser excelente, quase perfeito, pra resistir à sanha da imprensa brasileira.
Marcos Azambuja, hoje, neste blog:
ResponderExcluir"A decifração do atual silêncio de Bolsonaro é desafio irresistível para uma “mídia” que ele (o genocida) soube manipular durante seus anos no Palácio da Alvorada."
O q permitiu a manipulação? Dinheiro e afinidades (ideologia), muitas vezes os dois juntos. A jovem PANO no 1o caso. O império Globo apoiando o golpe de 64 e endeusando o Moro recentemente, parece ser exemplo dos dois, até perceber o erro. E assim vai.
A imprensa bateu demais no PT,tomara que bata menos.Reinaldo Azevedo,mesmo não dizendo publicamente,já assumiu seus erros.
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