quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Malu Gaspar - Lula precisa de críticas para acertar no governo

O Globo

Espaço para o debate e a contestação garante a saúde e a sobrevida da democracia solapada pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos

Uma das declarações mais emblemáticas de Luiz Inácio Lula da Silva desde a vitória foi feita na última quinta-feira, durante a apresentação do relatório da transição sobre o cenário que o presidente eleito encontrará após subir a rampa do Palácio do Planalto.

 “Eu sei que vocês vão continuar nos ajudando, cobrando”, disse ele à plateia formada por aliados políticos, integrantes da equipe de transição e jornalistas. “Isso é importante, não deixem de cobrar. Se vocês não cobram, a gente pensa que tá acertando, e muitas vezes a gente tá errando e continua errando porque as pessoas não reclamam.”

Não chega a ser uma fala surpreendente para quem já disse outras vezes que este seria um governo de composição, de frente ampla, para além do PT. É, aliás, o esperado de quem se elegeu prometendo fortalecer as instituições democráticas, tão solapadas no último governo.

Mas nem por isso deixa de ser importante, por demonstrar que Lula entende — ou pelo menos diz que entende — as circunstâncias que o levaram de volta a Brasília para um inédito terceiro mandato.

Apesar do que dizem muitos petistas, a vitória em outubro não foi o triunfo de uma visão de mundo à esquerda ou a redenção de uma vítima da perseguição do sistema judicial. Foi, isso sim, fruto do repúdio contundente da maioria dos brasileiros ao negacionismo e à destruição sistemática das instituições promovida pelo bolsonarismo.

Mesmo com o passivo de corrupção sistêmica e da condução ruinosa da economia promovida nos últimos anos do PT no governo, os eleitores deram a Lula um novo crédito, em nome da reconstrução da nossa democracia e de políticas sociais desmanteladas no atual mandato.

Tal constatação em nada diminui o tamanho da vitória, mas dá a medida dos desafios que esperam o presidente eleito.

Enquanto Lula se prepara para subir a rampa, uma parcela da população ainda torce ou trabalha por um golpe militar, insurreição ou ataque terrorista que o impeça de assumir o poder. Os radicais estão a toda, e o Brasil infestado de gente armada e disposta a causar tumulto.

Investigar os criminosos e coibir as ameaças usando todos os instrumentos legais disponíveis é o mínimo que se espera. Mas a tarefa de pacificar o país vai além. Passa por desidratar o radicalismo do discurso político e restabelecer como normal o diálogo e a divergência democrática respeitosa.

Por isso o pedido de Lula por cobrança é tão relevante quanto necessário. Empavonados pela volta ao poder, petistas e lulistas radicais já vêm tentando reeditar o argumento, tão repetido na campanha, segundo o qual, “se criticar o Lula, o Bolsonaro ganha”. Agora o bordão está sendo adaptado por algo na linha “se criticar o Lula, o Bolsonaro volta”.

Por essa lógica, a única postura construtiva para a democracia é achar bom tudo o que faz o líder petista. Há até quem aposte na falsa simetria de comparar os críticos aos próprios terroristas que armam bombas para explodir aeroportos, já que ambos “querem acabar com o Lula”.

Sempre haverá quem aceite se submeter a esse tipo de patrulha, mas o silêncio ou a omissão em nada ajudarão a fortalecer a democracia, muito menos contribuirão para o sucesso de qualquer governo. O fato concreto é que Lula está eleito e, como ele mesmo tem dito, é ele quem manda.

Portanto quem pode reavivar o bolsonarismo com suas ações não são os jornalistas cumprindo seu dever de fiscalizar o poder e de fazer perguntas, nem os críticos que tentam alertar sobre eventuais erros ou omissões.

O que pode trazer Bolsonaro de volta é um governo ruim, que faça barbeiragens demais na economia — ou que atire no colo dos adversários os eleitores que, apesar de relutantes, deram ao petista o crédito de mais um mandato.

Fomentar a intolerância para silenciar os críticos em nome de uma pretensa normalidade democrática não é apenas um gesto autoritário, mas também politicamente suicida. É o espaço para o debate e a crítica que garante a saúde e a sobrevida de uma democracia. Quanto mais cobranças e críticas Lula sofrer, mais chances terá de acertar.

 

5 comentários:

Anônimo disse...

Tao nova e tão capaz, parabéns!

Anônimo disse...

Magnífico texto! A colunista acertou em cheio! Destaco a passagem que mais gostei:
"Mesmo com o passivo de corrupção sistêmica e da condução ruinosa da economia promovida nos últimos anos do PT no governo, os eleitores deram a Lula um novo crédito, em nome da reconstrução da nossa democracia e de políticas sociais desmanteladas no atual mandato."

Anônimo disse...

Rá, a imprensa tem forte papel nisso. Vamos raciocinar.
Dilma fez um governo ruim? Respondamos q sim, pra continuar o raciocínio. Pior do q o do genocida? Claro q não. Contudo, Dilma tombou e o palerma, não. Pq? 3 fatores. 1-Bozo comprou com mais eficiência o Congresso; 2- Dilma não comprou a PGR como o canalha e 3- a imprensa era contra a Dilma e protegeu o covarde.
Notem q os 2 primeiros fatores são controláveis, ié, Dilma falhou. Mas somente parte da imprensa é controlável (vide jovem pano), outra parte tem ideologia (vide Merval, Waack, Globo, Folha, Estadão - alguém crê q apoiem o LULA por vintade própria? KKKKKKKKKKKK).
Não se iludam - a imprensa baterá no LULA como nunca bateria no fujão. LULA terá q ser excelente, quase perfeito, pra resistir à sanha da imprensa brasileira.

Anônimo disse...

Marcos Azambuja, hoje, neste blog:

"A decifração do atual silêncio de Bolsonaro é desafio irresistível para uma “mídia” que ele (o genocida) soube manipular durante seus anos no Palácio da Alvorada."

O q permitiu a manipulação? Dinheiro e afinidades (ideologia), muitas vezes os dois juntos. A jovem PANO no 1o caso. O império Globo apoiando o golpe de 64 e endeusando o Moro recentemente, parece ser exemplo dos dois, até perceber o erro. E assim vai.

ADEMAR AMANCIO disse...

A imprensa bateu demais no PT,tomara que bata menos.Reinaldo Azevedo,mesmo não dizendo publicamente,já assumiu seus erros.