Valor Econômico
Escolhas sugerem que presidente eleito
parece disposto a assumir o ônus da prova de que foi injustiçado
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação, um dos maiores feudos de interesses privados encastelados na
administração pública do país, com um orçamento superior à quase totalidade dos
Estados e dominado pelo Centrão há décadas, será entregue a Fernanda
Pacobahyba. Aos 44 anos, intendente da Aeronáutica por 13 anos, doutora em
direito tributário, funcionária de carreira da Fazenda do Ceará e atual
secretária do órgão, Fernanda venceu os 15 processos que as máfias da sonegação
lá incrustadas, moveram contra si. Está, para as políticas de controle, como a
futura secretária-executiva do MEC, a governadora do Ceará, Izolda Cela, está
para as de educação.
A lógica pode ser replicada para a escolha de Nísia Trindade, a socióloga que preside a Fiocruz e vai para a Saúde, outra caixa preta de lobbies privados entrelaçados no Congresso Nacional e nos tribunais. Ainda que o martelo não tenha sido batido, a ida do senador Jean Paul Prates (PT-RN) para a Petrobras é outro do mesmo quilate. Como ainda não foi anunciado, ainda não se sabe que pressões tem enfrentado na escolha de diretores, mas não há notícia de quem tenha entrado no gabinete do senador, ao longo dos últimos quatro anos, e presenciado escambos na redação de parágrafos, linhas, pontos e vírgulas de projetos de lei. A trinca exemplifica o zelo pela coisa pública como critério para a escolha do comando de grandes orçamentos da União.
A leva de ministros egressos da composição
da base de apoio no Congresso ainda está por ser anunciada. Nesta lista se
conhecerão os titulares de outras caixas-pretas, como a Codevasf, por exemplo,
que está sob o abrigo do Ministério da Integração. O grupo que ambiciona a
autarquia capitaneou os interesses do setor de gás que não apenas trafegaram
com muita liberdade pela MP da Eletrobras, com votos de todos os partidos, como
aí permanecem. Esperam encontrar a galinha dos ovos de ouro que financiará seus
gasodutos.
O desmonte de parte do orçamento secreto,
porém, devolveu ao Executivo uma fatia expressiva dos investimentos. Com isso,
sua execução também estará sob o escrutínio das instituições de controle, o que
não impede, mas mitiga as chances de assalto aos cofres públicos. A ida da
senadora Simone Tebet (MDB-MS) para o Planejamento é outra tentativa de
inserir, na alocação do Orçamento, uma mediadora cuja reputação foi construída
no combate a interesses escusos. Junte-se a esses nomes aqueles da primeira
leva de colaboradores que comporão o coração do governo, como Fernando Haddad e
Flávio Dino, e tem-se uma configuração em que carreiras alicerçadas no
compromisso com a probidade na gestão pública serão desafiadas a manter a rota
para pavimentar ambições futuras.
Com a dieta a que foi submetido o Estado
desde que o PT ocupou o poder, o diabo foi buscar abrigo na regulação. E seus
detalhes continuarão a ser explorados à exaustão, a começar pelas pressões para
que o futuro governo transforme os acordos de leniência fechados pelas
empreiteiras envolvidas na Lava-Jato em parcerias público-privadas. É um
enrosco que colocará em trincheiras concorrentes a CGU e o TCU, com a mediação
concorrente do Ministério da Justiça e do Congresso. Da licitação ao capital de
giro, não faltam constrangimentos à volta das antigas empreiteiras para a
disputa das obras públicas.
O presidente eleito que volta ao poder 20
anos depois de sua primeira eleição conhece tudo isso pelo avesso. Se sua
eleição foi uma vitória da frente antibolsonarista, a escolha de alguns nomes
de seu ministério são uma demonstração de que o reconhecimento da injustiça de
sua prisão não lhe basta. Ele parece disposto a assumir o ônus da prova. Se
pouco se conhece do Luiz Inácio Lula da Silva que passou 580 dias encarcerado,
é seu governo que o revelará.
Em mais de uma oportunidade, Lula disse que
não se move por ressentimento mas que não esquece o que passou. A memória em
modo alerta causou pelo menos um dano recente à sua equipe: o anúncio do futuro
do presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, previamente à definição do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. O modo bravata
inviabilizou a entrega da Pasta a um empresário de peso e sacrificou o
vice-presidente Geraldo Alckmin, cuja expectativa, por definição do próprio
Lula, era de atuar como chefe de governo para liberar o presidente a focar em
sua atuação como chefe de Estado.
Só o tempo dirá o impacto da ausência, no
núcleo mais próximo de Lula, de um contraponto como o de Alckmin, a quem
costuma se referir como aquele que se deve respeitar porque derrotou o PT cinco
vezes. O futuro ministro da Casa Civil, Rui Costa, é um tarefeiro organizado e
aplicado que governou a Bahia por oito anos, mas ainda não foi testado em
jurisdições ampliadas. Lula não terá um Palácio de contemporâneos na construção
do PT, como José Dirceu ou Luiz Gushiken. Na penosa reaproximação com Marina
Silva pesou a condição de futura ministra que ombreia com presidente. Do
entorno de Lula, a única pessoa que não o chama de presidente - até
publicamente - é a primeira-dama, Janja da Silva.
Três pessoas que conviveram com Lula em sua
chegada ao poder 20 anos atrás e acompanham sua volta ao Palácio do Planalto
convergem na percepção de um pavio mais curto. A impaciência revela,
paradoxalmente, um presidente que enfrenta diariamente o peso físico da idade
e, emocional, da prisão. A masmorra de Curitiba valorizou o passe de quem não
saiu do seu lado e aumentou a expectativa de quem espera ter acesso pela via da
bajulação.
A formação da equipe de governo revelou a
prisão como fronteira inexpugnável do lulismo. Egressos do lavajatismo são
tolerados, mas defensores da prisão, ainda que arrependidos, como o policial
rodoviário Edmar Camata, desconvidado para dirigir a PRF, são vetados, como se
todos os 60 milhões de eleitores de Lula tivessem chorado em 7 de abril de 2018.
Ao final da formação de governo, por outro
lado, a Esplanada deverá estar povoada de apoiadores do impeachment de Dilma
Rousseff. Só então será possível aquilatar o peso que os traumas pelos quais o
PT passou nos últimos anos terá no próximo governo. Lula será tão melhor
presidente quando mais livre estiver deles.
Um governo sem mágoas e ressentimentos,tomara.
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