quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Malu Gaspar – Tudo junto e misturado

O Globo

Com mudança na Lei das Estatais, Lira dá a Lula o que Bolsonaro sempre quis e nunca conseguiu

Não é pequena a lista de motivos de Jair Bolsonaro para ter inveja de Lula, mas nesta semana ela ganhou um novo item bem vistoso. Com a alteração na Lei das Estatais que eliminou a quarentena imposta a políticos que queiram ocupar cargos em empresas públicas, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deu a Lula algo que Bolsonaro sempre quis — e nunca conseguiu.

Na noite de terça-feira, em apenas sete minutos, num lance que pegou de surpresa muito deputado experiente, a relatora do projeto que alterava a Lei das Estatais, Margarete Coelho (PP-PI), fez aprovar a emenda que permitirá ao coordenador do programa de governo de Lula, Aloizio Mercadante, assumir a presidência do BNDES sem sofrer nenhuma contestação do Ministério Público ou da oposição.

Mercadante não será o único. Atrás dele virá uma frente ampla de políticos e dirigentes partidários, todos liberados da obrigação de esperar pelo menos três anos depois de sair dos antigos postos para ingressar na administração de estatais. A emenda ainda precisa passar pelo Senado, mas a expectativa geral é que seja aprovada.

Na Câmara, a coisa foi rápida. Já estava prevista e combinada a aprovação de um aumento no limite de gastos de estatais com publicidade em época de eleição. Às 19h23, porém, foi protocolada no sistema da Câmara uma nova emenda, reduzindo a quarentena de 36 meses para 30 dias, praticamente umas férias. Lido às 21h38, o texto foi colocado em votação às 22h44. Às 22h51, estava aprovado.

Horas antes, Mercadante, ex-ministro de Dilma Rousseff e coordenador da transição de Lula, havia sido confirmado pelo presidente eleito para o BNDES, mas havia dúvidas sobre se ele poderia assumir o cargo.

Mercadante foi coordenador do programa de governo de Lula, e a lei estabelece a quarentena de três anos para quem “tiver atuado como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado à organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”.

Mas, assim que se cunhou no Congresso o apelido “Emenda Mercadante”, os petistas disseminaram a versão de que nem o partido nem ele tinham nada a ver com a história, porque sua nomeação é perfeitamente legítima e não fere a Lei das Estatais.

Usaram como referência o caso de Fábio Abrahão, diretor do BNDES aprovado em 2019 pelos comitês do banco, que contribuiu para o programa de governo de Jair Bolsonaro na área de infraestrutura. Diferentemente de Mercadante, porém, o executivo não teve participação formal na campanha, nem aparece em documentos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Pode-se argumentar que é uma diferença meramente burocrática e que ambos fizeram trabalho semelhante. Um erro, porém, não justifica outro.

A aprovação da Emenda Mercadante foi amplamente comemorada no Centrão. Afinal, todo mundo que tem interesse em alguma boquinha no próximo governo poderá se beneficiar.

O próprio Arthur Lira já disse mais de uma vez a aliados que pretende conseguir um bom posto para a relatora Margarete Coelho, que não foi reeleita para a próxima legislatura. O mais cotado para a presidência da PetrobrasJean Paul Prates (PT-RN), também não foi reeleito para o Senado.

Mas não dá para dizer que o Centrão é o pai da emenda ou que Lula e o PT não têm nada a ver com isso. O autor do texto é um deputado do PSB de Pernambuco, Felipe Carreras, e os líderes que a endossaram são da base lulista: além do próprio PSB, PDT, PT e PCdoB.

Também não adianta argumentar que a Lei das Estatais criminaliza a política. Ela não manda prender ou punir ninguém, apenas estabelece controles para tentar evitar que se repita a experiência traumática dos saques aos cofres de estatais registrados em seguidos escândalos em anos recentes.

Só do petrolão, mais de R$ 6 bilhões desviados foram devolvidos à Petrobras. Foi essa memória que fez investidores promover uma agressiva liquidação das ações da companhia na Bolsa, que derreteu R$ 37 bilhões na tarde de ontem.

Desde outubro, o temor de que a empresa volte aos velhos tempos já fez desaparecer R$ 145 bilhões em valor de mercado — o equivalente a uma PEC da Transição.

Considerando que o governo detém 37% do capital da companhia, seria o caso de se preocupar. Mas o pessoal no Congresso está comemorando. Abriram finalmente a porteira para passar a boiada que sonha em voltar para a máquina estatal. E isso, para muita gente, vale ouro.

3 comentários:

  1. O Centrão sempre foi sócio do PT nos governos de Lula... Ou seja, Lula é sócio do Centrão há muito tempo, ainda que haja diferenças enormes entre eles.

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  2. Afinal eliminar a quarentena é bom ou ruim? E "aumentar o limite" significa elevar ou baixar?

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