O Globo
PT dá sinais de que não aprendeu com o
passado
O diplomata francês Charles
Talleyrand-Périgord, várias vezes ministro dos Negócios Estrangeiros da França
e por três meses primeiro-ministro sob Luís XVIII, dizia a respeito dos
Bourbons:
— Não aprenderam nada, não esqueceram nada.
O mesmo se poderia dizer sobre o PT e o
terceiro mandato do presidente Lula, a partir de algumas decisões e atitudes
que se revelaram nos últimos dias.
Na solenidade de diplomação como presidente
eleito, em vez de um político “sem mágoas”, como se apresentou na campanha,
surgiu um Lula visto por muitos como rancoroso, não o conciliador. No anúncio
improvisado de Aloizio Mercadante como futuro presidente do BNDES, Lula fez
como se arrostasse o mercado financeiro e os críticos de sua decisão:
— Tenho ouvido muitas críticas aos boatos de que você seria o futuro presidente do BNDES. Pois quero dizer que não é mais boato, você será o presidente do BNDES.
Já havia arrepiado os cabelos “desse tal de
mercado”, como se referiu com desdém, ao afirmar que “não vai haver
privatizações”. Ao mesmo tempo, para aprovar a PEC da Transição que, no final das
contas, dá quase R$ 200 bilhões para o governo gastar fora do teto, Lula tem
feito concessões que sinalizam uma volta a antigos hábitos nada republicanos,
como o toma lá dá cá com o Centrão.
Aceitou incluir na proposta original a
permissão para desbloquear ainda neste ano verbas do orçamento secreto e, na
calada da noite de terça-feira, foi aprovada a mudança que se temia na Lei das
Estatais, para abrigar políticos nessas empresas. O valor das estatais na Bolsa
sofreu baque considerável.
Os petistas alegam que todos esses
movimentos se devem ao atual governo, pois as manobras têm acontecido antes de
sua posse e a do novo Congresso, mas essa é uma versão que não para em pé. Para
aprovar a PEC da Transição, Lula está permitindo que as práticas fisiológicas que
criticou durante a campanha, como o orçamento secreto, continuem vivas.
Não há dúvida de que a administração que
finda deixou um buraco nas contas públicas que provocou um shutdown parcial nos
serviços do governo, em alguns casos dramático, como pagamento de
aposentadorias, Farmácia Popular, SUS e assim por diante. Mas a conta de R$ 200
bilhões parece a muitos políticos e técnicos excessiva e, embora o futuro
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha se comprometido, em entrevista à
GloboNews, com o equilíbrio fiscal, é ainda incerto que âncora o governo Lula
proporá para substituir o teto de gastos.
O caso da Lei das Estatais é exemplar. A
nomeação de Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES, que já assustara o
mundo financeiro e investidores devido à fama de “desenvolvimentista” dele, com
história pregressa nada animadora como um dos principais mentores do desastroso
governo Dilma, foi sugerida nos bastidores como causa da mudança.
Não é verdade, pois Mercadante tinha como
ser nomeado sem ser necessário mudar a lei. Quem se beneficiou com a
intervenção foram os políticos, a começar pelo petista Jean Paul Prates,
cogitado para a presidência da Petrobras. O Centrão há muito queria essa
mudança, e não parece ser por acaso que ela tenha vindo agora, quando é
negociada a aprovação da PEC da Transição, fundamental para o próximo governo.
O que atrai os políticos é “aquela
diretoria que fura poço”, como ingenuamente reivindicava o deputado Severino
Cavalcanti, esdrúxulo presidente da Câmara. Verbas publicitárias também contam,
e muito. Só na Petrobras serão R$ 12 bilhões. O governo Lula está entrando numa
rota complicada, porque está cedendo ao Centrão, que no momento controla as
decisões.
Paralelamente, em Brasília, onde tudo se
sabe, corre que Arthur Lira fez ao PT diversas “indicações” e “sugestões” para
que sua base seja contemplada na formação dos ministérios e dos órgãos
federais. Enquanto isso, vai segurando a tramitação da PEC, e Lula atrasa o
anúncio de seu ministério. O governo, por sua vez, espera a decisão do Supremo
Tribunal Federal sobre o orçamento secreto, que poderá ser considerado
inconstitucional.
Tal decisão agradaria muito ao presidente eleito, mas irritaria demais Lira, que desconfia de que o novo governo trabalhe para que aconteça. O voto da relatora, presidente do STF, ministra Rosa Weber, considerando inconstitucional o orçamento secreto e mandando alocar nos ministérios as verbas distribuídas a parlamentares, parece ser uma tendência majoritária. Lula recuperaria seu poder decisório sobre os investimentos do governo — o que é bom —, mas a PEC da Transição pode ficar em perigo.
Nada a declarar... Merval sendo Merval.
ResponderExcluirAcho que a posição da Míriam Leitão é mais sensata, mas esta coluna do Merval tem muita realidade exposta nela.
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