quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Maria Hermínia Tavares* - O desafio de inovar

Folha de S. Paulo

Melhorar a proteção social requer coragem para fugir de caminhos fáceis

Não faltam desafios ao governo que se inicia com o novo ano. O primeiro é traduzir em políticas inovadoras e financeiramente sustentáveis o compromisso com o eleitorado pobre —ou quase isso— que lhe deu a apertada vitória. Garantir que receba em janeiro uma Bolsa Família vitaminada será sinal da intenção de cumprir o prometido.

Em um país com tanta pobreza, programas de transferência de renda —como aquele— são o primeiro andar imprescindível de qualquer sistema de proteção social esperável de governos progressistas. O edifício completo, porém, requer Previdência digna, saúde pública —com um SUS robusto e saneamento universalizado— educação com qualidade aceitável e justiça climática.

A tarefa é desafiadora porque vai além de reerguer o que o governo da extrema-direita desorganizou; tamanha a obra pela frente que não bastará repetir as fórmulas bem-sucedidas da primeira década do século. Até porque tanto nos serviços que entregava quanto no financiamento destinado a sustentá-los, a política social dos governos petistas já mostrava sintomas de esgotamento antes do impeachment de Dilma Rousseff e da calamidade que se lhe seguiu. Sob a gestão do PT, o sistema de proteção social se universalizou para a grande massa da população.

Permaneceram, entretanto, enormes desigualdades regionais e entre grupos e, com frequência, precária qualidade do que era efetivamente ofertado. Sem falar na iniquidade estrutural de nosso sistema previdenciário.

Na Babel de vozes dos que foram às ruas protestar em 2013, não poucas gritavam por saúde de qualidade e escolas de melhor padrão —sinal de inconformismo com a prestação social que vinham recebendo.

Melhorar a proteção social e torná-la mais equânime e duradoura requer capacidade de inovar e coragem para fugir de caminhos fáceis, pois a missão será impossível sem formas estáveis e sustentáveis de financiamento, alinhadas ao bom senso fiscal. Mais fácil dizer do que fazer.

Eu estava no último ano do colégio quando mostrei ao amigo Murilo Felisberto, então jovem repórter desta Folha, um exemplar do "Furacão sobre Cuba", de Jean Paul Sartre, recém-editado no Brasil. Murilinho, que era meio de direita, comentou: "Não sei se o livro é bom, mas a capa é uma foto do genial Janio de Freitas". E me informou que ele editava o "Jornal do Brasil", cujo caderno de cultura cultuávamos. Desde então, Janio de Freitas foi para mim uma referência de jornalismo de excelência, leitura inquietante e obrigatória

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

 

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