O Globo
Presidente eleito conseguiu o que precisava
para governar, agora terá que nomear um ministério mais diverso e identificar
cortes de despesas
O Brasil vive um tempo espantoso. O
fantasma silente de um governo morto tem o comando de todos os órgãos e
símbolos de poder, mas não governa. Do futuro governo, tudo é cobrado antes da
posse. Para garantir sua inauguração, o presidente Lula teve
que conquistar o direito de ter um orçamento, a ser votado hoje
“impreterivelmente”, como me disse o relator, mas antes foi necessário aprovar
uma mudança constitucional que garantisse recursos. Um espectro ronda Brasília
querendo assombrar vencedores que se preparam para as comemorações.
A votação da PEC garantiu a Lula os recursos para recompor despesas, a licença para acabar com o teto por lei complementar. E deu ao governo findo o direito de encerrar suas contas. Porque é fundamental entender que Bolsonaro não fecharia suas contas sem o socorro da PEC que Lula negociou. Esse começo tem sido complexo. Por isso, repetir que Lula precisou da PEC para cumprir as suas promessas de campanha ou chamá-la de “PEC da gastança” não é definição nem explicação correta. Ele precisou disso para ter as condições de administrar o país deixado à deriva por Bolsonaro que, na prática, renunciou ao resto do mandato ao perder a eleição. Dos atos de Bolsonaro só se tem notícia de tentativas de proteger alguns apaniguados, e o último tiro que ele reservou para disparar contra os indígenas.
Lula acabou tendo o que precisava. Na conta
de alguns economistas, a PEC lhe deu mais do que precisava de ampliação de
despesas. É necessário agora preparar a lista de cortes logo nos primeiros
meses de governo. O PT tem excelentes formuladores e gestores de políticas
sociais. Eles deveriam se debruçar sobre o Bolsa Família, tentando encontrar as
fraudes e regulando melhor os critérios para que a pessoa se credencie a ter
acesso a essa política. Isso significa,por exemplo, voltar-se para a lógica do
CadUnico. Uma economista que já integrou a administração federal na área
econômica calcula que isso poderia poupar de R$ 15 bi a R$ 30 bi. Mais
importante que o valor é focalizar novamente o Bolsa Família nos pobres. Outra
despesa suprimível é, como tenho dito aqui, o subsídio à gasolina.
Os sinais dados nas últimas sessões do
Congresso foram negativos. Primeiro esse aumento generalizado de salários para
as cúpulas dos poderes, e para funcionários do legislativo. Claro que terá
efeito cascata e o valor total desses aumentos não foi contabilizado. No
governo Bolsonaro não houve aumento do funcionalismo civil. Isso não é uma
política fiscal muito menos reforma administrativa. É mais um esqueleto que
Bolsonaro deixa. Mas todo governo que começou com reajuste generalizado de
salários enfrentou dificuldades.
Outro sinal ruim foi o aumento das emendas
parlamentares. O governo tinha o direito de remanejar os R$ 19,4 bilhões das
RP9, porque elas foram consideradas inconstitucionais. Mas aceitou a pressão
para dividir esse dinheiro, elevando ainda mais os recursos para os
parlamentares. O Congresso já tem um volume considerável de recursos em mãos
através das emendas individuais, de bancada e de comissão. O executivo precisa
ter mais espaço para executar seu plano de governo, e isso também foi dito no
STF. As emendas parlamentares são, por natureza, fragmentadas e paroquiais.
Foi imposto a Lula um peso excessivo nesta
organização inicial do governo, como já disse, mas ele cometeu, por conta
própria, alguns erros. Anunciou primeiramente de forma solene e formal cinco
homens para o Ministério. Um tapa na cara das mulheres. Informações sobre
outros ministros, alguns com representatividade, têm saído informalmente. Em
seu primeiro governo, o nome de Marina Silva saiu no mesmo dia que o ministro
da Fazenda. A questão ambiental ficou ainda mais urgente vinte anos depois. O
ministro Rui Costa avisou que hoje haverá o anúncio de vários nomes. Que eles
reflitam o que precisa ser refletido. A diversidade de representação da
sociedade, um governo de frente ampla, e pessoas qualificadas.
Ter negros e mulheres no Ministério Lula
não é um mero detalhe. É parte do mandato que Lula recebeu. Bolsonaro foi
racista e misógino. Essas duas grandes maiorias, mulheres e negros, votaram
maciçamente em Lula na expectativa de um governo com valores contemporâneos.
Antes de exorcizar o fantasma que ronda Brasília arrastando o governo findo, há
tempo para o novo governo acertar o passo.
"é fundamental entender que Bolsonaro não fecharia suas contas sem o socorro da PEC que Lula negociou."
ResponderExcluirAí, gado burro! LULA socorreu o palerma da República.
Mas Lula tem que se socorrer também, colocando ministros capazes e mais mulheres no seu ministério. A colunista está coberta de razão!
ResponderExcluirMíriam Leitão sabe do que fala,ou melhor,escreve.
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