Folha de S. Paulo
Máquina de guerra desconhece critérios de
igualdade para o sacrifício humano
É muito sugestiva a frase de Todorov de que racismo não precisa de raça para
existir. Falta acrescentar, porém, que raça é algo que se inventa a gosto do
poder, sempre com interesses lesivos. O fundamentalismo islâmico inventa a
"raça" feminina para dominar. No momento, é questão visível também na
Buriácia, Daguestão, Tuva e Inguchétia, regiões para as quais uma agência de
viagens dificilmente conseguiria convencer turistas a comprar excursões, mas na
certa venderia passagens de saída aos seus habitantes.
Se pudessem pagar, claro. São todos russos muito pobres e, na realidade, não tão russos assim como se fazia crer. Por não se enquadrarem no padrão étnico valorizado, são marginalizados e explorados. Agora, da pior forma possível, como recrutas prioritários para a Guerra da Ucrânia.
Não é fenômeno exclusivo. Como
observou Michel Foucault, "o racismo é indispensável como
condição para poder tirar a vida de alguém". Os militares americanos
sempre se valeram de estratos depreciados da população na geopolítica bélica.
Foi assim com os negros na guerra civil, igualmente no Vietnã quando aos jovens
brancos parecia que a droga era a única resposta racional à insanidade. O alvo
racial deslocou-se para imigrantes, com acenos a recompensas: patriotismo
desinteressado, só em filmes de segunda classe.
A máquina de guerra desconhece critérios de
igualdade para o sacrifício humano. Hoje, só dois tipos de gente parecem
motivados. Primeiro, os loucos de Alá, convictos de se inscrever pelo martírio
no Livro da Vida, em nome do profeta.
Depois, os compelidos à defesa do
território. É o caso dos ucranianos, que infligem reveses aos russos. Estes, às
vésperas do Natal, reduplicam os mísseis e drones, que vitimizam principalmente
crianças e velhos. Carecem, porém, de trezentos mil soldados para tentar manter
as regiões anexadas. Daí o açodamento por recrutas prioritários. É cínica e
militarmente estratégico mandar jovens morrerem por coisa nenhuma. Só que os
vivos discordam: duzentos mil escaparam para o Cazaquistão.
Em matéria de insanidade política,
ucranianos e russos compartilham ideias de povo nacional seleto. Marketing de Zelenski à parte, seu aparelho de Estado
é abertamente nazificado. Já durante a Segunda Guerra, ucranianos massacravam
poloneses em nome de pureza racial. O inimigo dito "externo" das
autocracias é a própria diversidade civil. E os russos, que nem sequer são
"brancos verdadeiros" aos olhos da elite "wasp" americana,
mistificam uma raça "sub-russa", para fins de bucha de canhão. Um
torpe refluxo da história. Mas também persistência do anti-humanismo fascista:
raça e racismo são seus eternos produtos oportunistas.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ,
autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar
Nagô".
Aqui no Brasil negros e pardos são as vítimas do nazilatifúndio.
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