quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Vinicius Torres Freire – Gasto de Lula 3 ainda é mistério

Folha de S. Paulo

Despesa e dívida do próximo governo dependem de sensatez, sorte e nova lei fiscal

As notícias mais recentes sobre os gastos extras no Orçamento para 2022 ajudaram a derrubar taxas de juros e o preço do dólar. É um exemplo claro e prático de como uma administração econômica ao menos sensata pode compensar o prejuízo causado desde o fim da eleição e ir além.

A autorização de gasto no pacotão de gasto da transição vai valer apenas por um ano. É o que o Congresso deve impor a Lula 3, pelo jeito. "Pelo jeito", pois, depois de tantas mudanças nos acordões entre os três Poderes, basicamente inconstitucionais, está difícil de prever como vão ser as leis na tarde de amanhã ou na noite de domingo.

Ainda assim, parece que se deu um sinal de que a licença para gastar seria limitada. Foi o bastante para um desafogo ligeiro nos preços do mercado financeiro. No fim das contas, essa interpretação é ingênua, para ser ameno com o adjetivo (mais sobre isso mais adiante neste texto). Mas o exemplo pode ser útil: prudência no gasto pode melhorar as perspectivas de crescimento e, pois, de emprego.

A situação da vida miúda dos brasileiros e o sucesso do próximo governo dependem, fundamentalmente, de uma baixa de juros, dólar e expectativas inflacionárias. Não quer dizer que o sucesso não dependa de outras providências ou inovações. Mas, no fundamento, na base, nos pilares, depende do desafogo das condições financeiras.

Isto posto, dá-se ênfase demasiada, por exemplo, à discussão de quantos anos duraria a tal "licença para gastar".

Lula 3 queria quatro anos, a PEC aprovada no Senado dava dois anos e, enfim, parece que, por enquanto, a licença durará por um ano. No entanto, supõe-se que haverá uma nova "regra fiscal" (normas que definam um limite para o endividamento público e, portanto, para a despesa, dada certa receita). Logo, uma nova "regra fiscal" poderia limitar a despesa e a duração do gasto definido na dita PEC da Transição.

Ou não.

O texto da PEC prevê que, até o fim de agosto de 2023, o novo governo mande ao Congresso um projeto de lei complementar que institua "...regime fiscal sustentável para garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico" (isto é, uma nova regra fiscal).

Sancionada tal lei, acabam o atual teto de gastos, o método de correção de despesas com saúde e educação e todas as restrições que seriam impostas caso a despesa obrigatória ultrapassasse 95% da despesa primária (basicamente, proibições de gastos extras com o funcionalismo e aumento de despesa obrigatória).

Tudo isso está na Constituição. Quer dizer, com uma lei complementar, Lula 3 pode mudar o "regime fiscal". Daí pode sair qualquer coisa. Pode sair um programa sensato, factível, flexível e realista de controle do aumento da dívida pública —porém controle. Pode sair algo "para inglês ver".

Em resumo, é fácil perceber que a aprovação da PEC da Transição com "licença para gastar" por apenas um ano não muda lá grande coisa na incerteza sobre o futuro da dívida pública, dos juros, câmbio, inflação e crescimento da economia.

Sim, a redução do prazo da "licença para gastar" de quatro anos para um ano tem alguma importância, pois agora obriga de fato Lula 3 a apresentar um projeto de lei fiscal até o fim de agosto.

Caso não apresente um novo método de contenção da dívida, Lula 3 estará sujeito ao teto e outras restrições instituídos por Michel Temer, em 2016. Por que Lula 3 faria tal coisa, podendo revogar artigos da Constituição, indiretamente, por lei complementar? Para aprovar tal mudança, basta a maioria simples de Câmara e Senado.

 

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