domingo, 4 de dezembro de 2022

Vinicius Torres Freire - A política muito econômica de Alckmin

Folha de S. Paulo

Vice-presidente eleito fala de diretrizes, faz pontes com o setor privado e baixa fervuras

Geraldo Alckmin não gosta de déficit, mais por temperamento do que por teoria. O vice-presidente eleito não se dá ares de entender de economia, jamais manteve um grupo de economistas à sua volta nem se envolve nos debates de economia do governo de transição.

No entanto, Alckmin tem baixado várias fervuras e passa recados econômicos. Liga para economistas conhecidos ou recebe, do seu pequeno círculo, relatos ou relatórios, como aqueles sobre como o caldo engrossou nas taxas de juros da praça financeira, com o que ficou preocupado. Se teve oportunidade de dizer essas coisas a Luiz Inácio Lula da Silva, não foi possível apurar. Mas tem dito e feito coisas de certa relevância, suavemente.

Ainda que dissesse por aí que não sabia de nada do ministério, ajudou a conter o lobby que algumas figuras graúdas da finança faziam contra a nomeação de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda. Na semana passada, boatos da arraia miúda e média do mercado o nomeavam para a Fazenda.

Políticos da transição dizem que será ouvido na nomeação de gente para Planejamento, Indústria e Comércio e BNDES. Faz pontes com pessoas que possam aconselhar Lula, formal ou informalmente.

Nas últimas três semanas, tentou evitar, com jeitinho, que dirigentes do PT e alguns de seus parlamentares continuassem a malhar o espantalho do "mercado", na sequência do que fizera Lula nos dias 9 e 10 de novembro. O barulho diminuiu.

Procurou reforçar a ideia de que Lula deveria ter um conselho de assessores econômicos organizado. Essa ideia passou a circular dias depois do segundo turno e submergiu. Voltou à tona quando Edmar Bacha, Arminio Fraga e Pedro Malan publicaram uma carta a Lula, nesta Folha, depois que o presidente eleito causou tumulto com discursos que menosprezavam a situação ruim do endividamento público.

Agora, se pensa em um conselho em um formato que permita a participação de figurões econômicos. Nem esses grandes nomes têm disponibilidade ou vontade de trabalhar de modo permanente com Lula nem o governo quereria uma sombra muito próxima. Mas Alckmin gostaria de fazer com que alguns desses figurões conversassem de modo regular com Lula. A "frente ampla" tem de continuar.

Alckmin fala de modo suave, mas determinado, sobre certas diretrizes do governo Lula. Se é para valer, sabe-se lá, mas o vice eleito é o pacificador nas relações com o setor privado.

Na transição, apenas Alckmin diz com todas as letras que Lula 3 virá a ter um plano de conter a despesa de modo a conter o endividamento público. Inspirava-se, de início, em um plano organizado sob a liderança de Felipe Salto, secretário da Fazenda paulista. Sugere nas internas que o pacotão de gastos extras não passe de R$ 135 bilhões.

Em encontros públicos e privados, diz que Lula 3 não vai revogar nada da reforma trabalhista (em especial o acordado sobre o legislado, o imposto sindical e as normas que limitam o número de processos trabalhistas). Haveria apenas "aperfeiçoamentos". Vende a ideia de que mais abertura comercial é ideia firme de Lula 3.

Alckmin observa nas internas que a coalizão parlamentar está rala e mal costurada, com Lula por ora muito dependente da boa vontade de Arthur Lira (PP-AL), atual e provavelmente futuro presidente da Câmara. Portanto, sugere que a equipe de lideranças do governo no Congresso tenha menos petistas e mais aliados.

Alckmin é, formalmente, o coordenador-geral da transição. Tem tentado sê-lo de fato, sem entrar em bola dividida e não dando passo além da área limitada por Lula, fazendo uma política muito econômica.

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