domingo, 20 de fevereiro de 2022

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

“Nesse cenário, em que de um lado se usam de todos os recursos disponíveis a fim de impedir o caminho institucional a partir do qual as forças democráticas venham a impor pelas urnas a derrota do atual governo, de outro, confia-se cegamente que o curso natural das coisas e o simples fluxo do tempo facultará a interrupção do pesadelo que aflige o país. Desatenta ao terreno em que pisam, a oposição se entregou ao fetichismo institucional, e, pior, entregou-se a uma disputa fratricida pelo poder, sob a motivação de preservar suas identidades partidárias numa eventual vitória na sucessão presidencial. Por toda parte, engalfinham-se os postulantes por nacos de poder, como se vivêssemos na plenitude de um regime democrático.”

*Luiz Werneck Vianna, Sociólogo, PUC-Rio. “O que ainda nos falta”, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 18/2/2022.

Luiz Sérgio Henriques* O Quixote e as ideologias

O Estado de S. Paulo

Os ideólogos de hoje, dependentes do inimigo de outrora, teriam seu lado comicamente absurdo, não fossem também perigosos

Uma anedota sobre exércitos e soldados é que estarão sempre fadados a travar a guerra anterior, aferrados disciplinadamente a linhas de defesa imaginárias ou irrelevantes na concreta guerra atual, que não entendem e em que batem cabeça uns com os outros. Pode-se dizer, sem medo de errar, que o caso é pior entre os “ideólogos”, entendidos como personagens que, por inclinação nem sempre razoável, costumam desorientar-se em meio a moinhos mal-assombrados, sem ter a candura ou a generosidade do engenhoso fidalgo de La Mancha.

O comunismo histórico talvez seja o “tema do delírio” preferido por quem se aplica a tais fumosos exercícios mentais. Equipará-lo ao nazismo é tópos obrigatório da virulenta retórica deste nosso tempo embaralhado por ideias e categorias em rápida obsolescência. Sim, não há dúvida: aquele comunismo inseriu-se plenamente entre os fenômenos totalitários do século passado e, por isso, mereceu morrer entre os escombros do Muro ou da URSS. Não soube, não quis ou não pôde se reformar: a denúncia dos inúmeros crimes de Stalin, em 1956, ficou a meio caminho. Os propósitos reformistas de Gorbachev vieram tarde demais. Estava “tudo podre”, segundo o diagnóstico consensual dos últimos reformistas, e havia pouco o que salvar.

Celso Lafer: Racismo, antissemitismo, liberdade de expressão

O Estado de S. Paulo

O negacionismo do Holocausto judaico, do genocídio armênio, do racismo estrutural que permeia a sociedade brasileira não é opinião, é uma iniquidade

 “Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” é um dos objetivos do nosso país, contemplado na Constituição cidadã (artigo 3, IV).

É uma ideia a realizar que indica o caminho para dar plena efetividade ao Brasil como sociedade pluralista, diversificada e democrática, retificando múltiplas inadequações de nossa arquitetura imperfeita.

A intolerância de práticas discriminatórias é um obstáculo a esta ideia a realizar. Ela veio à tona com estridência em eventos recentes, como o brutal assassinato de Moïse Kabagambe, o refugiado do Congo que encontrou abrigo em nosso país para morrer a pauladas ao lado do quiosque onde trabalhava na orla carioca; a prepotência da prisão sem provas de Yago Corrêa de Souza no Jacarezinho, depois de comprar pão perto de sua casa; e o empenho discriminatório da apologia do racismo nazista veiculado pelo podcaster Monark (Bruno Aiub).

Merval Pereira: Liberdade de expressão

O Globo

Neste ano de campanha eleitoral acirrada, o conceito de liberdade de expressão será testado com frequência. As discussões em andamento sobre Telegram, fake news e outros fenômenos da pós-verdade mostram que esse assunto dominará o ambiente social brasileiro. Fake news, aliás, não deve ser traduzido por notícia falsa,  na verdade é notícia fraudulenta, com potencial danoso muito maior. É a arquitetura da internet que deve ser regulada, com vista à transparência e à lisura, o que tenta fazer o projeto de lei  das “Fake News” que está parado na Câmara.

O pano de fundo para o debate tem de ser o consenso do mundo ocidental sobre o escopo dessa liberdade, ao mesmo tempo um direito individual e uma garantia coletiva da sociedade, porque, de seus desdobramentos — como as liberdades informativas e a liberdade de imprensa —, depende aquilo que o jurista americano Oliver Wendell Holmes chamou de “marketplace of ideas”, o mercado de circulação livre de informações e ideias, um dos pilares das democracias liberais.

Eliane Cantanhêde: Kassab como ele é

O Estado de S. Paulo

Síntese da política, Kassab está com Lula, Pacheco, Leite ou com Bolsonaro?

No centro da barafunda eleitoral, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, líder inconteste do PSD, não é candidato a nada, mas interfere no tabuleiro, embaralha as peças e mexe com os nervos de quem disputa a Presidência da República. Por que? Porque é capaz de tudo.

Kassab blefa o tempo todo e deixa aliados e adversários, reais ou potenciais, sem entender o que ele pretende. Logo, com a pulga atrás da orelha, ora se esforçando para tirar proveito, ora para escapar da manipulação.

Em meio às articulações, análises de pesquisas e definições de estratégia, o mundo político se dedica a uma tertúlia político-psicológica: afinal, qual é a jogada de Kassab? Cada um arrisca um palpite, envolvendo seu palpite com ares de verdade absoluta.

Luiz Carlos Azedo: Doria e Garcia, dois candidatos perdidos na Pauliceia desvairada

Correio Braziliense / Estado de Minas

A filiação de Garcia ao PSDB gerou duas fricções: uma com o DEM, que se fundiu ao PSL, formando a União Brasil, afastando-se de Doria; outra, a dissidência de Alckmin, Aloysio e Aníbal

Oh! Minhas alucinações!/ Como um possesso num acesso em meus aplausos/ aos heróis do meu Estado amado!../ E as esperanças de ver tudo salvo!/ Duas mil reformas, três projetos…/ Emigraram os futuros noturnos… E verde, verde, verde!…/ Oh! minhas alucinações!/ Mas os deputados, chapéus altos,/ mudavam-se pouco a pouco em cabras!/ Crescem-lhes os cornos, descem-lhes as barbinhas…/ E vi que os chapéus altos do meu estado amado,/ com os triângulos de madeira no pescoço,/ nos verdes esperanças, sob as franjas de oiro da tarde,/ se punham a pastar/ rente do palácio do senhor presidente…/ Oh! minhas alucinações!”

Os versos de Mário de Andrade, publicados em 1922, são considerados um marco modernista da literatura brasileira. Composto por 22 poemas, Pauliceia Desvairada tem como pano de fundo a acelerada modernização e a urbanização de São Paulo. Marcados pelo afeto e pelo sarcasmo, pela crítica ao transformismo dos políticos, traduzem a realidade de uma forma exagerada, alucinatória, que produz um novo olhar sobre a realidade, despido de fórmulas prontas e preconceitos. O moderno, a renovação, a experimentação pedem passagem, sem nenhuma ingenuidade.

Bernardo Mello Franco: Cúmplices do cúmplice

O Globo

Augusto Aras nem disfarça: é cúmplice das investidas de Jair Bolsonaro contra a saúde pública e a democracia. O procurador-geral da República fez vista grossa a todos os crimes do presidente na pandemia. Em outra frente, finge não ver seus ataques e ameaças à Justiça Eleitoral.

Nos últimos dias, Aras prestou mais dois serviços ao Planalto. Na quinta-feira, pediu arquivamento do inquérito em que Bolsonaro é investigado por violação de sigilo funcional. Na sexta, livrou o presidente das suspeitas de prevaricação no escândalo da Covaxin.

A Polícia Federal concluiu que Bolsonaro cometeu crime ao vazar uma investigação sobre suposto ataque aos servidores do TSE. O capitão distorceu o teor dos papéis para propagar uma tese conspiratória. Sem provas, disse que a oposição teria contratado hackers para “desviar” 12 milhões de votos em 2018.

Cidadania decide formar federação com PDSB, mas tucanos precisam formalizar

Negociação final inclui uma única candidatura à presidência. Na disputa, estão João Doria e Alessandro Vieira

Melissa Duarte / O Globo

BRASÍLIA — O Cidadania aprovou a formação de uma federação com o PSDB, modelo de aliança pela qual os partidos participantes se comprometem a atuar juntos, como uma só sigla, por pelo menos quatro anos. A decisão foi anunciada neste sábado após reunião do Diretório Nacional, que angariou 56 votos — a maioria absoluta é o mínimo necessário para selar o acordo.

Com a decisão, a regra geral é que o partido presidido por Roberto Freire responda por 20% da governança da federação, o que autoriza juntar o desempenho de todos os candidatos. Outros arranjos podem ser feitos nos estados para comportar as necessidades políticas.

Falta discutir os pontos finais, como elaboração de estatuto, junto ao PSDB. Os tucanos já haviam dado aval, por unanimidade, à formação de aliança em reunião da Executiva Nacional em janeiro.

Havia outras duas propostas em jogo para o Cidadania: formar uma federação partidária com o PDT de Ciro Gomes ou com o Podemos. Ambas foram derrotadas em votação.

— Foi um ótimo exercício de diálogo entre os partidos e uma decisão democrática — afirmou Freire ao GLOBO.

O presidente do PSDB, Bruno Araújo, disse em nota que a federação "fará a diferença no Congresso" e nas próximas eleições presidenciais.

"Será também um passo importante na consolidação de partidos fortes, fundamentais para a consolidação das instituições brasileiras. Com essa decisão, o Cidadania se incorpora formalmente, junto o PSDB, na tentativa de uma federação ainda maior, com o diálogo em andamento entre MDB e União Brasil, com serviços prestados à democracia brasileira", acrescentou a nota.

Cidadania aprova federação com tucanos

Em votação apertada, diretório decide pela aliança com o PSDB, em vez do PDT, e rompe o isolamento da candidatura Doria

Gustavo Côrtes, Pedro Venceslau,colaborou Jander Porcella / O Estado de S. Paulo.

“Essa decisão é um sinal de que as forças políticas do centro estão se unindo e saindo do isolamento. Pode haver um candidato único desse campo e o partido acha isso fundamental”. (Roberto Freire, Presidente do Cidadania)

O diretório nacional do Cidadania aprovou ontem a formação de uma federação partidária com o PSDB e, com isso, tirou a pré-candidatura presidencial do governador João Doria (PSDB) do isolamento. “Essa decisão é um sinal de que as forças políticas do centro estão se unindo e saindo do isolamento. Pode haver um candidato único desse campo e o partido vê isso como fundamental”, disse o ex-deputado Roberto Freire, presidente nacional do Cidadania.

A decisão foi comemorada no grupo de Doria no PSDB, que vive um momento interno turbulento. Um grupo de tucanos abriu uma dissidência pública contra a candidatura do governador, que venceu as prévias em 2021 contra o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e o ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio.

Em nota, a assessoria tucana disse que o acordo é o primeiro movimento formal em volta do nome de João Doria, mas Freire ressaltou que ainda é cedo para falar sobre quem será o candidato, lembrando que o senador Alessandro Vieira, do Cidadania, também é pré-candidato ao Planalto.

Cidadania decide se unir ao PSDB em federação partidária

Diretório nacional da legenda realizou votação que incluía também PDT e Podemos

Flávio Ferreira / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O Cidadania decidiu compor uma federação partidária com o PSDB em reunião do diretório nacional neste sábado (19).

Os tucanos saíram vencedores após discussões que envolveram também o PDT, do pré-candidato à Presidência da República Ciro Gomes (CE), e o Podemos, que cogita lançar o ex-juiz Sergio Moro (PR) para a disputa ao Palácio do Planalto. O PSDB tem o governador de São Paulo, João Doria, como pré-candidato ao Executivo federal.

O órgão da cúpula do Cidadania chegou à decisão após votação em dois turnos. No primeiro, o PSDB obteve 54 votos, ante 37 para o PDT e 14 para o Podemos, e houve 5 abstenções.

Na rodada final, os tucanos foram escolhidos por 56 dirigentes e o PDT por 47, com 7 abstenções.

De acordo com nota do Cidadania, "agora as Executivas dos dois partidos irão aprofundar as negociações sobre as regras da federação. Entre elas, a que estabelece prioridade na aliança para governadores candidatos à reeleição".

Bruno Boghossian: Lula em modo 'pé no chão'

Folha de S. Paulo

Mesmo petistas confiantes dizem que a eleição será mais apertada do que o cenário atual

Em duas conversas recentes, Lula deixou de lado os números das últimas pesquisas para lembrar a aliados que uma eleição difícil os aguarda. O petista disse que era preciso tratar como certa uma recuperação de Jair Bolsonaro nos próximos meses. Gente que participou de reuniões diferentes usou a mesma expressão para descrever o comportamento do ex-presidente: "pé no chão".

O que pode ser interpretado como sobriedade ou capacidade de leitura política também revela uma certa preocupação no campo petista. Ainda que o retrato atual pareça favorecer Lula, integrantes da campanha do ex-presidente apontam sinais que posicionam Bolsonaro como um adversário competitivo.

O primeiro é a estabilidade dos índices de aprovação ao governo. Petistas avaliam que os números de Bolsonaro pararam de cair no momento em que ele toma fôlego com o Auxílio Brasil, a ampliação de outras despesas e a desaceleração da curva da inflação. Algum alívio na economia deve amenizar a rejeição ao presidente na campanha.

Elio Gaspari: O TSE fala demais

O Globo

O ministro Edson Fachin assumirá a presidência do Tribunal Superior Eleitoral depois de uma entrevista bombástica. Ele fica na cadeira até agosto. Fará uma gestão estelar se impuser a Edson Fachin e a alguns colegas um sistema de cotas para as próprias falas. Cada um e todos só deverão ir aos holofotes de forma que apareçam mais por seus votos e despachos do que por seus discursos. Em bom português, trabalhar mais e falar menos. Seria muito pedir que sigam a discrição da ministra Rosa Weber, do STF, mas algum limite precisa ser colocado. A ministra diz a quem quiser ouvir que não vai a eventos e não dá entrevistas. Não é arroz de festa.

O Tribunal meteu-se a trazer militares para a discussão das urnas eletrônicas e colocou o general da reserva Fernando de Azevedo e Silva na sua diretoria. Foi a carga da cavalaria ligeira dos ingleses na Batalha de Balaclava, um lindo desastre para um filme, uma celebração para a literatura. O general foi embora, e a mistura do Exército com a eficácia das urnas foi transformada por Jair Bolsonaro em mais um de seus espetáculos semanais. A vivandagem, com o Tribunal indo aos granadeiros, resultou apenas num constrangimento.

Janio de Freitas: O golpismo busca outras armas

Folha de S. Paulo

Justificada suspeita reforçou a preocupação com o golpismo anti-eleitoral

Justificada suspeita reforçou a preocupação, retornada em crescendo duas semanas antes, com o golpismo anti-eleitoral. Nas formalidades, quem viajou à Rússia e à Hungria levava o título de presidente; na verdade, quem procurou Putin e Orbán foi o pretendente à reeleição.

Convidado há tempos, Bolsonaro só agora foi a Moscou por seu interesse em contar com a interferência cibernética dos russos na disputa eleitoral. Ao fascista, foi por tê-lo como seu orientador de golpismo, com intermediação mensageira de Carlos Bolsonaro.

interferência de Moscou na derrota de Hillary Clinton para Trump, por cerrada emissão de fake news ao eleitorado americano, se feita no Brasil seria indefensável, como tem provado a indiferença do simples Telegram às restrições da Justiça Eleitoral. A ação russa nos Estados Unidos tornou-se a mais escandalosa, mas várias outras foram constatadas. Com os resultados pretendidos.

Vinicius Torres Freire: Guerra, comida e gasolina

Folha de S. Paulo

Invasão da Ucrânia e punição séria da Rússia mexeriam com milho, trigo, petróleo e finança

Ucrânia vende 17% do milho do mercado mundial. Tem peso relevante, embora fique atrás de EUA, Brasil e Argentina. Ucrânia e Rússia exportam 30% do trigo comprado pelo resto do planeta —é muito.

Quase 47% do gás e 25% do petróleo que a União Europeia importa sai da Rússia. Os russos têm mais ou menos 11% das exportações mundiais de petróleo, apenas atrás da Arábia Saudita (17%). Quase metade das exportações russas é de energia, o que sustenta a economia e as contas do governo.

Míriam Leitão: Estamos perdendo a guerra do clima

O Globo

Morros altos e íngremes descendo em belas escarpas até vales estreitos. A geografia de Petrópolis encanta o país desde o Império. Nos últimos dias foi o cenário de horror e de morte. Um dos mitos fundadores do Brasil está no primeiro verso do Hino Nacional. Estamos deitados em berço esplêndido, terra livre de terremotos, vulcões e furacões. A mudança climática eleva o custo dos erros velhos, como a ocupação desordenada do solo urbano, e o desmatamento acelera a mudança climática. O Brasil é hoje um país exposto às tragédias que ele mesmo tem provocado.

Winston Fritsch*: Lula vem aí, e daí?

O Globo

A coalizão de esquerda montada em torno do PT dispara nas pesquisas. Lula é do ramo. Fala pouco, mantém sem esforço seu bloco de partidos amarrado a ele e abriu um sério complicador adicional à terceira via acenando com um vice de enorme recall, experiente político de centro e paulista. Por isso parece improvável que ou a alternativa Moro ou a dança das alianças partidárias de centro em torno de nomes unificadores de um grupo inorgânico produza um pré-candidato que ameace chegar ao segundo turno. Especialmente se o atual presidente continuar mantendo seu teimoso quinto dos votos nas pesquisas.

Entretanto isso é largamente irrelevante, pois nenhum candidato —inclusive Lula —é garantia de governabilidade, uma vez que, com o atual número de partidos, como argumentei neste jornal (“A única via”, 16/10/2021), o presidencialismo de coalizão brasileiro perdeu a funcionalidade. Restaurar o equilíbrio fiscal requer medidas impopulares e, na falta de uma coalizão programática resiliente, quem ganhar a eleição verá sua base majoritária de apoio inicial desmoronar lentamente. Passada a lua de mel com o eleitorado, o presidente eleito vira refém do Centrão. Até o PT sabe disso.

Dorrit Harazim: Em carne viva

O Globo

A visionária cientista e ambientalista Rachel Carson, autora do clássico “Primavera silenciosa”, alertara o mundo já nos idos de 1960: “O ‘controle da natureza’ é uma frase concebida na arrogância, nascida da era Neandertal da biologia e da filosofia, quando se supunha que a natureza existe para a conveniência humana”. Bingo. No Brasil de 2022, como ao longo de seus 200 anos desde a Independência, a natureza continua a ser tratada como commodity a serviço de suas sucessivas elites. Em nome de uma prosperidade seletiva, gananciosa, ela, a natureza, nunca conseguiu ter lugar à mesa — nem mesmo diante da revolta climática em franca rebentação sobre o planeta.

Cacá Diegues: Jabor, a última voz

O Globo

Ele foi o mestre de um cinema que outros haviam tentado, mas ninguém o fizera tão bem quanto ele

Eu ainda estava no ginásio do Colégio Santo Inácio quando me aproximei de Arnaldo Jabor, tentando conquistar um papel num espetáculo colegial que ele produzia e dirigia. Tratava-se da dramatização de um daqueles poemas do romantismo brasileiro sobre os paulistas que haviam conquistado o interior do país. Lá para as tantas, uma febre assolava os bravos conquistadores e duas ou três vítimas passavam no fundo do palco, se arrastando a pedir água. Eu seria uma delas. Mas, sofrendo o que considerava um agressivo desinteresse por meu talento dramático, não passei da estreia. Abandonei o espetáculo e pedi demissão do grupo. Não sei exatamente como, mas o episódio acabou nos aproximando, ficamos amigos para sempre graças a meu fracasso dramático.

Fomos juntos para a PUC, onde ambos demos preferência às atividades político estudantis, mais emocionantes e úteis ao país que queríamos construir. Eu era o redator-chefe de O Metropolitano, o jornal da União Metropolitana dos Estudantes (UME), que era dirigido pelo futuro deputado Paulo Alberto Monteiro de Barros (o cronista Artur da Távola), nomeado pelo presidente da entidade Alfredo Marques Viana. Chamei Arnaldo para se ocupar da página de arte do jornal e nunca mais nos separamos.

Cristovam Buarque*: A cloroquina do transporte

Blog do Noblat / Metrópoles, 19.2.2022

O jeitinho é filho do negacionismo que domina a política brasileira, desde sempre, por eleitos e eleitores, sobretudo por populistas

Há décadas o orgulho brasileiro pela prática de jeitinhos cobra alto preço, ao preferir gambiarras e ilusões, no lugar do enfrentamento correto de nossos problemas. O atual presidente tentou a gambiarra da cloroquina para enfrentar a tragédia do covid: o resultado são centenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas. Mas a gambiarra não é prática apenas do atual presidente. O jeitinho é filho do negacionismo que domina a política brasileira, desde sempre, por eleitos e eleitores, sobretudo por populistas e imediatistas.

Investimos em uma modernidade apressada, tendo a indústria automobilística como carro chefe do crescimento, independente de suas consequências. O resultado são nossas “monstrópoles”, resultantes do inchaço das cidades, sem planejamento, sem cuidados, crescendo descontroladamente e recebendo gambiarras no lugar de estruturas robustas.

A tragédia de Petrópolis, nesta semana, e muitas outras no passado recente, decorrem deste comportamento de jeitinhos e gambiarras fruto do negacionismo diante da dimensão do problema. A tentativa de controlar o preço do combustível é outro exemplo.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Por uma agenda consensual pelo crescimento

O Globo

É comum ouvirmos gente dizer que economia é difícil e que não dá para acompanhar o assunto. É verdade que o economês declinado e escandido nas discussões afasta o tema da realidade, enquanto a maioria continua a sofrer as consequências da inflação, do desemprego, dos salários defasados e do futuro sacrificado pela qualidade sofrível da mão de obra e da educação brasileiras. No debate público, clareza é tudo. Uma discussão sem jargões, capaz de decifrar o sentido dos termos técnicos, das dúvidas e das principais decisões diante do país, só tem a ganhar em qualidade.

Foi com esse espírito em mente que o GLOBO deu início a uma série de artigos que se estenderá pelos próximos meses. Em ano de eleição presidencial, os brasileiros precisam dedicar parte do tempo para decidir o melhor caminho adiante. O colunista Fábio Giambiagi, um dos economistas mais respeitados do país, com vasta experiência no setor público, proporá temas em suas colunas, depois comentados por representantes de diferentes escolas.