segunda-feira, 7 de março de 2022

Fernando Gabeira: Política e patologia no planeta em crise

O Globo

Ao longo da vida, participei de centenas de manifestações, em muitas gritando palavras de ordem; em outras, apenas documentando.

O que extraio de verdadeiro dessa gritaria nas ruas é uma frase que sobrevive na velhice: “O povo, unido, jamais será vencido”. Um país pode ser invadido por forças militares superiores, o governo pode ser desfeito, mas, no médio e longo prazos, essa verdade essencial acabará se impondo.

Escrevo num momento de transição. Sei que o mundo mudou e seguirá mudando. Mas a simples eclosão da guerra não consegue ofuscar, para mim, o novo relatório dos cientistas da ONU mostrando como avançam o aquecimento global e o perigo de tragédias climáticas.

Do nível nacional ao internacional, o instinto de morte parece estar numa ofensiva sem precedentes. Não pretendo abordá-lo com mais uma análise da correlação de forças, nem das negativas consequências econômicas. Essa tarefa, já a cumpri durante a semana, analisando o papel estratégico dos fertilizantes no agronegócio e, consequentemente, na economia e na segurança alimentar do Brasil.

Ao encerrar meu trabalho noturno, tenho visto uma série chamada “Mind hunters”. É a história de agentes do FBI que, no fim do século passado, percebem que os crimes não se explicam mais pelos velhos motivos: ciúmes, dívidas a cobrar. Eles se interessam por criminosos em série, cujas razões só podem ser entendidas com um mergulho nas suas mentes doentias.

Demétrio Magnoli: Um incomum homem comum

O Globo

O presidente afegão, Ashraf Ghani, fugiu do país diante da aproximação das forças do Talibã. Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, permaneceu em Kiev, recusando a oferta dos EUA de transferir seu governo para Lviv e inspirando a resistência nacional à invasão russa. Analistas distraídos tiveram, então, de reconhecer a coragem do ex-comediante, alvo fácil de suas zombarias.

Não é só coragem. Dirigindo-se ao povo russo, em língua russa, Zelensky desmontou cada uma das mentiras difundidas pelo Kremlin. O discurso precisaria ser ouvido no Brasil, onde não faltam papagaios de Putin.

A invasão destina-se a libertar a nação invadida? “A Ucrânia, nas notícias de vocês, e a Ucrânia, na realidade, são dois países completamente diferentes. O mais importante é que a nossa é real.” A Ucrânia vive sob o nazismo? “Como pode uma nação ser qualificada como nazista depois de sacrificar 8 milhões de vidas para erradicar o nazismo? Como posso ser nazista se meu avô sobreviveu à guerra integrando a infantaria soviética e morreu como coronel numa Ucrânia independente?”, perguntou o ucraniano, que é judeu.

Carlos Pereira: Migração não é traição

O Estado de S. Paulo

Trocar de partido político faz parte da estratégia de sobrevivência eleitoral

Na última quinta-feira, 3, foi aberta a “janela partidária”, período de 30 dias que antecede o prazo-limite de filiação, em que a fidelidade partidária do parlamentar é relaxada de modo a permitir a migração de partido sem riscos de perda de mandato.

No sistema eleitoral brasileiro, como a maioria dos parlamentares se elege com sobras de votos de candidatos do seu partido que ultrapassam o quociente eleitoral, o mandato pertence ao partido e não ao parlamentar individual. A fidelidade partidária funciona como uma espécie de “pedágio” que o parlamentar paga ao partido para poder se eleger.

Os partidos políticos brasileiros, com raras exceções, não são fonte de agregação ideológica nem programática. Funcionam basicamente como agremiações que maximizam os interesses políticos e de sobrevivência de seus membros. Ao longo de seu mandato, um parlamentar pode perder interesse em continuar no partido que o elegeu.

Marcus André Melo*: 'Essa Rússia Americana'

Folha de S. Paulo

Gilberto Freyre enxergou traços da Rússia entre nós

Gilberto Freyre enxergou traços da Rússia entre nós quando se referiu ao Brasil como "essa Rússia Americana", em "Casa Grande & Senzala" (1933), e mesmo antes. O foco de sua análise são as relações de sadismo e gosto pelo mando resultantes da escravidão e que perpassavam a vida brasileira, da esfera sexual à política, irradiando-se "no gosto de mando violento ou perverso que explodia no senhor de engenho ou no filho bacharel quando no exercício de posição elevada, política ou de administração pública".

E acrescentava "gosto que se encontra abrutalhado em rude autoritarismo num Floriano Peixoto". E conclui que o mandonismo tem sempre encontrado vítimas em quem exercer-se com "requintes sádicos, deixando até nostalgias logo transformadas em cultos cívicos, como o do Marechal de Ferro".

Lygia Maria: Não se combate autoritarismo com censura

Folha de S. Paulo

Cancelar artistas russos é contraditório em democracias liberais

Como forma de retaliação à invasão da Ucrânia, a cultura russa está sendo cancelada. Festivais de cinema na Europa, como o de Glasgow e o de Estocolmo, baniram filmes russos que receberam financiamento estatal. O teatro The Helix, em Dublin, cancelou um espetáculo da Companhia Real de Balé de Moscou, enquanto a Royal Opera House, em Londres, cancelou a temporada do Balé Bolshoi. Já na Itália, Dostoiévski, morto em 1881, sofreu ataques: uma universidade em Milão chegou a cancelar um curso sobre o escritor russo, mas, com a repercussão negativa, voltou atrás, e, em Florença, cidadãos pediram a derrubada de uma estátua em homenagem a ele.

Ana Cristina Rosa: Todo sangue é vermelho

Folha de S. Paulo

O que diferencia o tratamento dado a ucranianos e o que foi dado aos sírios?

A guerra da Rússia contra a Ucrânia expôs o eurocentrismo vigente. Há conflitos armados em quase 30 países. Populações na Síria, no Afeganistão, na Nigéria, em Mianmar, no Congo, no Iraque, na Somália, no Paquistão… vivem em clima de constante instabilidade, rodeadas pelo medo, pela destruição e pela morte.

No Iêmen, onde segundo a ONU está instalada a mais grave crise humanitária do planetamais de 10 mil crianças foram mortas ou mutiladas num conflito que se arrasta há sete anos.

Ainda assim, nunca se viu tamanha comoção ou mobilização como a causada pela "operação militar especial" na Ucrânia, uma guerra que conta com transmissão simultânea e já levou mais de um milhão de pessoas a cruzar fronteiras.

Celso Rocha de Barros: O MBL vai acabar?

Folha de S. Paulo

Turma de 2015 se autoimola em público, e direita brasileira volta para centrão e milicos

O Movimento Brasil Livre (MBL) passa por sua maior crise desde que se destacou na organização das passeatas pelo impeachment em 2015-2016, quando Eduardo Cunha descobriu que Arthur do Val, o Mamãe Falei, era fácil porque era burro.

As coisas já não iam bem para o MBL antes mesmo do deputado estadual paulista declarar sua intenção de explorar sexualmente a pobreza das refugiadas de guerra ucranianas.

Poucas semanas antes, a principal liderança emebelista, o deputado federal Kim Kataguiri, foi por severamente criticado por questionar a criminalização do nazismo. A proposta era imbecil, mas, além disso, a intensidade da reação contra Kataguiri mostrou outra coisa: o clima ideológico do Brasil de 2022 não é mais aquele em que o MBL floresceu.

Mirtes Cordeiro*: Educação na Campanha da Fraternidade

Enquanto no mundo inteiro a população assiste ao desenrolar de uma guerra desumana, promovida pela Rússia para dominar a Ucrânia – um país livre e soberano -, surge uma notícia boa: a Educação está no foco da Campanha da Fraternidade, desenvolvida pela igreja Católica

O tema já foi objeto de reflexão e ação eclesial em 1982 e 1998, e a Campanha da Fraternidade deste ano é inspirada no Pacto Educativo Global, convocado pelo Papa Francisco. Com os fundamentos de uma educação humanizada, tem como tema “Fraternidade e Educação” e o lema “Fala com sabedoria, ensina com amor” (Pr 31,26). (CNBB)

“Para educar uma criança é preciso uma aldeia inteira. Quer dizer que educar é tarefa da família, das escolas, das igrejas e de toda asociedade”, diz o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Joel Portella..

A Igreja considera que a pandemia contribuiu para o agravamento da situação das escolas com relação a infraestrutura e aprendizagem, e que é necessário mais investimentos para corrigir as lacunas da política educacional.

Dos problemas citados no diagnóstico do Movimento Todos pela Educação, preocupa mais a evasão e a falta de interesse das crianças para a volta à escola.

Bruno Carazza*: Guedes não quer guerra com ninguém

Valor Econômico

Paulo Guedes deixou claro que não tem mais coragem de enfrentar os piratas privados e as criaturas do pântano político em nome de um sistema tributário mais eficiente

Há uma guerra lá fora, e por aqui a vida transcorre normalmente. Com tantos problemas internos, nossas batalhas são outras, mas, em ano eleitoral, vivemos um período de cessar-fogo.

A sociedade brasileira é bombardeada diariamente pela desigualdade, miséria, fome e retrocessos na educação, na saúde e na segurança. Na economia, vivemos sob o fogo cerrado da baixa produtividade no setor privado, de ineficiências estatais e de um sistema tributário caótico.

Sem muita estratégia, mobilizamos recursos, gastamos muita munição, e continuamos levando chumbo de nossos maiores inimigos.

Nos anos eleitorais, contudo, a classe política combina uma trégua. Com medo de perder votos, presidente, deputados e senadores, ninguém quer fazer guerra contra ninguém. Toda medida que possa mexer nos interesses de grupos de interesses é devidamente deixada pra depois das eleições.

Sergio Lamucci: O impacto da guerra sobre a economia brasileira

Valor Econômico

Para o mundo, o conflito significa mais inflação e menos crescimento, combinação desfavorável para o Brasil, que já lida com pressões inflacionárias e atividade fraca

A guerra entre Rússia e Ucrânia tornou o cenário para a economia brasileira em 2022 ainda mais complicado. Para o mundo, o conflito significa mais inflação e menos crescimento, combinação desfavorável para o Brasil, que já lida com pressões inflacionárias resistentes e uma atividade econômica fraca. Há muitas dúvidas envolvendo o confronto, a começar pela duração da guerra, mas é provável que as tensões geopolíticas sejam prolongadas, com efeitos negativos sobre a economia global cujo alcance é difícil de estimar, mas que não serão nada desprezíveis.

Chico Alencar: Águas e lamas de março

O Globo

Na Petrópolis devastada, ainda são contadas as centenas de mortes. Todos querem que as águas de março fechem logo este verão trágico. No país decomposto, março leva ao moinho da baixa política a água suja da “janela da troca de partido”.

Trata-se da licença para mudar de legenda sem nenhum constrangimento legal ou político. A lei da “fidelidade partidária” fica provisoriamente suspensa, e ninguém precisa justificar descumprimento do programa, perseguição da cúpula ou qualquer outra razão para bater noutra porta política.

É como nas janelas de transferência do futebol profissional, com período definido e altas somas envolvidas. Com o fundão partidário — R$ 939 milhões em 2021 — e eleitoral — R$ 4,9 bi para a campanha deste ano —, quanto estará custando o passe de um parlamentar ou de uma celebridade com densidade de votos?

Na degeneração partidária que assola o país, princípios, doutrina e programa não têm vez na maioria das agremiações. As marcas de fantasia — insossa sopa de letrinhas — são enganosas: progressista pode ser atrasado; liberal, conservador; democrata, autoritário; popular, elitista; trabalhista, patronal; ecológico, poluidor; socialista, capitalista...

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Acordo na ONU para acabar com poluição por plásticos é um avanço

O Globo

Um tratado global para eliminar a poluição por plásticos ficou mais próximo da realidade. Em reunião no Quênia na semana passada, a Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente aprovou, com o apoio de 175 países, as bases do acordo. A expectativa é que seja firmado até 2024. Será, segundo Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a decisão mais importante desde o Acordo de Paris. Entre as medidas que poderão ser adotadas estão a redução da produção, a adoção de reciclagem mais eficaz e a proibição de plásticos descartáveis após um único uso.

Como comprovam os lixões e, vergonhosamente, também ruas e praias de várias cidades brasileiras, a poluição por plásticos atingiu níveis escandalosos. No mundo, a produção anual dobrou nas duas últimas décadas. Saiu de 234 milhões de toneladas no ano 2000 para 460 milhões de toneladas em 2019, diz uma publicação recém-lançada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Um estudo publicado em 2020 por pesquisadores israelenses na revista Nature estimou que o peso de todos os plásticos já produzidos é superior ao de todos os animais vivos, terrestres e marinhos.

Poesia | Charles Baudelaire: A destruição

Sem cessar a meu lado se agita o Demônio;
Nada à minha volta como um ar impalpável;
Eu o engulo e sinto que me queima o pulmão
E o preenche de um desejo eterno e culpável.

Toma às vezes, conhecendo meu amor da Arte,
A forma da mais sedutora das mulheres,
E, sob especiosos pretextos de rufião,
Acostuma meus lábios a filtros infames.

Ele me leva assim, longe do olhar de Deus,
Ofegante e morto de cansaço, até o meio
Dos campos do Tédio, profundos e desertos,

E lança em meus olhos cheios de confusão
Vestimentas imundas, feridas abertas,
E a aparelhagem sangrenta da Destruição!