segunda-feira, 14 de março de 2022

Fernando Gabeira: A sombra da guerra da Ucrânia no Brasil

O Globo

Dizem que a guerra estimula mudanças e inovações. No entanto é difícil antecipá-las, num momento em que não se entende bem tudo o que se passa e, muito menos, o rumo que as coisas tomarão num futuro próximo.

A alternativa é começar pelo mais fácil, aquele conjunto de problemas que já nos preocupavam antes da guerra. O preço do combustível é um deles. Já estava nas alturas e subiria mais assim que fosse disparado o primeiro tiro na Ucrânia.

Perdeu-se um tempo enorme para definir medidas que atenuassem o impacto do aumento. E agora, que a guerra eclodiu, elas se tornam mais urgentes e ligeiramente menos eficazes.

Antes da guerra, o combustível fóssil não era questionado apenas pelo preço, mas também por sua insustentabilidade ambiental. A crise abre uma porta para o futuro de carros elétricos, boas ferrovias e hidrovias. Será que embarcamos nessa ou seguimos na janela vendo o mundo mudar?

Outra questão anterior à guerra era a dependência dos fertilizantes russos. Vale a pena escorar-se na boa vontade de um Putin isolado ou desenvolver um projeto de autossuficiência nesse campo?

Miguel de Almeida: Orwell antecipou a sombra de Putin

O Globo

alistamento espontâneo de civis de diversas nacionalidades ao lado dos ucranianos desmonta uma certeza do filósofo francês (de direita) Luc Ferry: que nenhuma causa contemporânea mereceria a imolação da vida.

Estariam longe e abandonadas as paixões políticas, as empolgações estéticas (Maiakóvski saía no braço com seus interlocutores) e as identidades nacionais. Furores e arrebatamentos responsáveis por toneladas de mortes, principalmente no século passado.

Em sua conta não entram os fundamentalistas islâmicos, os tais homens-bomba — no caso, não seria sequer uma causa, mas um vácuo civilizacional.

O engajamento da população civil ucraniana, de outro lado, escande a identificação com um revelador instinto de nacionalidade, certamente para a desagradável surpresa de Putin, e em oposição ao conceito niilista e desossado de Luc Ferry, ex-ministro da Educação da França.

Diante de Putin, parte da esquerda retomou o coro com a extrema direita. Bozo e o PCO se encontram do mesmo lado da trincheira — ele, porque jura ser seguidor da crença de Silas Malafaia; o grupelho, por lutar contra a vida alheia.

Mirtes Cordeiro*: A esperança que vem das mulheres

Após 49 anos da queda de Savaldor Allende, então presidente do Chile, por um golpe militar (11.09.1973) que derrubou o regime constituído democraticamente pelo povo, surge novamente a oportunidade para a recondução da história, renovada pela forma persistente e disciplinada dos movimentos sociais organizados pelo povo chileno.

A esperança surge na figura do novo presidente, Gabriel Boric, um jovem de 36 anos à semelhança do Allende, um representante da esquerda chilena.

Conforme anunciado no seu discurso de posse, o zelo pela construção do Estado Social como um ente coletivo, retumba o primeiro discurso de campanha. “Diante do povo e dos povos do Chile, prometo dar o melhor de nós pelo bem do país”, reafirmando compromisso com a luta contra as ações que provocam as alterações climáticas, e o empoderamento da mulher.“Estou muito feliz de ter diante de mim um gabinete com mais mulheres que homens”.

As prioridades do programa de governo apontam para a recuperação da economia, para a reestruturação das pensões e aposentadorias, tornando-as dignas, para o reconhecimento dos povos originários, para o não endividamento dos estudantes com a educação, para a continuidade das buscas pelos desaparecidos durante a ditadura.

No governo atual do Chile, as mulheres assumem 14 ministérios, entre eles o Ministério do Interior e Segurança Pública, o Ministério da Defesa Nacional, o Ministério da Mulher e Equidade de Gênero, o Ministério da Saúde e Ministério das Relações Exteriores.

Marcus André Melo*: Impactos políticos da guerra

Folha de S. Paulo

Populismo e identitarismo declinam, universalismo liberal se fortalece

A guerra na Ucrânia aponta para o fim de uma era. Fukuyama afirmou que ela representa "o fim do fim da história", o ocaso de um certo consenso liberal global que organizou o mundo ocidental do pós-Guerra. Mas aqui quero me restringir a algumas de suas implicações políticas no plano interno das democracias.
Começo por seu impacto sobre a onda populista.

O traço distintivo do populismo, em suas variantes à esquerda e à direita, é o apelo ao povo (virtuoso) —em oposição às elites (corrompidas)— e na representação política direta sem mediações ou controles institucionais. O nativismo é corolário: povo e nação se complementam.

Celso Rocha de Barros: Ideias para o pós-Jair

Folha de S. Paulo

Livro traz propostas boas de políticas públicas, que podem ajudar os programas dos candidatos de oposição

Foi só o bolsonarismo começar a ir embora que voltou o debate de ideias. Em "Reconstrução: O Brasil nos Anos 20", organizado por Felipe Salto, João Villaverde e Laura Karpuska, um grupo de autores de altíssimo nível, todos jovens, propõe ideias para a retomada do projeto de construção da democracia brasileira. É um livraço.

Os capítulos são textos de diferentes tipos: por exemplo, há boas reconstruções históricas, como as de João Villaverde e Rodrigo Brandão sobre o presidencialismo brasileiro; ou a de Irapuã Santana sobre as políticas públicas que preservaram a desigualdade racial herdada da escravidão. Há dois excelentes textos sobre o estado de nossa esfera pública: um de Laura Karpuska e Vandson Lima sobre accountability nas redes sociais e na imprensa e outro de Tai Nalon, chefe da agência de checagem Aos Fatos, sobre o problema das fake news.

Bruno Carazza*: Assim na terra, como no céu

Valor Econômico

Lula e Bolsonaro miram eleitorado evangélico

Segundo o Censo de 2010, dos 190.755.799 habitantes no território brasileiro, 42.275.440 pessoas eram evangélicas - o que equivalia a 22,2% do total. Já se passaram 12 anos, e muita coisa mudou no Brasil desde o último levantamento demográfico realizado pelo IBGE.

Os institutos de pesquisas que estão indo a campo para tentar estimar as preferências do eleitor para o pleito de outubro têm encontrado um contingente de 24% a 26% dos entrevistados que se dizem evangélicos. Muitos especialistas acreditam que o índice real seja de quase um terço da população.

Alex Ribeiro: O Copom vai largar a meta de 2023?

Valor Econômico

Baixar rapidamente a inflação causaria um alto custo à economia

Com o choque nos preços de petróleo, dos alimentos e dos metais causado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, o mercado está reestimando as suas projeções de inflação para percentuais ainda mais altos. Muitos estão questionando: o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central deveria jogar a toalha e desistir de cumprir a meta de inflação de 2023?

A julgar pelo histórico da diretoria do BC, comandada por Roberto Campos Neto, isso é pouco provável. O Copom deverá manter o foco em trazer a inflação, que chegou a 10,54% no período de 12 meses até fevereiro, ao objetivo de 3,25% definido para o ano que vem. Mas é possível que passe a agir de forma mais gradual, sem as altas agressivas que imprimiu na taxa Selic até fevereiro.

O principal argumento dos defensores de uma convergência mais lenta da inflação para a meta é que o sacrifício, em termos de perda de atividade econômica e de alta do desemprego, seria muito alto. Mais recentemente, surgiu um novo argumento, ligado à estabilidade financeira. A economia teria se moldado ao ambiente de juros mais baixos, de um dígito, e uma alta muito forte da Selic poderia desestabilizar empresas e o setor financeiro.

Denis Lerrer Rosenfield*: O retorno à barbárie

O Estado de S. Paulo.

Na invasão da Ucrânia, a Rússia retomou os seus protocolos militares empregados nas guerras da Chechênia e da Geórgia

As imagens de bombardeios russos a populações civis na Ucrânia são aterradoras. Impossível não sentir desgosto e indignação moral. Se houve algum progresso na Europa, após a Segunda Guerra Mundial, ele se deveu a um dizer não a soluções militares, privilegiando conversações diplomáticas, mesmo no período mais agudo da guerra fria. Formou-se um consenso em torno do Estado de Bem-estar Social, voltado para o atendimento das necessidade individuais e coletivas. Logo, o continente europeu – e não outras partes do mundo – foi preservado de conflitos propriamente militares, podendo os membros dos vários Estados se dedicarem a seus afazeres privados.

A Europa do século 19, durante décadas, conseguiu privilegiar soluções diplomáticas, graças a diplomatas da mais alta estirpe como Metternich, Castlereagh e Talleyrand, conhecedores da história e da arte da negociação. Após a destruição deste mundo, no final do século 19 e, depois, nas duas guerras da primeira metade do século 20, parecia que um mundo novo viera para ficar, com um não rotundo sendo dito às atrocidades da Segunda Guerra Mundial.

Por unanimidade, Cidadania reconduz Roberto Freire à Presidência

 Porta do Cidadania

Congresso elegeu neste sábado novo Diretório e nova Executiva nacionais

O Cidadania elegeu neste sábado (12) o novo Diretório e a nova Executiva nacionais. Foi o XX Congresso Nacional do partido, sendo o primeiro realizado como Cidadania (10 foram como Partido Comunista Brasileiro e 9 como Partido Popular Socialista, antecessores da nova formação política). Numa decisão unânime, o atual presidente Roberto Freire foi reconduzido. Dizendo-se contrariado pela possibilidade de reeleição, o senador Alessandro Vieira (SE) não chegou a votar e anunciou sua desfiliação do partido.

Os deputados Daniel Coelho e Rubens Bueno (PR), além da senadora Eliziane Gama (MA) e Comte Bittencourt, que dirige o Cidadania no Rio de Janeiro, serão vice-presidentes. Assume o cargo de secretário-geral do partido o presidente do Cidadania alagoano, Régis Cavalcante. Os novos colegiados respeitam o percentual de 30% de mulheres em órgãos de direção, como prevê o Estatuto, e também tem representantes dos setoriais de Diversidade e Igualdade.

“Aquilo que surgiu em 1922 [ano de fundação do PCB] tem uma linha mestra. Uma linha de pensamento e intervenção na política, voltada para uma sociedade mais justa, com valores de fraternidade, concepção humanista e visão internacionalista. Para ter continuidade, processo de modernização é necessário e se impôs. E tivemos coragem de fazer. Nós agora precisamos chegar ao século XXI. Esse ano é fundamental pra definimos se queremos ser contemporâneos do futuro”, defendeu Freire.

Responsável por uma proposta inicial de novo programa para o partido, que será aperfeiçoada em discussões ao longo do ano, Caetano Araújo, da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), disse que a busca do partido é por reapresentar, no Brasil, um movimento que já ocorre em outros lugares do mundo, como a Europa, de convergência entre sociais-democratas, verdes e liberais progressistas. Uma agenda que alie inclusão social, sustentabilidade e responsabilidade fiscal.

“O Cidadania é necessário para levar esse conjunto de posicionamentos à frente de forma mais consequente do que os partidos maiores. Isso situa o Cidadania num campo que tradicionalmente chamamos de esquerda, mas uma esquerda renovada. A pauta tradicional das esquerdas era equidade e inclusão social. A pauta ampliada é equidade, inclusão social, sustentabilidade, responsabilidade fiscal, cosmopolitismo e democracia. Uma esquerda democrática moderna, atual”, sustentou.

Freire lembrou ainda a importância histórica do partido, desde os tempos do PCB.

“Esse partido não tem tendências ou bancadas e interesses por mais que sejam legítimos. O que construímos aqui é o órgão máximo da permanência do partido, entendendo as particularidades, os problemas dos estados e municípios. Mas um órgão nacional, com pensamento nacional. Nunca tivemos grande expressão numérica, mas sempre fomos um partido respeitado. Podem contar a história do povo brasileiro, mas se não falarem de nós, não estarão contando a verdadeira história do povo brasileiro, como disse Ferreira Gullar”, avaliou.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

‘SUS da Educação’ traz nova esperança para resgatar ensino

O Globo

Pode ter efeito revigorante o projeto aprovado por unanimidade no Senado que institui o Sistema Nacional de Educação (SNE), apelidado “SUS da Educação”. A proposta, que ainda seguirá para a Câmara, regulamenta a colaboração entre União, estados e municípios na gestão do ensino. A exemplo da Saúde, o SNE terá uma comissão tripartite, com representantes das três esferas do Executivo, que decidirá sobre avaliações, parâmetros de qualidade, compras, material didático, carreira dos professores etc.

À União, caberá coordenar, oferecer apoio técnico e financeiro a estados e municípios, além de gerir o sistema nacional de avaliações. A ideia é, sem desrespeitar a autonomia dos demais entes, permitir que as principais políticas educacionais do país possam ser discutidas em conjunto pelas três esferas da administração, como ocorre no SUS.

A pandemia de Covid-19 expôs bons e maus exemplos de ação coordenada. Não há dúvida de que o SUS, com todas as suas limitações, inclusive orçamentárias, respondeu de modo competente ao desafio imposto pela mais letal pandemia dos últimos cem anos. O maior obstáculo não foi a centralização, mas a gestão errática do Ministério da Saúde, que abriu mão de seu papel de coordenação da crise sanitária, em muitos momentos chegando a boicotar o trabalho de governadores e prefeitos. Na vacinação, a partir do momento em que houve imunizantes disponíveis, o esquema funcionou. O governo federal comprou as vacinas, os estados distribuíram os lotes aos municípios, e as prefeituras aplicaram as doses.

Poesia | Bertold Brecht – Nada é impossível de mudar

Desconfiai do mais trivial,

na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:

não aceiteis o que é de hábito

como coisa natural,

pois em tempo de desordem sangrenta,

de confusão organizada,

de arbitrariedade consciente,

de humanidade desumanizada,

nada deve parecer natural

nada deve parecer impossível de mudar.