quarta-feira, 23 de março de 2022

Bruno Boghossian: Por trás de fachada conservadora

Folha de S. Paulo

Negociação de verba se encaixa em plataforma ideológica do governo Bolsonaro no MEC

Jair Bolsonaro distorceu as funções do Ministério da Educação quando submeteu o ensino do país à cartilha de grupos religiosos. Com um pastor no comando do órgão, o governo quis decidir o que pode ser dito na escola e cobrado em provas oficiais. Por trás dessa fachada conservadora, havia outros interesses em jogo.

Há mais de um ano, líderes evangélicos controlam uma cota milionária de verbas no ministério, como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo. Os pastores Gilmar dos Santos e Arilton Moura não ocupam cargos oficiais, mas definem a agenda de autoridades da pasta e negociam a liberação de dinheiro para municípios.

Silvia Matos*: A fragilidade da renda

Folha de S. Paulo

A pandemia prejudicou mais os trabalhadores informais e pouco escolarizados

Conforme esperado, o processo de normalização da economia segue em frente, ainda que com contratempos. De acordo com o último dado divulgado pelo IBGE e analisado pela equipe de mercado de trabalho do FGV-Ibre, o emprego em janeiro último já estava no mesmo patamar de fevereiro de 2020, antes da pandemia. A recuperação do emprego tem sido mais generalizada, tanto para trabalhadores formais quanto para informais.

Ou seja, há uma boa notícia em termos de geração de emprego, pois o choque sobre a economia foi muito desigual, afetando muito mais os setores intensivos em trabalho e de baixa produtividade, atingindo mais os trabalhadores informais e pouco escolarizados. Julho de 2020, por exemplo, foi o fundo do poço em termos de emprego: a população ocupada no setor privado estava 14% abaixo do valor registrado no mesmo período do ano anterior. O setor informal contribuiu com quase 2/3 desta queda, enquanto o setor formal contribui com a menor parcela, de 1/3.

Vinicius Torres Freire: Guerra e economia no resto do mundo

Folha de S. Paulo

Para alguns economistas, Brasil pode faturar uns trocados com alta de commodities

guerra na Ucrânia tende a beneficiar o crescimento da economia brasileira no curtíssimo prazo —digamos, até o final do ano. O argumento zanza faz uns dez dias por relatórios de conjuntura escritos por economistas de bancos.

Nem é argumento novo: preços de commodities em alta costumam estar associados a um crescimento maior no Brasil. O país exporta petróleo, grãos, minério e carnes.

Qual o tamanho da melhoria? Alguns décimos de porcentagem. O bastante para o país não fechar o ano no vermelho, com encolhimento do PIB.

Hélio Schwartsman: Putin veio para confundir

Folha de S. Paulo

Alas da esquerda o apoiam por causa do antiamericanismo

Vladimir Putin bagunçou de vez aquilo que já andava meio confuso. Falo da dicotomia esquerda-direita. O autocrata russo recebe o apoio de várias alas da esquerda mundial por causa principalmente do antiamericanismo. Já a direita celebra Putin porque ele é, bem, de direita... Duas de suas características mais salientes são o conservadorismo e o autoritarismo.

Quão úteis ainda são as noções de esquerda e direita? Elas surgiram como um achado empírico. Na França pré-revolucionária, os deputados que se sentavam à direita da cadeira reservada ao rei na Assembleia (nobres e clero) defendiam as teses conservadoras, e os que se sentavam à esquerda (a burguesia) queriam mudanças. Eram, portanto, conceitos bastante informativos, já que a distinção era nítida e dava conta dos principais dilemas políticos.

Fernando Exman: Bolsonaro sai à caça do voto do jovem eleitor

Valor Econômico

Novo escândalo na pasta da Educação prejudica estratégia

Súbito, o presidente Jair Bolsonaro avisa que a participação do advogado-geral da União ficará para uma próxima oportunidade e chama à mesa uma auxiliar pouco conhecida do brasileiro médio.

Até havia pautas mais quentes para o chefe do Executivo abordar na “live”, transmitida pelas redes sociais na última quinta-feira. Mas, a participação da titular da Secretaria Nacional da Juventude tornara-se prioritária: Bolsonaro precisa melhorar a sua imagem entre os jovens. Com urgência. A “live” tornava-se um laboratório para a construção do discurso que será apresentado durante a campanha eleitoral.

É um desafio considerável. Até fevereiro, a quantidade de eleitores com 16 a 24 anos aptos a votar chegava a 19,3 milhões. Um número que ainda pode aumentar.

Armando Castelar Pinheiro*: Uma nova ordem econômica mundial?

Valor Econômico

A busca da eficiência perde peso na definição da política econômica, em prol de objetivos considerados estratégicos

Este começo de década não tem sido fácil. Primeiro, a pandemia da covid-19, que já ceifou seis milhões de vidas no mundo, sendo 655 mil no Brasil. Agora, essa terrível guerra na Ucrânia, que já custou alguns milhares de vidas, sendo pelo menos 600 civis, além de grande destruição e sofrimento humano.

É uma estranha coincidência que, há um século, a humanidade passou por um par de crises semelhantes, com a Gripe Espanhola e a I Grande Guerra. Essas crises deslancharam uma progressiva, mas grande mudança na maioria dos países, que levou a políticas econômicas bem menos liberais. O caso mais extremo foi o dos países comunistas, em especial dos que formaram a União Soviética, mas houve em toda parte mais intervenção do Estado na economia, seja via empresas estatais, seja via mais e mais intrusivas regulações.

Será que viveremos algo semelhante também neste século? Minha visão é que sim. Que já está em curso uma nova e significativa mudança na ordem econômica mundial, que ganhará contornos mais claros nos próximos anos. Penso que três forças principais têm empurrado essa mudança.

Uma é a utilização de instrumentos de política econômica como “armas” com fins geopolíticos. Isso vem de algum tempo, com a imposição de sanções econômicas diversas a países, e seus governantes, que desrespeitam políticas estabelecidas pelos governos das nações com maior poderio econômico e, em geral, militar, que são desenhadas de forma a pressionar governos e empresas de outros países a também a elas aderir. Um exemplo são as sanções econômicas impostas ao Irã.

Roberto DaMatta*: Amor e guerra

O Estado de S. Paulo.

Como só nós, humanos, temos guerra, então ela deve morar em algum lugar da nossa (in)consciência

O amor é amplo e claro como a luz do dia. A guerra é o oposto. Ela é nublada e sofre com sua própria nebulosidade, que cega o agressor e o agredido. No entanto, somente nós, humanos, temos guerras de modo que ela deve morar em algum lugar do nosso coração, da nossa alma e da nossa (in)consciência.

Encontramos o par Amor & Guerra logo que tomamos consciência do mundo e, com ela, da vida. A vida tem perfumes e podridão. Tem bondade e maldade. A vida, com seu curso sempre surpreendente, é, por isso mesmo, “vida”: novidade, mudança, repressão, surpresa – aquilo que acontece fora de nós ou que, ao contrário, fazemos de “caso pensado” – de modo cuidadosamente planificado, como nas seduções. Aliás, como disse o dramaturgo inglês do século 16 John Lyly: “All is fair in love and war” (tudo é válido no amor e na guerra).

Não é, pois, por acaso que, no Brasil, damos “cantadas” e mandamos flores para as pessoas que desejamos. Cantar é harmonizar escrita e melodia, o que não é fácil de executar e muito mais difícil de inventar.

Luiz Carlos Azedo: Envolvimento de Lula na Lava-Jato virou calúnia

Correio Braziliense

Ex-chefe da Operação, Dallagnol foi condenado pelo STJ a indenizar o ex-presidente por danos morais, avaliados em R$ 75 mil, mais juros e correção monetária, o que deve superar os R$ 100 mil

Para nove em cada 10 marqueteiros, as pesquisas de opinião estão mostrando que a disputa eleitoral entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera os levantamentos, e o presidente Jair Bolsonaro, em recuperação, tende a se decidir no confronto de rejeições. É aí que a decisão de ontem, por 4 a 1, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), contra o ex-procurador federal Deltan Dallagnol, pode transformar a Lava-Jato num ativo da campanha de Lula contra seus desafetos, justamente o tema que é a sua maior vulnerabilidade para manter uma rejeição menor do que a de Bolsonaro.

O ex-chefe da Operação Lava-Jato foi condenado a indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por danos morais, avaliados em R$ 75 mil, mais juros e correção monetária, o que deve superar os R$ 100 mil, conforme o relatório do ministro Luís Felipe Salomão. A razão do pedido de indenização foi a entrevista coletiva da Lava-Jato na qual o Ministério Público acusou o petista de corrupção e lavagem de dinheiro, no famoso caso do tríplex de Guarujá (SP). Lula chegou a ser condenado pelo então juiz federal Sergio Moro, porém a sentença foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Votaram a favor da indenização os ministros Raul Araújo, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. A ministra Maria Isabel Gallotti divergiu dos colegas.

Elio Gaspari: Bolsonaro precisa de Lula

O Globo

O capitão depende dos erros dos comissários

Há um novo Bolsonaro na praça. É muito parecido com os anteriores, mas tem a marca do candidato. Abandonou algumas causas perdidas, parou de falar das vacinas e esqueceu a cloroquina. Tenta se dissociar do aumento dos combustíveis: “Vilões são a roubalheira na Petrobras e o ICMS”.

A falta de fôlego dos candidatos da terceira via levam-no para a desejada polarização Bolsonaro x Lula. Há quatro anos, o comissariado petista achava que Bolsonaro seria o candidato mais fácil de derrotar. Deu no que deu.

Apresentar Lula como uma ameaça às instituições democráticas é uma carta amarelada. Ele governou o país por oito anos sem ofendê-las. Ameaças houve, aqui e ali, sem a ênfase e a insistência das investidas de Bolsonaro.

As campanhas eleitorais têm suas dinâmicas próprias. Se caixas, tempo de televisão e as costuras dos primeiros meses do ano decidissem a parada, o Brasil estaria sendo governado por Geraldo Alckmin. Cada candidato precisa dos erros do outro, e nem sempre os erros são percebidos como tais.

Em janeiro, o deputado Rui Falcão, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, quadro que passou pelo poder sem se lambuzar, disse ao repórter Ranier Bragon que a campanha, por “aguerrida”, precisaria da “construção de comitês de defesa da eleição do Lula que permaneçam depois como comitês de apoio do programa de transformação”.

Vera Magalhães: Farda e Bíblia como currículo

O Globo

O governo Jair Bolsonaro avança em seu último ano reiterando vícios de origem que foram vendidos na campanha e comprados nas urnas como se virtudes fossem. Nesta semana, dois deles ganharam as manchetes: a contaminação política das Forças Armadas e a disseminação do lobby evangélico para abrir portas e lotear recursos públicos nos ministérios.

Em nenhum desses casos, se pode acusar Bolsonaro de ter escondido o jogo para se eleger. Ele escolheu um general como seu vice em 2018 e afirmou com todas as letras que militares ocupariam vários postos em sua gestão. Também deixou claro que a aproximação com os evangélicos era um projeto político, usando um moralismo reacionário chamado falsamente de conservadorismo como justificativa.

Essas duas frentes seguem como pilares importantes do projeto reeleitoral. A antecipação de que o ministro da Defesa, general Braga Netto, será o vice no lugar de Hamilton Mourão é o ápice de um movimento de infiltração de ideias, práticas e projetos políticos no papel das Forças Armadas determinado pela Constituição.

Bernardo Mello Franco: O fundamentalismo de resultados

O Globo

Há duas semanas, Jair Bolsonaro abriu o Palácio da Alvorada para um grupo de líderes evangélicos. A conversa tratou pouco de fé e muito de política. Em busca de apoio à reeleição, o presidente prometeu submeter suas decisões à vontade dos pastores. “Eu dirijo a nação para o lado que os senhores assim desejarem”, afirmou.

O escândalo no MEC mostra que o compromisso não se limita às chamadas pautas conservadoras. Também inclui o acesso privilegiado aos cofres públicos. Em gravação revelada pela Folha de S.Paulo, o ministro da Educação descreveu o funcionamento de uma rede de tráfico de influência. Disse ter ordens para direcionar verbas a “amigos do pastor Gilmar”.

No áudio, Milton Ribeiro contou ter recebido um “pedido especial” de Bolsonaro. O ministro é pastor presbiteriano e assumiu o cargo com a bênção da bancada da Bíblia, que agora finge desconhecê-lo.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Nem a Vale apoia PL da mineração em terra indígena

O Globo

Convém ao Congresso prestar atenção à manifestação da Vale a respeito do PL 191, que tenta regulamentar a exploração mineral em terras indígenas. A maior mineradora do país, em tese uma das principais interessadas na ampliação de seus negócios de extração de minério, revelou à colunista do GLOBO Míriam Leitão ser contra o projeto e afirmou que a mineração nessas terras só poderia ser realizada mediante consentimento, com apoio num “marco regulatório que contemple a participação e autonomia dos povos indígenas”. Embora tenham evitado manifestações públicas, outras grandes mineradoras também se dizem contrárias à aprovação.

Só esse fato já justificaria um exame mais cauteloso do texto que tramita na Câmara em regime de urgência. Em vez disso, tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), têm procurado dar celeridade à aprovação, sob o pretexto de que, como a guerra na Ucrânia pôs em risco o fornecimento de fertilizantes ao Brasil, é necessário ao país garantir autossuficiência nos minerais necessários a produzi-los.

Poesia | Carlos Pena Filho: A palavra

Navegador de bruma e de incerteza,
Humilde me convoco e visto audácia
E te procuro em mares de silêncio
Onde, precisa e límpida, resides.

Frágil, sempre me perco, pois retenho
Em minhas mãos desconcertados rumos
E vagos instrumentos de procura
Que, de longínquos, pouco me auxiliam.

Por ver que és claridade e superfície,
Desprendo-me do ouro do meu sangue
E da ferrugem simples dos meus ossos,
E te aguardo com loucos estandartes
Coloridos por festas e batalhas.

Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
E a precisão astuta dos meus olhos
E fabrico estas rosas de alumínio
Que, por serem metal, negam-se flores
Mas, por não serem rosas, são mais belas
Por conta do artifício que as inventa.

Às vezes permaneces insolúvel
Além da chuva que reveste o tempo
E que alimenta o musgo das paredes
Onde, serena e lúcida, te inscreves.

Inútil procurar-te neste instante,
Pois muito mais que um peixe és arredia
Em cardumes escapas pelos dedos
Deixando apenas uma promessa leve
De que a manhã não tarda e que na vida
Vale mais o sabor de reconquista.

Então, te vejo como sempre foste,
Além de peixe e mais que saltimbanco,
Forma imprecisa que ninguém distingue
Mas que a tudo resiste e se apresenta
Tanto mais pura quanto mais esquiva.

De longe, olho teu sonho inusitado
E dividido em faces, mais te cerco
E se não te domino então contemplo
Teus pés de visgo, tua vogal de espuma,
E sei que és mais que astúcia e movimento,
Aérea estátua de silêncio e bruma