segunda-feira, 23 de maio de 2022

Fernando Gabeira: Massacre em Buffalo é alerta para o Brasil

O Globo

O massacre em Buffalo, em que um jovem atirador atingiu 13 pessoas e matou dez, não é uma tragédia isolada no tempo. Pelo contrário, é sintoma de algo muito grave, que nos atinge a todos, inclusive brasileiros.

A teoria conspiratória que inspirou o jovem assassino é muito divulgada nos EUA. É a teoria da grande substituição (great replacement), segundo a qual os imigrantes são estimulados pelos liberais a ocupar o país e a formar uma nova maioria. Como consequência, os nativos brancos perderiam para sempre seu poder de decisão sobre os rumos nacionais.

A teoria conspiratória joga com o medo. Não é exclusivamente americana, uma vez que o medo é também o combustível da extrema direita europeia. Na verdade, a teoria da substituição foi lançada na França pelo escritor Renaud Camus, que tem o mesmo sobrenome do grande Albert Camus.

A extrema direita em vários países, inclusive nos EUA, adotou sua tese da grande substituição e a divulga livremente, no caso americano até em programas de grande audiência na Fox.

Esse medo doentio coloca em perigo todos os imigrantes tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Inclusive os brasileiros. Somos mais de 4 milhões vivendo no exterior, a maioria nos Estados Unidos.

Miguel de Almeida: A terceira via e o voto útil

O Globo

O Brasil é um país tão estranho que, de repente, por uma conjunção de desgraças, a situação leva a concordar com Aécio Neves. Seu partido, o PSDB, aquele que montou o maior programa social brasileiro — liquidou a inflação em 1995 —, realizou prévias para escolher seu candidato à Presidência. Deu João Doria, num universo de milhares de filiados.

Como acusa o deputado mineiro, o presidente do partido, Bruno Araújo, pretende dar um golpe e colocar o PSDB a reboque do MDB, matando a candidatura Doria para apoiar a senadora Simone Tebet. É óbvio que é golpe, Aécio. Se eu fosse filiado ao partido, tendo votado (preferiria Tasso Jeiressati), não ficaria feliz em animar a palhaçada armada pelo Araújo.

Toc-toc, é a mesma toada do Bozo em relação às urnas eletrônicas — se perder, elas foram fraudadas. Embora esse infeliz seja presidente depois de eleito no mesmo sistema. Bruno Araújo e simpatizantes levam o PSDB a dar mau exemplo, de puxadores de tapete, à Bozo.

Marcus André Melo*: Antipetismo

Folha de S. Paulo

A polarização converte a oposição de governo potencial em ameaça existencial

Em coluna nesta Folha ("Polarização à brasileira, Política), Demétrio Magnoli aponta uma contradição na minha afirmação de que a hiperfragmentação e o baixíssimo partidarismo político no Brasil têm criado um partidarismo negativo assimétrico (envolvendo apenas o PT). Argumenta que "no Brasil, polarização é termo ilusório: uma forma de descrever (e ocultar) a dinâmica do antipetismo".

Acredito que a incompreensão se deva à ideia de partidarismo assimétrico. A evidência é clara: 83% dos entrevistados no Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb) 2018 não tinham preferência por um partido. O escasso partidarismo vem de longe: Loewenstein, autor de "Hitler's Germany" (1939) e "Brazil under Vargas" (1942), negava que o Estado Novo fosse nazista ou fascista, pois Vargas não contava com um partido.

A polarização atual envolve o bolsonarismo, que não é um partido. Bolsonaro "alugou" um micropartido para se eleger e permaneceu, de 2019 a 2021, sem afiliação. Como falar de partidarismo negativo no seu caso? Lula é muito mais que o petismo, mas o PT é o único partido com alguma identificação partidária no eleitorado (embora, devido à hiperfragmentação, detenha meros 11% das cadeiras na Câmara). No bolsonarismo inexiste ancoragem partidária.

Celso Rocha de Barros: Bolsonaro acha que vai perder

Folha de S. Paulo

Por isso já anuncia seu golpe, correndo risco de que sua profecia se autorrealize

Jair Bolsonaro tem um palpite sobre o resultado da eleição presidencial deste ano. Ele acha que vai perder.

Se não achasse, não estaria anunciado o golpe desde já.

Não seria melhor, para um golpista, ser reeleito legitimamente e, só então, iniciar a ofensiva contra as instituições? Essa tem sido a regra entre os novos autoritários. Enquanto dá para vencer dentro das regras, eles fazem barulho, mas se mantêm na institucionalidade. É quando começam a perder que começam a radicalizar.

Vejam a virada que fez Chávez depois de perder o plebiscito de 2007, por exemplo; ou a invasão do Capitólio pela turma de Trump, que só passou a fazer sentido quando ficou claro que Trump perderia.

Jair não tem, naturalmente, certeza de que vai perder. Como já escreveu mestre Janio de Freitas, pode estar tentando um golpe agora para se precaver de ter que tentá-lo já derrotado pelas urnas.

Mesmo nesse caso, entretanto, a dúvida é suficiente para que Jair antecipe o projeto e gaste com ele meses que seriam preciosos se a prioridade fosse fazer uma campanha eleitoral normal.

É arriscadíssimo sinalizar para seus aliados nos estados que você acha que vai perder. O número de candidatos a governador bolsonaristas tentando estabelecer tréguas com Lula certamente não é um bom sinal para o Planalto.

Mathias Alencastro*: Musk e a Internacional Golpista

Folha de S. Paulo

Uma tentativa de golpe não precisa derrubar o regime para cumprir sua missão, como republicano ensinou nos EUA

O tão propalado encontro de Jair Bolsonaro e Elon Musk poderia ser só mais um episódio de comunicação política rasteira, realizado para inundar os jornais com factoides em plena crise institucional e humanitária no Brasil, mas é muito mais do que isso.

Ele torna irreversível a ruptura de relações do governo brasileiro com o americano. Afinal, Bolsonaro elevou a "mito da liberdade" o indivíduo que pretende comprar a rede social mais influente do mundo para reabilitar Donald Trump às vésperas das chamadas midterm, eleições de meio de mandato.

Confirmando a ideia de que o convite a Musk é, antes de tudo, um novo aceno à extrema direita global, o senador Flávio Bolsonaro reiterou a acusação de fraude nas eleições americanas em entrevista bélica no meio da semana. Cabe lembrar que o ataque às instituições é uma linha vermelha para o governo Biden apenas equiparável ao apoio ao terrorismo internacional.

O Brasil, portanto, se encontra em uma situação histórica em que seu presidente se prepara para golpear a democracia sem o respaldo da superpotência. Não há palavras publicáveis para descrever o sentimento de dirigentes europeus em relação a Bolsonaro e seus ministros. A mensagem do Atlântico Norte é cristalina: na era das supersanções, a violação da ordem democrática significaria o banimento de Brasília do sistema financeiro.

Felipe Moura Brasil: Bolsonaro inflou o Centrão

O Estado de S. Paulo.

Parlamentares ganham apoio local com compra de equipamentos sob suspeita de sobrepreço

Inflar preços de equipamentos essenciais para a população, como tratores, ônibus escolares e caminhões de lixo, é uma forma perversa de desviar dinheiro dos pagadores de impostos, sob a falsa aparência de compromisso com o bem-estar da sociedade.

Governo, senadores e deputados ganham apoio local com a propaganda das entregas para prefeitos, enquanto escoam por empresas suspeitas a diferença entre o preço inflado pago pelo poder público e o valor de tabela de cada unidade comprada – ou da que deveria ter sido comprada em lugar da que acabou sendo.

O Estadão tem apontado indícios de superfaturamento, fantasmas e laranjas nessas negociatas federais. Caberia ao Ministério Público denunciar eventuais corruptos, verificando ainda se o dinheiro escoado vai parar em seus bolsos e campanhas.

A reportagem sobre caminhões comprados pelo governo Bolsonaro para atender sua base no Congresso – escândalo batizado nas redes sociais de “bolsolixo” – “identificou pagamentos inflados de R$ 109 milhões”. “A diferença dos preços de compra de modelos idênticos, em alguns casos, chegou a 30%. Em outubro passado, por exemplo, o governo adquiriu um modelo de caminhão por R$ 391 mil. Menos de um mês depois, aceitou pagar R$ 505 mil pelo mesmo veículo. Há casos também em que o governo recebeu veículos menores do que o comprado sem reaver a diferença de preço.”

Denis Lerrer Rosenfield*: Qual democracia?

O Estado de S. Paulo.

Antes que Lula apresente na eleição suas credenciais democráticas, seria importante esclarecer algumas de suas posições históricas

O movimento de radicalização do presidente Bolsonaro, em posição de extrema direita, em guerra contra as instituições democráticas, terminou abrindo espaço para que Lula se coloque no centro do espectro político, como se fosse ele o defensor da democracia. Não foi essa historicamente sua posição, salvo em momentos cruciais de pragmatismo econômico e político, nem tampouco a posição do PT, sempre propenso a criticar a democracia burguesa, os capitalistas, os latifundiários e assim por diante.

A campanha lulista atual, em seus novos vídeos – aliás, muito bem feitos –, transmite a mensagem de conciliação, abraço, solidariedade e defesa das liberdades, quando nada disso fazia parte da narrativa de seu partido e de seu discurso. Este, ao contrário, caracterizava-se pela oposição, de cunho autoritário, entre amigos e inimigos, os ditos “progressistas” contra os “conservadores”, os “companheiros” contra os “burgueses”, os “sem-terra” contra os “latifundiários”. A propriedade privada, sobretudo no meio rural, foi liminarmente desconsiderada, um outro inimigo a ser destruído. Hordas armadas de armas brancas e, às vezes, de fogo, em táticas bem definidas, infernizavam os agricultores brasileiros. Em qual Lula acreditar? Aquele que defende verdadeiramente a democracia ou aquele que dela se utiliza para miná-la? Não caberia, aqui, ao menos um esclarecimento?

Bruno Carazza*: A PEC da falta de noção

Valor Econômico

Pagamento de quinquênios é mais um escárnio para o cidadão

Na história brasileira, os avanços são conquistados a duras penas, enquanto os retrocessos são aprovados em movimentos sorrateiros. Desde a Constituição de 1988 lutamos para moralizar os supersalários de algumas categorias da elite do funcionalismo público, estabelecendo um teto e tentando extinguir penduricalhos como o auxílio-moradia. Mas o lobby das corporações, especialmente da magistratura e do Ministério Público, é incansável.

A nova artimanha de juízes, procuradores e promotores para burlar o teto salarial aplicável a todos os servidores do país (hoje em R$ 39.293,32) é a criação da chamada “parcela indenizatória de valorização por tempo na Magistratura e Ministério Público”. Prevista na Proposta de Emenda à Constituição nº 63/2013, a medida ressuscita o chamado “quinquênio”, um adicional de 5% a ser pago a cada cinco anos de serviço, benesse que foi abolida no âmbito do Executivo federal na reforma administrativa de FHC em 1998 e, no Judiciário e MP, com a reforma do Judiciário de Lula em 2005.

No texto da Justificativa à PEC 63/2013, bem como nas notas oficiais publicadas por suas entidades de classe, juízes e membros do Ministério Público argumentam que seu ofício precisa ser valorizado. Concordo plenamente - assim como devemos valorizar professores da rede pública, médicos e enfermeiros do SUS, fiscais do Ibama e tantos outros cargos públicos que prestam serviços tão essenciais para o país quanto o provimento da Justiça.

Alex Ribeiro: BC prevê solução fiscal só depois das eleições

Valor Econômico

Dados de curto prazo melhoraram, mas risco persiste

O Banco Central deu uma boa suavizada, recentemente, nas suas preocupações sobre os riscos fiscais, o que permitiu conter o grau de aperto monetário nessa reta final do ciclo de alta de juros. Ainda assim, as contas públicas seguem como uma das principais incertezas que podem atrapalhar o trabalho de recolocar a inflação na meta.

Num evento da Câmara Espanhola, o diretor de política monetária do Banco Central, Bruno Serra Fernandes, disse que o teto de gastos “virou a Geni” e que só deverá haver uma direção clara sobre o arcabouço fiscal de longo prazo depois das eleições. “A solução é política, que é muito difícil de ter agora”, afirmou. “Acho que a gente vai ter clareza no pós-novembro.”

As preocupações fiscais, junto com a incerteza sobre o aperto monetário em curso no Estados Unidos, são uma das razões que levam uma boa parte do mercado a esperar que a taxa de câmbio termine esse ano em um nível mais alto do que essa faixa ao redor de R$ 5,00 das últimas semanas.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Receita perigosa

Folha de S. Paulo

Mesmo com ganhos de arrecadação, governo põe em risco qualidade do Orçamento

A situação das contas públicas continua a surpreender positivamente neste ano, graças ao impacto da inflação e da atividade econômica nas receitas. O fenômeno, entretanto, é conjuntural e não pode obscurecer os riscos de longo prazo, que são crescentes.

No relatório bimestral de avaliação do Orçamento, documento que atualiza as projeções para o ano, o governo federal calcula que terá déficit menor em 2022 —a estimativa do saldo negativo, sem incluir despesas com juros, passou de R$ 66,9 bilhões para R$ 65,5 bilhões.

Os novos parâmetros incluem R$ 49,1 bilhões a mais de arrecadação ante a avaliação anterior, chegando a um total de R$ 1,72 trilhão, já deduzidas as transferências a estados e municípios. Em relação à lei orçamentária aprovada no ano passado, a alta na coleta de impostos já atinge R$ 136,6 bilhões.

Os gastos também foram revistos, com acréscimo de R$ 34,9 bilhões, e deverão atingir R$ 1,63 trilhão. Na conta estão mais desembolsos com precatórios e subsídios agrícolas, além do encontro de contas com a Prefeitura de São Paulo relativo à concessão do aeroporto Campo de Marte.