A religião não faz o homem, mas, ao
contrário, o homem faz a religião: este é o fundamento da crítica irreligiosa.
A religião é a autoconsciência e o autosentimento do homem que ainda não se
encontrou ou que já se perdeu. Mas o homem não é um ser abstrato, isolado do
mundo. O homem é o mundo dos homens, o Estado, a sociedade. Este Estado, esta
sociedade, engendram a religião, criam uma consciência invertida do mundo,
porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo,
seu compêndio enciclopédico, sua lógica popular, sua dignidade espiritualista,
seu entusiasmo, sua sanção moral, seu complemento solene, sua razão geral de
consolo e de justificação. É a realização fantástica da essência humana por que
a essência humana carece de realidade concreta. Por conseguinte, a luta contra
a religião é, indiretamente, a luta contra aquele mundo que tem na religião seu
aroma espiritual.
A miséria religiosa é, de um lado, a
expressão da miséria real e, de outro, o protesto contra ela. A religião é o
soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de
uma situação carente de espirito. É o ópio do povo.
A crítica arrancou as flores imaginárias
que enfeitavam os grilhões, não para que o homem o suporte sem fantasia ou
consolo, mas para que lance fora os grilhões e a flor viva brote. A crítica da
religião liberta o homem da ilusão, de modo que este pense, atue e configure a sua
realidade como um homem que perdeu as ilusões e reconquistou a razão, a fim de que
ele gire em torno de si mesmo e, assim, em volta de seu verdadeiro sol. A
religião é apenas um sol ilusório que gira em torno do homem enquanto ele não circula
em torno de si mesmo.”
*Karl Marx (1818-1883), “Critica da
filosofia do direito de Hegel – Introdução”. (1843) p. 145. Boitempo Editorial,
2005.