Folha de S. Paulo
Episódio do canibalismo e 'pintou um clima'
eram falas reais do candidato
Sei que, nos tempos conturbados em que
vivemos, o STF e
o TSE se
tornaram indispensáveis polos de resistência às investidas autoritárias
de Jair Bolsonaro e sua turma. Nessa missão, os togados
têm todo meu apoio. Mas gosto de imaginar que vivemos num ambiente adulto e
racional, no qual críticas ponderadas são vistas como uma contribuição, não um
ataque a pessoas ou a instituições.
Feito esse esclarecimento, penso que o TSE está cometendo erros em série nas decisões sobre o que constitui propaganda abusiva. A corte chegou ao ridículo de, na prática, censurar declarações de Bolsonaro para protegê-lo de si mesmo. Tanto no episódio do canibalismo como no do "pintou um clima" o que foi ao ar eram falas reais do candidato, sem adulteração ou cortes enviesados. Não acho que apetites antropofágicos e desejos pedófilos sejam as melhores interpretações para entender os dois casos, mas o ponto é que não cabe à corte tutelar interpretações. Poderia, no máximo, proscrever a falsificação de fatos incontestes e, mesmo aí, é preciso moderação, pois é difícil encontrar discursos de candidatos que não venham repletos de erros factuais. Se Bolsonaro deu declarações infelizes, é muito razoável que arque com as consequências.