sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Fernando Luiz Abrucio* - Reconstruir as política pública (1)

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O sucesso delas vincula-se cada vez mais à sua combinação com outras, e não à sua atuação isolada

Entre os especialistas, não há dúvida: o governo Bolsonaro destruiu as políticas públicas brasileiras. A PEC da Transição pode ter um papel importante para recompor gastos em saúde, educação, meio ambiente e outras áreas essenciais, mas a reconstrução vai muito além da ampliação das despesas. São muitos os desafios de governança e gestão, e pretendo tratar de alguns deles numa série de dois artigos. Neste primeiro, o tema é a necessidade de articular as políticas públicas, pois nenhuma sozinha resolve problemas complexos. Aproveitando o clima de Copa do Mundo, o exemplo que finaliza o texto é o da articulação da política educacional com o esporte.

As lógicas setoriais têm uma função central na provisão de bens e serviços à sociedade. Por isso, os ciclos do sistema de ensino são fundamentais para definir o público-alvo e a forma de desenvolvê-lo no campo da educação, do mesmo modo que os níveis de complexidade na saúde racionalizam o atendimento dos indivíduos. Sem uma boa organização interna de cada área governamental, é impossível garantir os direitos dos cidadãos. Só que a resolução de questões coletivas depende cada vez mais de formas de articulação entre as políticas, como revelam os estudos e as experiências internacionais e nacionais bem-sucedidas.

Três motivos gerais explicam a necessidade de articulação entre as políticas públicas. A primeira diz respeito à melhoria da eficiência do gasto público. É preciso cada vez mais otimizar os recursos públicos, fazendo mais com menos, visto que o orçamento sempre crescerá menos do que as demandas sociais. O exemplo da PEC da Transição ilustra bem isso, uma vez que se é fundamental garantir verbas estáveis para combater a pobreza, ela não será combatida apenas com mais dinheiro. O governo Bolsonaro ampliou os gastos com transferências de rendas, mesmo que inicialmente à revelia e depois por cálculos eleitorais, mas o contingente de pessoas que passam fome aumentou. Muitos vão dizer que faltou foco, o que é verdade, mas também faltou diálogo entre as políticas públicas.

Vera Magalhães - O futuro do bolsonarismo

O Globo

Quando mobilização das ruas arrefecer, permanência do movimento de extrema-direita dependerá do PL, da Justiça e dos aliados nos Estados

Qual o futuro do bolsonarismo? A questão, que será crucial para definir os próximos quatro anos e o ciclo eleitoral de 2026, compreende várias dimensões, e em nenhuma delas a resposta é simples.

Jair Bolsonaro se comporta, desde a derrota nas eleições, como se não fosse mais o presidente da República. A última vez em que falou ao público completa um mês neste sábado. Foi no vídeo em que, de camiseta à Volodymyr Zelensky, exortava os manifestantes a deixar as estradas.

Desde então, tem gastado o tempo com passagens esporádicas no Palácio do Planalto e postagens pretensamente enigmáticas nas redes, cujo efeito é apenas mostrar o fim melancólico de sua Presidência dois meses antes de acabar.

O tom cifrado sugere que haveria alguma bala na agulha para um golpe, isca com que pretende manter mobilizados os inocentes úteis que ainda se dispõem a tomar chuva em frente a quartéis.

O futuro do bolsonarismo enquanto movimento organizado de extrema direita depende de mais do que essa espuma. Pressupõe um partido que dê guarida a Bolsonaro e familiares e que os eleitos sob a sua liderança se mantenham leais a ele. Depende do desenrolar de ações na Justiça para aferir responsabilidades do futuro ex-presidente no curso do mandato e nos atos antidemocráticos e da forma como o próximo governo construirá a governabilidade.

Flávia Oliveira - Democracia em reconstrução

O Globo

A destruição é imensa. Há muito a recuperar, mas cada grupo social no Brasil estará atento às políticas. E aos políticos que as implementarão

A um mês do fim, o Brasil toma ciência do tamanho do desmonte por quatro anos de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Além da democracia, sob ameaça constante, as políticas públicas estão feridas de morte. Cada relato das equipes de transição evoca perplexidade, indignação, tristeza. Na Saúde, o Programa Nacional de Imunizações, uma joia brasileira, está em frangalhos. O país não conseguiu cumprir metas de vacinação dos bebês de até 1 aninho. Mais de 1 milhão de procedimentos hospitalares não foram realizados no SUS no triênio 2020-2022, segundo nota técnica dos pesquisadores do Monitora Covid-19. O grupo de Saúde estima em 1 bilhão o déficit de atendimentos, levando em conta outras atribuições, de consultas à distribuição de medicamentos.

Na Educação, o plano de aniquilar a autonomia financeira das universidades federais se estendeu até o apagar das luzes, com o vaivém recente de bloqueio no Orçamento. O número de jovens inscritos para o Enem despencou, há atraso de aprendizagem entre os miúdos. No Meio Ambiente, o capitão foi o único presidente a registrar três anos seguidos de aumento no desmatamento da Amazônia. Na temporada 2022, a queda de 11% sobre o período anterior esconde que 11.568 quilômetros quadrados de floresta tombaram, 53% acima do último ano de Michel Temer.

Reinaldo Azevedo -A volta da política cala Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Ignorando-se os limites da realidade, não se consegue nem tomar um Chicabon

Lula reinaugura a política em Brasília. Até agora tem sabido, para ficar na metafísica influente destes dias, como tocar e lançar a bola, a despeito da rabugice "Duzmercáduz" e de setores consideráveis da imprensa, que odeiam justamente a... política. "Rabugem", a propósito, é sinônimo de sarna. O rabugento está sempre se coçando, numa inquietude viciosa.

Jair Bolsonaro se queda em silêncio porque moralmente derrotado, incapaz de se apresentar a suas milícias com a conhecida altivez burra e truculenta. Faz soar, na sua quietude, o apito de cachorro para manter mobilizados os zumbis do golpismo, enquanto Eduardo, o filhote, vai à farra no Qatar levando consigo supostos "pen drives" sobre "a atual situação do Brasil"... Mas há mais do que o peso da derrota.

Aquele que, para todos os efeitos, ainda preside o país nada diz porque se vê cercado, de súbito, por um ambiente que lhe é absolutamente estranho e ao qual sempre se mostrou hostil: a negociação. Quando chegou à Presidência, tinha uma carreira de quase 30 anos como deputado federal, trilha profissional seguida pelos filhos. O clã havia encontrado um meio de ganhar a vida e de acumular um formidável patrimônio —parte em dinheiro vivo—, mas se dedicava a que causa pública mesmo?

Vinicius Sassine – Conivência e delírio

Folha de S. Paulo

Ocupação da porta de quartéis, com pedidos de intervenção, revela pouco apreço à democracia por militares

O general Achilles Furlan Neto aceitou que a fachada principal da entrada de seu comando, onde antes estavam visíveis as letras garrafais do Comando Militar da Amazônia, fosse tomada por lonas pretas e azuis, por caixas de isopor improvisadas como prateleiras e lotadas de suprimentos e por fogões industriais.

Uma ampla cozinha foi improvisada na calçada. Um reservatório de água garante o cozimento de alimentos. Um cano leva a água suja para a rua. Sacos com lixo são empilhados todos os dias, o que provoca mau cheiro. Mais fétidos são os dez banheiros químicos rentes à mureta da unidade militar, numa avenida movimentada de Manaus.

O comando, ao qual estão vinculados 20 mil militares, admitiu ainda 57 barracas, 20 carros estacionados na calçada, cones bloqueando uma faixa da avenida e a presença de manifestantes –com suas cadeiras de praia dispostas bem na frente da entrada principal– interditando o fluxo. Eles passam os dias entoando hinos militares e louvores.

Bruno Boghossian - Sempre cabe mais um?

Folha de S. Paulo

Apetite demonstrado por partidos dá corpo a disputa azeda que inclui o próprio PT

Depois que as peças mais sensíveis do futuro governo começaram a se encaixar, uma disputa azeda ganhou corpo entre aliados de Lula. Mesmo com a provável expansão da Esplanada dos Ministérios para além de 30 pastas, o excesso de candidatos aos cargos mais vistosos alimentam um mal-estar dentro e fora do PT.

A partilha de ministérios ficou mais apertada nesta semana com o apetite demonstrado por novos aliados. Lula conversou com grandes partidos e deixou o balcão aberto para que cada sigla indique ao menos dois nomes para o primeiro escalão.

Hélio Schwartsman - Os sapos da política

Folha de S. Paulo

Lira foi primeiro a se dar bem na gestão Lula

Nenhum analista pé no chão esperava ver um governo Lula sem o centrão. O papel desse grupo ideologicamente amorfo de parlamentares que apoia qualquer dirigente que lhes conceda cargos e verbas se tornou tão central na manutenção de coalizões estáveis que seus representantes já não hesitam nem em apostar em candidatos presidenciais com pouca chance de vitória, pois sabem que, ao fim e ao cabo, serão chamados a apoiar a administração de quem quer que seja eleito.

Ainda assim, impressiona a rapidez com que Lula compôs com Arthur Lira (PP-AL). Antes mesmo de o petista anunciar seu primeiro nome para o ministério, Lira já arrancou da próxima gestão apoio para manter-se na presidência da Câmara, lugar privilegiado do qual exercerá enorme influência na administração. O feito é ainda mais notável porque, até poucas semanas atrás, um Lula, ainda candidato, qualificava o orçamento secreto, a grande obra de Lira, como crime e usurpação de poder.

Ruy Castro - Provocação e prova

Folha de S. Paulo

Se Roda Viva não for de Chico Buarque, de quem seria?

Eduardo 03 Bolsonaro usou numa postagem uma canção de Chico Buarque, "Roda Viva", sem pedir autorização ao autor. 03 detesta Chico Buarque por tudo que ele representa na cultura e deve odiar "Roda Viva", um hino contra a ditadura que 03 defende. Donde seu uso de "Roda Viva" foi uma provocação. Fez isto para afrontar Chico Buarque e obrigá-lo a um processo. O processo aconteceu. E, surpreendentemente, uma juíza está dando ganho de causa a 03 por Chico Buarque "não poder provar sua autoria de ‘Roda Viva’".

"Roda Viva" foi título e tema de uma peça de teatro de Chico Buarque que estreou no dia 15 de janeiro de 1968, no Teatro Princesa Isabel, em Copacabana, no Rio. Eu morava então no Solar da Fossa, vizinho do teatro. Minha colega do Correio da Manhã, Germana de Lamare, era amiga de José Celso Martinez Correa, diretor do espetáculo. Todo fim de tarde, naquele verão de 1967/68, ele me apanhava no Solar e íamos ver os ensaios de "Roda Viva".

Vinicius Torres Freire - A bola do PIB está com Lula 3

Folha de S. Paulo

Economia está esfriando, mas ainda há tempo de fazer retomada mais rápida em 2023

PIB começou a andar mais devagar no terceiro trimestre, que é quase passado remoto, quando se pensa nas reviravoltas da economia brasileira. Cresceu 0,4% ante o segundo trimestre e deve ficar estagnado neste final de ano.

O chute informado, embora frequentemente muito errado, é de crescimento de 1% em 2023, nos casos otimistas. Em termos de renda (PIB) per capita, por pessoa, seria praticamente estagnação.

Os dados mais recentes sobre o trabalho são do trimestre de agosto a outubro, quase nada mais recentes. O aumento do número de pessoas ocupadas também desacelera. Mas ainda cresce ao ritmo muito bom de 6% ao ano, mais de 5,7 milhões a mais de pessoas empregadas. Ainda menor que em 2019 ou 2018, o salário médio cresce acima da inflação desde setembro, pelo menos.

José de Souza Martins* - Tom Zé na Academia

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Ele é a expressão da consciência de uma sociedade que teima em fazer dos simples o muito menos para que ela possa ser o demasiado de alguns em troca da ilusão do consumismo falsamente abundante

“Bença, mãe!” O clamor de Tom Zé cortou como fio de navalha o silêncio emocionado e litúrgico do auditório da Academia Paulista de Letras para retornar sobre a pele arrepiada dos presentes, em tempo de reencontrar o refrão que saía da boca solene do poeta: “Bença, mãe/ Deus te faça feliz/Minha menina Jesus/E te leve pra casa em paz”.

Eleito sucessor de Jô Soares na Cadeira 33 da Academia, Tom Zé tomava posse. Foi seu paraninfo o maestro Júlio Medaglia, que contou sua história de simplicidade e de grandeza, desde Irará, no interior da Bahia. Teve refinada educação musical na Universidade Federal daquele estado, um músico popular de formação erudita. Até chegar ao mundo que São Paulo julga ser.

Em 1968, sua “São São Paulo” ficou em primeiro lugar no Festival de Música Popular daquele ano. O mais significativo retrato musical e poético da cidade, o mais verdadeiro, dentre tantas composições que a tem cantado há mais de um século.

Nessa obra, Tom Zé expõe as raízes de sua criatividade e originalidade. A poesia não se separa da música. Nem é linear. A duplicidade dialética dos antagonismos e contradições que a caracteriza tem muitas raízes, na diversidade das determinações, o todo perdido da busca na trama de uma realidade despedaçada.

Tom Zé é um filósofo do vivido, no sentido que lhe dá Henri Lefebvre, o maior dialético do século XX, que foi um pensador da tríade de contradições da modernidade, do percebido, do vivido e do concebido, que sintetiza o desafio do desencontro e da busca.

César Felício - Regulamentação do lobby chega no meio do caminho

Valor Econômico

Projeto, se aprovado no Senado, pode ser uma lei de transição

Processo que começou no Congresso há nada menos que 38 anos, a regulamentação do lobby no Brasil avançou na Câmara dos Deputados nesta semana com a aprovação do parecer do deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), mas nada garante que o marco legal em relação a este tema esteja próximo.

O projeto aprovado pelos deputados, que funde uma proposta do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) apresentada em 2007 com outra de autoria do governo federal, passou por votação simbólica, com a solitária oposição do Psol, mas não há acordo com o Senado para que a proposição seja votada sem modificações.

Mesmo defensores da matéria reconhecem que o texto em discussão tem limitações. Carolina Venuto, presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig), ou seja, o lobby em relação ao lobby, concorda que estamos diante de uma “legislação de transição”. Muda-se agora para mudar de novo mais adiante.

Eliane Cantanhêde – EUA, Brasil e Haiti

O Estado de S. Paulo

Consenso: o Haiti precisa de apoio internacional intenso, não de tropa policial de choque

possível encontro de Luiz Inácio Lula da Silva com Joe Biden, ainda em dezembro, será mais uma confirmação do quanto o Brasil está voltando ao cenário internacional e o quanto as relações do País com a maior potência mundial vão esquentar. Mas nem tudo o que reluz é ouro e nem tudo o que interessa ao Brasil convém aos Estados Unidos, e vice-versa.

Há muito em comum entre Lula e Biden em ambiente, direitos humanos, gênero, igualdade racial e justiça social. E há muitos programas de cooperação que atravessam governos e ideologias, nas áreas de saúde, defesa e segurança, por exemplo. Porém, pelo menos uma proposta americana não agradar ao Brasil. Aliás, nem ao governo que entra nem ao que sai.

Luiz Carlos Azedo - Como apartar os militares da política?

Correio Braziliense

Bolsonaro estimula protestos de extrema direita à porta dos quartéis; constrange os comandantes militares, que sabem de seu dever de defender a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas e a Constituição

Ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública, ex-relator na Câmara do projeto de Política Nacional de Defesa, Raul Jungmann sempre se queixou do fato de que nem o Congresso nem a chamada sociedade civil deram muita importância à questão militar. Esse assunto era tratado pelos políticos como resolvido, até o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, escalar o seu ativismo no Twitter e pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a negar o pedido de habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi impedido de disputar as eleições de 2018, para as quais era o franco favorito.

O resultado foram quatro anos de “pesadelo”, como definiu o compositor Chico Buarque de Holanda, no seu show de terça-feira passada, em Brasília. Desde que a eleição do presidente Jair Bolsonaro trouxe os militares de volta ao poder, o fantasma do golpe de Estado, e não do comunismo, passou a rondar a Praça dos Três Poderes. Derrotado nas urnas, Bolsonaro não reconhece a vitória de Lula e estimula protestos de extrema direita à porta dos quartéis; constrange os comandantes militares, que sabem de seu dever de defender a hierarquia e a disciplina nas Forças Armadas e respeitar a Constituição.

Claudia Safatle - Lula terá que conviver com orçamento ‘secreto’

Valor Econômico

Só se fala em furar o teto; ninguém leva a sério o corte de gastos

Em troca da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, os partidos que estão apoiando o governo eleito estão negociando ministérios, mas dificilmente abrirão mão do orçamento “secreto”. O que se pode é tentar negociar mais transparência no processo de liberação das emendas, mas essa é uma realidade que já faz parte do “modus operandi” partidário desse Congresso. O ideal seria buscar um acerto com o novo Parlamento, que assume em fevereiro, mas o ideal nem sempre é o possível. A dotação orçamentária para o orçamento “secreto” é de R$ 19 bilhões para o próximo ano.

O caminho que está se traçando no Congresso é dar uma folga orçamentária por dois anos para o governo eleito, até que se construa um novo regime fiscal para o país para substituir o teto do gasto que, aos trancos e barrancos, vigorou de 2016 para cá. Já em relação ao valor, se ficarão fora do teto cerca de R$ 200 bilhões ou menos, isso será decidido pelo Senado e a Câmara sancionará o que vier de lá. A tendência, porém, é reduzir um pouco esse valor.

Fabio Giambiagi - Um teto de R$ 2 trilhões

O Globo

Definir uma boa regra de gastos deveria ser o requisito mais importante para o governo Lula ser bem-sucedido. É preciso ser muito cuidadoso

Tratei do tema do teto de gastos no conjunto de 15 artigos que escrevi com sugestões para o novo governo. A importância do tema, o fato de estarmos perto de 2023 e a necessidade de tomar decisões acerca da questão fiscal me induzem a retomar o assunto.

A regra vigente, na prática, tinha caducado. Como mostramos com Manoel Pires no texto para discussão (TD) número 2, “Perspectivas fiscais para a década: dilemas e escolhas”, publicado no site do Ibre/FGV, ela implicaria contrair as despesas discricionárias dramaticamente no próximo governo. Isso seria inviável.

A questão é como mudar a regra do teto, mas preservando a noção de limites à expansão do gasto. A situação se assemelha à de uma pessoa precisando emagrecer e que prometera à família que faria um regime para perder 30 quilos em seis meses. No terceiro mês, o objetivo se revela impossível.

Pedro Doria - Vamos copiar as leis digitais da Europa

O Globo

Regular as grandes plataformas não é trivial, os europeus passaram três anos estudando o problema

A equipe de transição para o futuro governo Lula já tem uma ideia do que fazer com as grandes plataformas digitais. O time escalado para discutir o assunto é inadequado — o ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo e seu então secretário executivo, César Alvarez, o ex-deputado federal Jorge Bittar e a única pessoa que tem real experiência trabalhando com redes sociais, a economista Alessandra Orofino. Ainda assim, a ideia do grupo é boa: copiar a nova legislação europeia para o tema.

O PT é velho. Ou melhor: quem tem real poder, dentro do Partido dos Trabalhadores, é velho. O novo presidente não usa cotidianamente um smartphone. Muitos no comando da transição têm apenas um tico mais de experiência com tecnologia. E não adianta. Para começar a entender como a comunicação mudou radicalmente, só tem um jeito. Abrir o WhatsApp algumas vezes por hora, estar no Twitter todo dia, deslizar o dedo pelo Instagram, frequentar o YouTube para assistir a vídeos a ponto de o algoritmo já saber o que lhe recomendar, passear pelo Face, ter um TikTok. Tem de ser hábito.

Bernardo Mello Franco - Gaiola de Ouro 2.0

O Globo

Câmara quer gastar R$ 150 milhões para comprar edifício que abrigou hotel de luxo e império de Eike

A Gaiola de Ouro vai mudar de endereço. Os vereadores do Rio querem deixar o Palácio Pedro Ernesto, no coração da Cinelândia. O plano é comprar o Edifício Serrador, que já sediou o império de Eike Batista.

Inaugurado em 1944 como hotel de luxo, o prédio tem 24 andares e conta com heliponto, elevadores informatizados e cobertura panorâmica. Nos tempos de glória, abrigou a boate Night and Day, que atraía celebridades internacionais e políticos da velha capital.

O imóvel está avaliado em quase R$ 150 milhões. Numa conta conservadora, ainda seria preciso gastar mais R$ 20 milhões para adaptá-lo às novas funções legislativas.

Apesar dos custos, os vereadores parecem animados. Sonham com gabinetes mais amplos e confortáveis, valorizados pela vista de cartão-postal. Enquanto se ocupam com os dramas municipais, poderão contemplar o Pão de Açúcar, o Aterro do Flamengo e a Baía de Guanabara.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

É erro grave a visão do novo governo sobre a Previdência

O Globo

Ampliar gasto com aposentadorias por invalidez e pensões tornaria a bomba fiscal ainda mais explosiva

É um equívoco grave a forma como a equipe de transição encara a questão previdenciária. Pelas informações preliminares, a intenção é rever as regras da reforma da Previdência de 2019 em dois pontos: pensão por morte e aposentadoria por invalidez. Se houver aumento em ambas sem redução equivalente noutras rubricas, estará contratado um aumento substancial num dos maiores gastos do Estado — mais gasolina para inflamar a já explosiva bomba fiscal armada para o início da gestão Luiz Inácio Lula da Silva.

Parece inacreditável que os economistas ligados ao PT não entendam os desafios do Brasil. Com o aumento da expectativa de vida, os gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) saíram de 6% do PIB em 2002 para quase 10% no ano passado. Há vários anos a receita fica abaixo da despesa. O problema só tende a piorar com o envelhecimento da população.

Foi com o objetivo de começar a resolvê-lo que há três anos o governo Jair Bolsonaro, aproveitando negociações iniciadas na gestão Michel Temer, promoveu a reforma para aumentar o período de contribuição, elevar a idade mínima para aposentadoria e limitar o valor de pensões, entre outros pontos. Com a aprovação, calculou-se uma economia de R$ 1 trilhão no período entre 2020 e 2029. Caso o PT vá em frente com a ideia de alterar a reforma, aproximadamente 20% desse impacto positivo simplesmente virará pó.