sábado, 21 de janeiro de 2023

José Luis Oreiro: Medidas de Haddad “buscam dar uma satisfação ao mercado”

Economista da Universidade de Brasília diz que “a gestão de caixa do governo tem que mudar”

Por Diego Viana — Para o Valor, de São Paulo

O economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília, ressalta o custo financeiro maior com que o governo tem arcado por causa da indexação:

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Valor: Como lhe parecem as primeiras medidas anunciadas pelo ministro Haddad?

José Luis Oreiro: Elas buscam dar uma espécie de satisfação ao mercado, ou seja, expressar que o governo não é irresponsável, está preocupado com o equilíbrio fiscal, quer reduzir o déficit primário. Acho que muitas não vão gerar o impacto previsto. O déficit deve ficar em 1%. No fundo, a intenção é ganhar tempo, até ter uma estratégia fiscal mais consistente, que terá que passar pelo aumento de impostos ou pela redução do gasto tributário. Ou as duas coisas, que seria o ideal.

Valor: Do lado do gasto, há uma ênfase em revisões de contrato. É factível?

Oreiro: É possível revisar contratos, mas a parte contratada tem que aceitar. Para tanto, será preciso admitir que os contratos têm sobrepreço, o que não tem nada a ver com corrupção: as empresas que prestam serviços ao governo sabem que ele é mau pagador. Atrasa, tem contingenciamento, não libera. Então já embutem no preço uma certa margem. A revisão pode trazer uma economia expressiva se o governo oferecer como contrapartida a garantia de pagar em dia. A gestão do caixa do governo tem que mudar. Os contingenciamentos são arcaicos, como se o governo não pudesse se financiar. Temos que aprimorar a elaboração da LOA e do plano plurianual.

Valor: O sr. diz que não basta tratar o problema fiscal só a partir do resultado primário. Por quê?

Oreiro: O debate fiscal ignora o problema financeiro, o que leva a interpretações erradas. Por exemplo, ano passado diz-se que as contas ficaram no azul. Não ficaram. O que se obteve eliminando o déficit primário foi mais do que compensado com o aumento do gasto com juros. As projeções para 2023 falam de R$ 700 bi em pagamento de juros. Em 2022, deve ter sido algo como R$ 550 bi. Como a Selic média vai ser mais alta, o aumento é de uns R$ 150 bi. Estamos enxugando gelo. Fazemos superávit primário para estabilizar a dívida, mas a conta de juros aumenta e a dívida também.

Valor: O que podem as medidas anunciadas?

Oreiro: Calculei o superávit primário necessário em 2023 para que a dívida feche o ano no mesmo nível que em 2022. O cenário mais benigno exigiria um superávit de 2%. As medidas anunciadas não chegam nem perto. Mal cobrem o aumento de gasto com juros. Mesmo se for possível zerar o déficit primário, grosso modo a dívida pública aumentaria 7 pontos percentuais do PIB. É complicado estabilizar a dívida olhando só para a despesa primária.

Valor: Algo poderia ser feito no curto prazo para reverter essa tendência?

Oreiro: No curto prazo, a única coisa que se poderia fazer seria aumentar impostos. Conseguir uma redução sustentável da conta de juros implica uma reforma monetária, a reforma inacabada do Plano Real: seria a desindexação geral da economia. Sem ela, não tem como obter taxas de juros estruturalmente mais baixas. A política monetária é pouco eficaz no Brasil e por isso o patamar dos juros é exorbitante. Para manter a inflação na meta, a dosagem de juros deve ser enorme. Uma das razões fundamentais é a persistência da indexação. O Plano Real proibiu a indexação de contratos com prazo inferior a um ano, mas é preciso que os mais longos também sejam desindexados. Com contratos indexados, a moeda nacional perde a função de unidade de conta.

Valor: Uma medida que o sr. sugere é reduzir as LFTs na composição da dívida. Como conseguir isso?

Oreiro: Seria feito por intermédio do plano de gestão da dívida pública, elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Cerca de 50% da dívida bruta federal, hoje, é indexada à Selic, porque é composta de LFTs e operações compromissadas. Um dos problemas resultantes é o contágio da política monetária sobre a dívida: quando os juros sobem, o custo de carregá-la aumenta logo. Se ela fosse 100% prefixada, o custo de rolagem aumentaria gradualmente, na medida em que títulos que vencessem fossem substituídos por novos. Outro problema é o efeito-riqueza: normalmente, quando um BC sobe os juros, o valor da riqueza cai, o que tem impacto contracionista. Aqui, é o contrário: quem tem aplicações financeiras aumenta a capacidade de consumo. O Tesouro deve ter visão de longo prazo: quando a Selic cair, em vez de reduzir o custo de carregamento da dívida rapidamente, deve aproveitar para zerar o estoque de LFTs.

Valor: Em seu discurso de posse como ministro do Desenvolvimento, o vice-presidente Geraldo Alckmin retomou o tema da reindustrialização, já abordado por Lula. Algo nessas primeiras semanas aponta nessa direção?

Oreiro: Por ora, só o discurso. A reindustrialização vai exigir um aumento significativo do investimento público. Antes de mais nada, temos que mudar nossa matriz energética, reduzindo o percentual de energia gerada com usinas térmicas e aumentando o emprego de eólicas e solares. Redigi, quando estava na equipe de transição, uma meta para o Plano Plurianual de reduzir à metade a participação da matriz térmica. Outro ponto seria expandir o transporte ferroviário, não só de carga, mas também de passageiros, porque querosene de aviação emite muito CO2, assim como os caminhões. Outro ponto é que a indústria passou por vários anos de baixo investimento e o estoque de capital está velho. O BNDES poderia ter um programa de crédito para modernizá-lo. Para evitar cometer os erros do passado, esse crédito poderia ser condicionado à obtenção de metas de exportação e fatias do mercado mundial.

2 comentários:

  1. O MERCADO CHIOU, ELEVOU DÓLAR E DERRUBOU BOLSA, COM A 'PEC DO ANDAR DE BAIXO' DE 143 BILHÕES, DO LULA.
    MAS PARECE QUE FICOU FELIZ DA VIDA E CALADINHO COM A 'PEC DA AMERICANAS' DE 43 BILHÕES, QUE FAVORECEU O ANDAR DE CIMA.
    AH, ESSE MERCADINHO PERALTA VICIADO EM JOGOS A VALER...

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  2. Muito boa a entrevista,quem sabe,sabe!

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