O Globo
A superstição domina as mentes quando não
se preocupam mais em distinguir fatos de notícias falsas
‘Abaixo
a ditadura da realidade.’ Este cartaz numa charge da imprensa francesa sobre os
eventos no Brasil diz muito para mim.
Na semana do tsunami em Brasília, escrevi
um artigo prevendo os rumos da extrema direita. Examinei as possibilidades de
uma evolução como na França ou mesmo na Itália. Concluí, entretanto, que o
modelo que seguia era do trumpismo americano.
A influência da extrema direita americana é
muito grande por aqui. Já é falta de imaginação imitar a tomada do Capitólio.
Não sei o que dizer sobre copiar uma experiência claramente fracassada.
Deniers, esse é o nome usado para descrever os extremistas americanos. Negacionistas como os brasileiros, que negam o aquecimento global, a pandemia, os benefícios da vacina e o resultado das eleições.
Nada me parece mais claro na luta contra a
ditadura da realidade do que a frase de uma das detentas em Brasília:
— Estão nos dando marmitas de prisioneiros.
Presa, ela se surpreendeu com a comida de
preso e na penitenciária Colmeia vai achar que as janelas gradeadas parecem uma
prisão e que os uniformes sugerem que não têm liberdade de usar a própria
roupa.
Uma das minhas interrogações sobre o
movimento extremista é exatamente esta: por que se afastam tanto da realidade
e, quando se dão conta dela, ficam tão revoltados?
A hipótese com que trabalho, inspirada numa
frase de Carl Sagan, é que a superstição domina as mentes quando não se
preocupam mais em distinguir fatos de notícias falsas.
Eles estão sempre esperando um milagre em
72 horas, porque acham que esse é o tempo que Cristo levou para ressuscitar.
Estão sempre confiando em nebulosos órgãos internacionais, sempre analisando os
gestos de Bolsonaro como mensagens cifradas: ele parou diante de pilhas num
supermercado, sinal de que devemos nos preparar para a luta.
Logo após as eleições, a mensagem de uma
senhora dizia:
— Menina, você não sabe que o Nine morreu?
Estão usando um sósia no lugar dele.
Sou favorável a processos transparentes,
mas o que leio a respeito de Alexandre de
Moraes é assustador e mostra que o ministro precisa se
proteger: “Se você vier a Itaituba, vou arrancar e comer seu coração”. Se
Alexandre reagir, é inevitável a resposta: mas e o direito de livre expressão?
Por essas razões, estou revendo minhas
análises. Minha tese é que o gênio não volta à garrafa, e este movimento
dificilmente será absorvido por uma direita clássica.
As categorias exclusivamente políticas não
dão conta de compreendê-los. Não tenho a pretensão de explicá-los em poucas
linhas. Mas, quando a realidade deixa de ser um parâmetro para a discussão, é
necessário buscar outros argumentos.
Nas redes, o grupo detido momentaneamente
na Academia de Polícia era apresentado como um campo de concentração moderno. A
cada instante, morria alguém na narrativa dos apoiadores. Num dos vídeos, um
jovem diz:
— Morreu uma mulher hoje.
Uma senhora de passagem responde:
— Uma não, duas.
Durante toda a semana, eles se preparam
para uma “festa da Selma”. Pesquisaram na rede as revoltas em Bangladesh, pois
achavam que bloqueariam algumas refinarias, ocupariam os três prédios do poder,
e o Brasil inteiro cairia aos seus pés.
Entendo seu raciocínio. Nele, a maioria não
votou em Lula, houve uma fraude. Logo, qualquer movimento colocará todo o país
em estado de rebelião.
Vale a pena estudar atentamente todos os
1.500 depoimentos dos detidos em Brasília, entrevistar longamente os líderes.
Eles quebraram tudo e depois cantaram hinos religiosos. É preciso uma nova
estratégia. Navegamos em mares nunca dantes navegados. Talvez reler “Os
sertões” e aprender um pouco, apesar das diferenças, com algumas referências
históricas. É um grande desafio, pois esperam apenas um sinal, qualquer sinal
para entrar na sua terra prometida.
Artigo de Gabeira merece ser lido, estudado, divulgado e posto em prática. Muito conteúdo político e social.
ResponderExcluirMuito interessante o texto! Mas vejam que Gabeira, ex-terrorista e com entendimento prático e teórico sobre terrorismo, NÃO usa os termos terrorista ou terrorismo para tratar dos acontecimentos e dos vândalos de 8/1! Como Gabeira afirma no final: "Navegamos em mares nunca dantes navegados."
ResponderExcluirSantiago Andrade o mártir.
ResponderExcluirA pergunta que não pode calar
ResponderExcluirO que foi feito de seus assassinos?
ResponderExcluirMiguel de Almeida, hoje, 16/01, neste blog: " O nome não é outro, mas terrorismo, do mesmo naipe praticado pelos bozofascistas,"
ResponderExcluirÉ o tal negócio... artigo de opinião. Almeida ainda pergunta q, se tais atos fossem praticados nos templos, pastores diriam q se trata de terrorismo?
Pergunto eu, aos q têm duvida: e se tais atos ocorressem em suas casas, em sua empresas, atingindo pessoas amadas, seria terrorismo?
Respondo: Claro, né?
Pois, é. Opinião cada um tem a sua. MAS FATO É FATO.
Não cabe o termo terrorismo pq a legislação em vigor Não tipifica os atos de 08 janeiro como tal Mas sim como tentativa de atentado contra o Estado de Direito o que é ainda muito mais grave Chamar isso que ocorreu não só é errado como extremamente perigoso
ResponderExcluirGabeira,sempre sensato em suas análises.
ResponderExcluirA intenção é desestabilizar o governo e acredito que vai continuar por 4 anos.
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