O Globo
Ao contrário do que ocorria sob a ditadura
militar, golpistas presos não estão em local ignorado
Os familiares dos golpistas presos — tias,
primos, sogras e outros agregados — podem ficar tranquilos. Ao contrário do que
ocorria sob a ditadura militar, não estão em local ignorado, mas na Papuda ou
na Colmeia.
Aos parentes dos terroristas que ainda
devem ser presos e condenados, outro alívio. Seus entes queridos — enteados,
madrinhas, noras — não serão torturados, queimados com cigarros, pendurados no
pau de arara, como aconteceu no regime exaltado pelo capitão.
Os deputados que devem ser cassados por incitação à desordem — terroristas, enfim, com o dinheiro público — merecem uma palavra de conforto. Não terão o mesmo destino de seus colegas, como Rubens Paiva, até onde se sabe, jogado de um avião em meio ao mar. Entre outros parlamentares de oposição cujos corpos ainda hoje continuam desaparecidos.
Tranquilizem-se os financiadores do golpe,
para descanso de seus familiares, porque, ao serem presos, terão direito a um
advogado, a um juiz e ainda escova e pasta de dente. Esqueçam o Wi-Fi.
É um pessoal com muita sorte, porque,
afinal, a ditadura militar caiu em 1985 e, desde então, mesmo com sustos, o
Brasil é um país democrático. Significa que os direitos individuais são
respeitados mesmo para os desqualificados desejosos de extinguir a liberdade de
seus compatriotas.
O respeito à regra estabelecida pela
Constituição de 1988, alcunhada de Cidadã pelo grande Ulysses Guimarães, dá
guarida a pastores e seus sabujos parlamentares a chamar a destruição de 8 de
janeiro de manifestação democrática. Fossem o roubo, a quebradeira e as bombas,
as mesmas jogadas nos palácios em Brasília,
colocadas em seus templos, seria algum tipo de liberdade de expressão? O nome
não é outro, mas terrorismo, do mesmo naipe praticado pelos bozofascistas, a
quem tais religiosos, com isenção de impostos, na física e na jurídica, incitam
com permissividade criminosa.
Ao longo do infortúnio bolsonarista, a
classe política e parte da Justiça toleraram a sedição e a desobediência civil.
Quando o ex-deputado Daniel
Silveira se escondeu na Câmara, sob auspícios de seus colegas,
para não cumprir ordem judicial, o que foi aquilo? Os militares, ah, os
militares. Deixaram a nação sob ameaça sistemática dos impropérios golpistas de
um ex-colega de farda. Nada a estranhar — é algo que acontece desde Deodoro. O
Brasil é um país tão atrasado que ainda temos medo de golpe militar.
E permanece em cartaz o caso exemplar de
Arthur Lira. Sentado sobre uma centena de pedidos de impeachment, ao longo de
anos, o deputado alagoano se mostra protocolarmente contrário à destruição
perpetrada por seus correligionários de alma. Como se sua atilada inação não
houvesse contribuído para o 8 de janeiro.
Seu ar grave nas declarações, o semblante
queimado de sol, procura apagar o passado de protetor inconteste, até
apaixonado, das artimanhas golpistas de seu parceiro de jogo. Nas redes sociais
do bozofascismo, apenas Rodrigo
Pacheco é atacado. Lira — por que será?— nem sequer tem seu
nome mal grafado por aqueles que picharam no prédio do Supremo — perdel [sic],
mané. Camuflado com parcimoniosa e estudada indignação, ao menos até agora,
aguarda-se de Lira a revelação no capítulo final: médico ou monstro? Democrata
ou bolsonarista? Até o Putin já decidiu seu lado diante da quimera brasileira.
O terrorismo da extrema direita, com a
tentativa de incriminar a esquerda, comete patuscadas. Dias atrás, um
bolsonarista, diante de um caminhão que se recusou a participar de piquete,
teve sérios ferimentos na cabeça ao estourar o pneu do veículo com um canivete.
Acidentes acontecem.
“Argentina, 1985”, na Netflix, conta como
um heroico promotor levou a julgamento os generais da ditadura de seu país. De
início, a sociedade apoiava os governos militares. Os depoimentos das vítimas,
ao detalhar o sofrimento, as sevícias e os elaborados métodos de tortura,
alteram o clima. São ouvidos relatos de estupros, de grávidas parindo no chão
de carros, sem assistência, de jovens mães afastadas de seus bebês; de gritos
desesperados de homens e mulheres espancados pelos policiais. As revelações
tornam insustentáveis o apoio da opinião pública aos militares levados ao banco
dos réus. Os criminosos são condenados. Acabam atrás das grades.
O filme argentino escande o erro brasileiro
ao perdoar os torturadores e outros atores do Golpe de 64. Foi um erro
acordado. Repeti-lo, ao não punir os bolsonaristas já presos e sua cadeia de
comando, ainda em férias, só aprofundará a tragédia brasileira. Se o 8 de
janeiro marca um antes e um depois na História do país, a escolha é entre a
lama e a glória.
Perfeito!
ResponderExcluir"Os militares, ah, os militares. Deixaram a nação sob ameaça sistemática dos impropérios golpistas de um ex-colega de farda. Nada a estranhar — é algo que acontece desde Deodoro. O Brasil é um país tão atrasado que ainda temos medo de golpe militar."
ResponderExcluirBozo humilhou nossos milicos. E agora as redes sociais reconhecem q nossos milicos são ruins - mais humilhação.
Nossos milicos são muito ruins, está provado. Teve até coronel xingando general nas redes e desculpando-se depois, alegando forte emoção - imagine um soldado desses numa guerra - se borraria todo. São mal educados doutrinariamente - por isso encontramos coronalecos questionando eleição q o mundo todo considera limpa.
Pensem bem: um coronel do EB correndo da PM, descontrolado, depois de receber jato de pimenta nas fuças - quer mais humilhação, EB?
AINDA DÁ TEMPO DE SE REPENSAREM! MAS O TEMPO É CURTO.
Em tempo: excelente artigo!
ExcluirNão vi o filme argentino,dizem que é ótimo.
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