O Globo
Por que não evitaram que isso tudo
acontecesse? Quem deixou livremente a organização do grupo violento surgir?
No dia 8 de janeiro, o país ficou atônito
ao ver cenas de depredação na capital federal. Pessoas invadiram os prédios dos
Três Poderes da República e destruíram tudo o que viam pela frente.
Segundo reportagens, um dia antes, a
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) havia encaminhado vários avisos a
quase todos os órgãos alertando sobre o que ocorreria naquele fatídico domingo.
Foi o dia em que tivemos uma amostra do que é terrorismo doméstico, que, conforme define o FBI (a polícia federal americana), pode se verificar por meio de “atos violentos e criminosos cometidos por indivíduos e/ou grupos para promover objetivos ideológicos decorrentes de influências domésticas, como as de natureza política, religiosa, social, racial ou ambiental”.
Sabendo que havia nos acampamentos muitas
mulheres, crianças e até idosos com comorbidades, permanecem muitas perguntas
sem respostas sobre como as autoridades distritais e federais deixaram a
situação chegar a tal ponto de gravidade.
Por que não evitaram que isso tudo
acontecesse? Quem deixou livremente a organização do grupo violento surgir?
Como vários ônibus transitaram livremente até chegar ao ponto do quebra-quebra?
As investigações precisam buscar todas as
pessoas e autoridades que contribuíram por ação e por omissão para a desordem.
É preciso lembrar da Lei 14.197/2021, que
trata dos crimes contra o Estado Democrático de Direito, onde está previsto o
crime de “Abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, que consiste em
“tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático
de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
Além dele, há o crime de golpe de Estado, que é configurado ao “tentar depor,
por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.
Há outra particularidade que precisamos
analisar, os chamados atos preparatórios, que antecedem a execução do crime.
Segundo as regras do Direito Penal, eles somente são puníveis quando
correspondem a um tipo penal autônomo, como adquirir uma arma sem a devida
autorização com a finalidade de cometer um roubo.
Entretanto, no caso de terrorismo, há uma
exceção, que permite a repressão do Estado. Mas, como nada é simples, o artigo
2º da Lei 13.260/16, que disciplina a matéria, não se encaixa nos fatos de 8 de
janeiro, porque a lei menciona que os motivos de “xenofobia, discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia e religião” são imprescindíveis para a sua
configuração.
Assim, resta a previsão contida na Lei
12.850/13, que trata das organizações criminosas. No seu artigo 2º, “promover,
constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa,
organização criminosa” é crime, traz uma conduta específica e atendendo a todos
os princípios do Direito Penal.
Dessa forma, é perfeitamente possível
chamar o ocorrido de terrorismo doméstico, mas sabendo que, dentro da
sistemática do Direito brasileiro, não há crime de terrorismo, o que, por sua
vez, nunca foi obstáculo para que as autoridades interferissem para evitar
todos os danos ocorridos, tendo em vista que não se tratava apenas de atos
preparatórios, mas sim de condutas plenamente puníveis dentro do nosso sistema
jurídico.
Falou tá falado.
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