terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Joel Pinheiro da Fonseca - O que há de errado com 'O Mercado'?

Folha de S. Paulo

Como todo termômetro, ele não retrata a realidade em todos os seus aspectos

No dia seguinte à invasão dos prédios dos três Poderes por extremistas, a Bolsa subiu. Para essa entidade misteriosa chamada "O Mercado", essa invasão parece não ter importado muito. O mesmo mercado, contudo, cai quando Lula fala contra a responsabilidade fiscal e a favor de combater a fome. Afinal, há algo de profundamente imoral no mercado?

De maneira geral, o mercado é um processo social essencial para a vida em sociedade. Todo mundo que mexe com dinheiro —que trabalha, compra e vende— participa dele. Claro que, quando uma manchete de jornal se refere a "o mercado", não é a esse processo social que envolve todos —do operário ao magnata—, e sim a uma peça dele: o grupo das pessoas que faz decisões de investimento no mercado de capitais: compra e vende ações, moedas, derivativos.

A pergunta que guia suas decisões é: dada a informação disponível, este ativo me trará um retorno futuro maior (a valor presente) do que seu preço atual? Se sim, é hora de comprar. Todos estão buscando multiplicar seu dinheiro —que é o dinheiro de milhões de pessoas que poupam e esperam, justamente, que seus investimentos rendam.

Essas avaliações são passíveis de crítica. O mercado é formado por seres humanos. Eles têm suas limitações cognitivas, suas ideologias, seus vícios. Erram. Pode ser que os investidores tenham subestimado o risco de um golpe no Brasil ou a magnitude de suas consequências. O forte do mercado é que, e para lucrar, é necessário justamente identificar esses erros de avaliação antes da maioria. Com esse incentivo constante a identificar erros de precificação e explorá-los com vistas ao ganho, está dado o mecanismo para a autocorreção.

Outro tipo de crítica é moral: ressaltar o ultraje que é ver o mercado otimista ao mesmo tempo em que, por exemplo, pessoas passam fome. Esse tipo de crítica, penso, é válida contra aqueles que reduzem a realidade aos indicadores do mercado. Há uma série de considerações éticas, humanitárias e sociais mais importantes que o Ibovespa. Mas é uma crítica equivocada se julga que os próprios indicadores deveriam mudar para refletir as considerações éticas e humanitárias.

A subida do Ibovespa não apaga o sofrimento de milhões de pessoas com a fome ou as ameaças à democracia. Mas a queda desse índice tampouco ajudaria a remediar os problemas.

Num mundo melhor, as pessoas sentiriam repulsa e se recusariam a investir em negócios ou mesmo governos cujas práticas são condenáveis ou que nada fizessem para remediar os males da sociedade. Elas aceitariam inclusive ganhar menos dinheiro para agir dessa forma.

E até existem algumas iniciativas nesse sentido, como fundos ESG. Mas são iniciativas sempre marcadas por dificuldades. Basta imaginar: se mesmo para você, leitor ético e comprometido com as causas sociais, é difícil escolher pagar a mais para ter um produto mais ético, ou aceitar rendimentos menores de suas aplicações para investir de maneira mais ética, quanto mais não seria para os milhões de investidores sem o mesmo grau de conscientização?

Enquanto esse dia não chega, cabe defender regras que ajudem a alinhar interesses privados e públicos e lembrar sempre que o mercado não passa de um termômetro. Como todo termômetro, ele mede uma variável, não retrata a realidade em todos os seus aspectos. Se o paciente está desnutrido, mas sem febre, o termômetro mostrará saudáveis 36ºC. Não quer dizer que esteja tudo bem, e nem que você deva se revoltar contra o instrumento.

 

2 comentários:

  1. Pouco correta a metáfora do colunista para o mercado como termômetro! Este é um instrumento INDEPENDENTE do corpo ou local cuja temperatura é medida. O mercado é MUITO MAIS que um termômetro, é PARTE da atividade econômica de quase todos os países, e influencia diretamente nesta atividade!
    Bobagens como esta costumam acontecer quando colunistas se arriscam a escrever fora das suas áreas de conhecimento!

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