O Globo
A participação de militares nos episódios
golpistas de 8 de janeiro trouxe à tona uma questão que nunca ficou bem
resolvida no Brasil. Afinal, o que fortalece mais a democracia: punir os
militares por crimes políticos ou apaziguar a situação, jogando as evidências
para debaixo do tapete? A anarquia promovida por Jair
Bolsonaro nas Forças
Armadas, buscando fomentar o golpe que afinal foi sufocado, parecia ter
fortalecido a noção de que era não só possível como necessário investigar e
punir os militares por seus crimes.
Mas os ataques de janeiro ainda parecem ser, para o governo, mais um problema incômodo que uma oportunidade de colocar em pratos limpos o golpismo e a indisciplina nas Forças Armadas. Dias antes de demitir o comandante do Exército, o general Júlio Cesar de Arruda, Lula declarou em entrevista à jornalista Natuza Nery, na GloboNews, que os atos do dia 8 “permitiram que a gente fizesse, porque a gente não estava querendo fazer, que é fazer um processo de investigação muito séria do que aconteceu nesse país”.
Lula não esclareceu por que não estava
querendo investigar “o que aconteceu nesse país”, mas deu uma pista ao explicar
por que também é contra a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) para apurar os responsáveis pelos ataques: " Ela pode não ajudar, e
ela pode criar uma confusão tremenda".
Antes de demitir Arruda, o presidente ainda
tentou agradar as Forças Armadas com verbas e equipamentos, numa lógica
parecida com a de quem negocia com o Centrão para garantir a governabilidade.
Lula só exonerou o comandante quando ele resistiu
a anular a promoção do coronel Mauro Cid, assessor de Bolsonaro investigado
pelo Supremo por tentar minar a credibilidade do sistema eleitoral e operar os
saques do cartão corporativo da Presidência da República.
Não que haja alguém defendendo publicamente
aliviar a barra dos militares. Pelo contrário. Depois do comandante do
Exército, Lula vem demitindo os fardados da Presidência que herdou de
Bolsonaro. Em Brasília,
a expectativa é que o próximo a cair será o chefe do Comando Militar do
Planalto, general Gustavo Dutra de Menezes.
Até o ministro da Defesa, José Múcio, que
dizia não haver prova de envolvimento das Forças Armadas no golpe, mudou de
discurso. Agora, ele diz que espera que o novo comandante do Exército, general
Tomás Paiva, “faça o que o presidente quer que ele faça”.
Nesta semana, depois da primeira reunião do
Alto-Comando sob nova direção, foi suspensa a promoção do coronel Mauro Cid.
Ainda assim, há uma discreta torcida na cúpula do Exército para que o ministro
do Supremo Alexandre
de Moraes avoque para si os julgamentos de militares que participaram
da tentativa de golpe.
Isso pouparia o comandante do desgaste e
facilitaria sua meta de transformar o 8 de janeiro em “página virada” o mais
rápido possível. A impressão entre os generais é que, com o caso dos militares
sob a responsabilidade do Supremo e a agenda do país voltando a se concentrar
em urgências sociais, ambientais e econômicas, eles serão esquecidos.
Lula disse, ao comentar a troca de
comandantes, que “nós vamos colocar as coisas em seu lugar”. Imaginar, contudo,
que o golpismo vai enfraquecer ou simplesmente sumir por obra da ação de um
único ministro do Supremo parece coisa de amador — coisa que Lula não é.
Ele sabe que o golpismo, militar ou não,
veio para ficar. Basta ver o que aconteceu nos Estados Unidos,
onde nem mesmo a prisão de centenas de pessoas e uma investigação minuciosa
sobre a participação de Donald Trump nos
ataques ao Congresso americano impediram o recrudescimento da direita.
Na GloboNews, ele mesmo disse que iria aos
Estados Unidos, à China e
à Alemanha conversar
com seus presidentes sobre formas de impedir o avanço da extrema direita. (Não
deixa de ser curioso que não expresse a mesma preocupação com o autoritarismo
de esquerda, como na Venezuela ou
em Cuba, mas
isso já é outra conversa.)
O exemplo da Argentina, que promoveu um julgamento duro, mas justo, dos crimes cometidos por militares, mostra que encarar o golpismo sem tergiversar fortalece as instituições e solidifica a democracia. No caso do Brasil, tanto uma caça às bruxas como um ímpeto de pacificação forçada podem dar margem a novas investidas golpistas. Não é fácil e, como diz o próprio Lula, pode, sim, causar confusão. Mas o ruído é próprio das democracias. O que mata são o silêncio e a acomodação.
Punição aos militares.
ResponderExcluirLei no lombo desses milicos golpistas (milico golpista é redundante, sei disso).
ResponderExcluirO fingimento é mortal, por que não reclamar do Genocidio na Ucrânia? Seletividade não é uma coisa justa, e incomoda também.
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