Folha de S. Paulo
São de Estado para Estado as relações entre
Uruguai e Brasil
Passou quase despercebido o gesto do presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, que levou à posse de Lula dois antecessores: Julio María Sanguinetti (1985-1990 e 1995-2000) e José "Pepe" Mujica (2010-2015).
Lacalle Pou é membro do Partido Nacional, de direita; Sanguinetti é Colorado, de centro; e Mujica, ícone da esquerda, elegeu-se por uma coalizão de forças progressistas, a "Frente Amplio". A presença da trinca em Brasília robusteceu o princípio de que são de Estado para Estado as relações entre Uruguai e Brasil —acima, portanto, das disputas partidárias no país vizinho.
No dia seguinte, o brasileiro discursou
na reunião da
Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac),
formada pelos 33 países da região. Na abertura dos trabalhos, Fernández, também
presidente da entidade, saudou o retorno do Brasil à organização, da qual
estava ausente desde 2020. Disse, nada menos, que sem o país a Celac é
"muito mais vazia". De seu lado, Lula ratificou enfaticamente o
regresso do Brasil.
A história da América Latina registra numerosos esforços para construir
organizações multilaterais que fomentem a cooperação econômica e a coordenação
política para atuar afinados na região e nos foros mundiais.
Todos eles, no final das contas, contribuíram para fortalecer uma tradição de
relações pacíficas no continente. Faltou vencer, porém, o desafio da
permanência, dada a escassa complementaridade entre as economias vizinhas, sem
falar da grande instabilidade política no entorno. Criada no embalo da primeira
"onda rosa", a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) é apenas a
última vítima a sucumbir ao ir e vir da política em cada nação.
Na América Latina, mais do que em qualquer outra parte do mundo, as eleições e
as crises presidenciais têm acarretado alternância no poder entre forças de
orientação muito distintas. Construir organismos regionais fortes e duradouros
requer delicada engenharia institucional e muita cabeça fria dos dirigentes de
cada país em face das disputas eleitorais dos vizinhos.
Na sua volta, o Brasil poderá preencher o vazio que sua ausência escavou e
desempenhar papel relevante nessa empreitada. Para tanto, mais do que a
experiência do primeiro governo Lula (2003-2006), é fundamental aprender agora
com os uruguaios.
Verdade.
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