quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula precisa barrar antirreforma de Carlos Lupi

O Globo

Ministro da Previdência usa ficção contábil para negar déficit e propõe anular avanços já conquistados

Foi desastroso o discurso de posse de Carlos Lupi, presidente do PDT, como ministro da Previdência em Brasília nesta semana. No auditório do ministério, ele negou o óbvio. Disse que não existe déficit nas contas da Previdência. Embalado pelos aplausos de apoiadores, esbanjou populismo ao declarar que aposentadoria é dívida da União com os trabalhadores, como se estivesse sobrando dinheiro nos cofres do governo federal para outras áreas igualmente importantes.

Antes de acabar seu discurso, ainda anunciou que criará uma comissão formada pelo governo, por sindicatos patronais, trabalhadores e aposentados para analisar “com profundidade” as mudanças feitas no governo anterior. De profundo, tal iniciativa só deverá gerar atraso e confusão. É desanimador.

O argumento de Lupi para tentar negar o déficit não para em pé. O novo ministro diz que as receitas previdenciárias devem incluir a arrecadação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e também a do PIS/Cofins, criado originalmente para ajudar a financiar a Previdência. A questão é que esse imposto também banca outros benefícios, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Tentar vender a tese de uma solução fácil com base em ficção contábil é tudo o que um ministro não deveria fazer. Segundo dados oficiais, em 2021 a Previdência Social registrou déficit de R$ 247 bilhões. Levando em conta outros gastos, como o pagamento de pensões e de inativos militares, o rombo chegou a R$ 361 bilhões. O Tesouro Nacional, por sua vez, é superavitário. Em 2021, o saldo positivo foi de R$ 212,3 bilhões.

Parece evidente que a mudança da verba de um lado para o outro, como propõe o ministro, não equacionaria a questão. O Tesouro só ficaria com um superávit menor, e a Previdência com um déficit menos acentuado. “O ministro está sugerindo tirar o dinheiro do bolso esquerdo e colocá-lo no direito” , diz Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre). Sem resolver o déficit, a proposta de Lupi teria efeitos negativos. Achataria as despesas discricionárias, aquelas que o governo tem liberdade para escolher como direcionar ou investir.

Os gastos do INSS saíram de 6% do PIB em 2002 para quase 10% em 2021 devido ao envelhecimento da população, tendência que se acentuará. Na tentativa de enfrentar o problema foi feita uma reforma em 2019. Entre outros pontos, houve aumento do período de contribuição e elevação da idade mínima para aposentadoria. A aprovação deverá gerar uma economia de R$ 1 trilhão no período entre 2020 e 2029.

O governo deveria preparar uma nova reforma para enfrentar o problema, como o PT já fez anteriormente. Baseado em ideais fantasiosas, o ministro parece disposto a desfazer avanços já conquistados.

Por isso fez bem o ministro da Casa Civil, Rui Costa, ao desautorizar o colega de Esplanada. Em algum momento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de trazer o debate sobre a Previdência de volta para o plano racional e buscar soluções realistas para o futuro.

Formação de jovens é fundamental para conseguir reduzir desemprego

O Globo

Brasil deve oferecer mais e melhores cursos profissionalizantes para suprir necessidades do mercado

A formação deficiente é a principal causa da escassez de mão de obra nos setores ligados à tecnologia digital. O país enfrenta agora outro gargalo: falta de profissionais para postos de menor qualificação. Há carência nas duas pontas do mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, não param de chegar currículos às empresas. Toda oferta de vaga atrai longas filas de desempregados, jovens na maioria.

A plataforma de recrutamento Gupy, que usa sistemas automáticos para associar a oferta à demanda de mão de obra, recebe 10 milhões de pedidos de emprego por mês. Só consegue pôr no mercado 70 mil, e 10 mil vagas ficam abertas por falta de qualificação do desempregado. Como falta mão de obra, as empresas do comércio varejista acabam contratando não em função da formação. Dão prioridade à “competência comportamental” do candidato, para depois treiná-lo.

Embora o desemprego tenha atingido 8,3%, menor taxa desde 2015, a situação entre os jovens é muito pior. Na faixa entre 18 e 24 anos, chegou a 18%, quase o dobro da média nacional. Entre os que tinham ensino médio incompleto, a taxa era de 15,3%. O grupo entre 18 e 24 anos reúne 20 milhões de brasileiros. Desses, 6 milhões não concluíram o ensino médio, e 4 milhões completaram o curso, mas não encontram emprego. Não estudam nem trabalham, integram a geração apelidada “nem, nem”.

O país já passou do “bônus demográfico” — fase em que a população de jovens crescia mais que a de idosos — para o que estudiosos têm chamado de “ônus demográfico” — fase em que ocorre o contrário. A tendência é haver cada vez menos jovens, condição que aumenta a importância da qualificação de cada um para adaptar-se a um ambiente de trabalho cada vez mais exigente.

Essa grave questão não é desconhecida. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso — com exceção da gestão Jair Bolsonaro, que lançou trevas sobre a Educação —, várias ações foram postas em marcha para aproximar o ensino público básico do mundo do trabalho e das exigências do ensino superior: criação de indicadores para acompanhar a qualidade do ensino, criação de currículo único nacional, reforma do ensino médio e outras políticas interconectadas. A reforma do ensino médio articulada com o currículo único permite escolher três roteiros de estudos: ciências exatas (matemática e suas tecnologias); ciências da natureza e sociais; ou uma formação técnica e profissional.

Há enorme preconceito contra os cursos profissionalizantes, muitas vezes considerados um ensino de menor qualidade para pobres. Nada mais equivocado. O Brasil precisa entender a real importância do “ensino profissionalizante”. Enquanto nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 38% dos alunos estão matriculados nesses cursos, no Brasil são apenas 9%. É evidente que, se a realidade do ensino técnico fosse outra, o desemprego entre os jovens seria bem menor.

O passado pela frente

Folha de S. Paulo

Temores em relação à Petrobras sob Lula vão muito além da intervenção nos preços

A maior empresa do país passará pela quinta troca de comando em apenas quatro anos, o que decerto não inspira grande confiança na gestão de um patrimônio líquido na casa dos R$ 370 bilhões. A estatal Petrobras consegue a triste proeza de atrair o intervencionismo de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Sob o primeiro, presidentes da petroleira foram trocados ao sabor dos arroubos populistas contra a alta dos preços dos combustíveis. Preservaram-se, a despeito de intervenções tributárias, as normas que atrelam as cotações domésticas às do mercado internacional.

Já o líder petista acaba de formalizar a indicação de um companheiro de partido, o senador Jean Paul Prates (RN), para o posto mais alto da companhia —que não é ocupado por um político desde o longínquo 2005, não por coincidência no primeiro governo Lula.

Prates não é um neófito no ramo. Ao contrário, sua atuação em empresas de consultoria do setor deverá passar por verificação a fim de assegurar a inexistência de conflitos de interesse. Nesta quarta-feira (4), o parlamentar deu mostras de sensatez ao discorrer sobre a política de preços dos combustíveis.

Em entrevista à agência Bloomberg, disse que haverá revisão dos cálculos para os reajustes periódicos, mas será mantido o alinhamento com os valores globais. Assim determina o estatuto da empresa, aliás, para o bem de sua saúde financeira e administrativa.

São mais vastos, porém, os temores sobre o destino da companha na gestão petista. Parafraseando a célebre máxima de Millôr Fernandes sobre o Brasil, a Petrobras tem um enorme passado pela frente.

Os desmandos na estatal durante os governos Lula e Dilma Rousseff nem de longe se limitaram aos escandalosos casos de corrupção descobertos pela Lava Jato —fatos que os erros e excessos da operação judicial não obscurecem.

Os prejuízos bilionários recordes de 2014 e 2015 refletiram, acima de tudo, imprudência e incompetência decorrentes do uso político e ideológico da empresa, em particular em projetos faraônicos sem sentido econômico nos tempos de euforia com a alta do petróleo.

De lá para cá, a Petrobras viveu um processo de ajustes perseverantes, incluindo a venda de subsidiárias, e de melhora em sua governança, para a qual contou com a Lei das Estatais, de 2016.

O estatista Lula não surpreendeu ninguém ao tirar a petroleira do programa de privatizações logo no primeiro dia de mandato. Em respeito ao patrimônio público, deveria evitar novos retrocessos.

De volta à ciência

Folha de S. Paulo

Após corrosão obscurantista, pasta da Saúde começa a trilhar o caminho da razão

O governo Jair Bolsonaro (PL) foi tão retrógrado em relação a pontos básicos do pacto civilizatório que sucedê-lo implica enfrentar duas agendas, a simbólica e a administrativa. Nísia Trindade, ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz e atual ministra da Saúde, não terá dificuldades com a primeira.

A saúde foi um dos setores que mais sofreram sob o bolsonarismo. Se a pandemia de Covid-19 já causou forte impacto mesmo sobre sistemas que responderam racionalmente à crise, os efeitos foram devastadores sobre aqueles que a enfrentaram com negacionismo e pensamento mágico, como foi o caso do governo brasileiro.

Trindade não precisa mais do que revogar diretrizes insensatas da administração anterior —como autorizar prescrição de cloroquina e ivermectina— para recolocar a pasta na trilha da ciência.

A agenda simbólica não se esgota na pandemia. Bolsonaro direcionou seu ranço ideológico para outros temas, como o aborto legal e o tratamento de dependências químicas e de transtornos mentais.

Revogar decretos, portarias e normas técnicas mais representativos do pensamento reacionário do ex-presidente é um imperativo, ao qual Trindade muito corretamente já se dedica.

É a agenda administrativa, entretanto, que reserva os verdadeiros desafios. Dois problemas merecem especial atenção. O primeiro é remanejar o orçamento do ministério para manter em funcionamento o Farmácia Popular —que facilita o acesso da população a medicamentos para tratar doenças muitas delas crônicas, como hipertensão arterial, diabetes e Parkinson.

Retirar verbas do programa foi mais um dos desatinos do governo passado contra a saúde. Vale lembrar que o gasto público para fornecer fármacos a baixo custo é bem menor do que tratar complicações de pacientes que deixam de tomar seus remédios.

Também são urgentes as medidas em relação ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), cujos índices de cobertura vêm caindo de modo preocupante.

O discurso antivacina de Bolsonaro de fato não ajudou, mas deve-se salientar que o fenômeno teve início em mandatos presidenciais anteriores, e está mais relacionado a questões práticas do que a posicionamentos ideológicos.

A boa notícia é que um programa-piloto para enfrentamento do problema obteve resultados positivos na Paraíba e no Amapá e pode, em princípio, ser expandido.

Ao anunciar que Farmácia Popular e PNI serão prioridades, Trindade inicia com acertos sua gestão.

O monopólio lulopetista da verdade

O Estado de S. Paulo.

Iniciativas do novo governo para punir ‘desinformação’ e para estabelecer a ‘verdade’ sobre o passado revestem-se de boas intenções, mas mal escondem a vocação autoritária

Levou apenas um par de dias para que o cacoete autoritário do governo lulopetista se manifestasse – revestido, é claro, e como sempre, das melhores intenções. No dia 2 passado, ao tomar posse como ministro-chefe da AGU, Jorge Rodrigo Messias anunciou a criação de uma tal “Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia”, que tem entre suas competências “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas”. Tratase de perigosa formulação, pois nada impede, a não ser escrúpulos éticos, que o governo classifique como “desinformação” o que é mera opinião. Abrese uma avenida para o constrangimento de críticos do governo, a título de impedir a disseminação de mentiras tendentes a prejudicar o funcionamento do Estado e, no limite, a democracia.

Tudo é ainda mais estupefaciente porque o próprio advogado-geral da União reconheceu que não há lei que defina o que é desinformação. Mesmo assim, Messias achou que era o caso de não apenas criar a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia – como se já não houvesse o Ministério Público para fazê-lo –, mas também de tomar para a AGU a prerrogativa de definir o que é desinformação. Tomem nota: “Mentira voluntária, dolosa, com o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas funções públicas”. Tudo vago o suficiente para servir de base a qualquer coisa – bem ao gosto de governos arbitrários.

Em outra frente, o secretário de Comunicação Social da Presidência, deputado Paulo Pimenta, anunciou a criação da Secretaria de Políticas Digitais, uma estrutura que funcionará no Palácio do Planalto para “combater a desinformação e o discurso do ódio nas redes sociais”. Ora, não cabe a um governo determinar o que é desinformação, muito menos ter uma estrutura devotada a “combater” o que chama de “discurso de ódio” – nome genérico que os petistas certamente usarão, como já o fazem, para qualificar as críticas de opositores.

É claro que, como de hábito, os petistas prometem que tudo isso será precedido de “amplo debate”, mas já se sabe com quem – a patota de sempre. Se é para valer, essa polícia do pensamento deve começar enquadrando o próprio secretário Paulo Pimenta, que é um adepto da lunática teoria segundo a qual o atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro foi uma armação – uma clássica fake news.

Por sua vez, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, anunciou em seu discurso de posse a criação da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade. Nada menos. Não há razão para duvidar da boa intenção do ministro, um jurista respeitável e com reconhecido histórico de defesa dos direitos humanos, mas causa apreensão que um governo pretenda estabelecer a “verdade” e a “memória” de um país, pois é exatamente assim que regimes autoritários se consolidam.

Não se sabe o que mais virá por aí, mas apenas esses exemplos bastam para concluir que o lulopetismo parece empenhado em reescrever a história, na qual se destacam os muitos crimes cometidos durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff, e em determinar como o novo governo petista será descrito agora e no futuro, criminalizando opiniões contrárias.

Decerto movido pelo rancor de quem se julga injustiçado, o PT arreganha os dentes, sem qualquer gesto de distensão nem, muito menos, de conciliação. Pelo contrário: conforme já era esperado, os petistas, nem bem Lula esquentou a cadeira presidencial, põem em prática sua conhecida estratégia de demonizar os opositores e de reivindicar o monopólio absoluto da verdade. Para o presidente e sua turma, convictos de que encarnam o “povo” em toda a sua “diversidade”, só é válida a opinião de quem reconhece Lula como o redentor dos pobres. Considerem-se avisados: aos que não aceitarem o credo petista, resta a danação.

Por uma frente ampla diplomática

O Estado de S. Paulo.

Isolamento promovido pela militância ideológica bolsonarista denunciada pelo novo chanceler só será revertido se o governo lulopetista renunciar à sua própria militância ideológica

Não se pode negar que a exposição dos desafios da política externa brasileira apresentada pelo novo chanceler, Mauro Vieira em seu discurso de posse, alicerçada em uma longa experiência como funcionário de carreira do Itamaraty, foi lúcida e ampla. Mas entre as palavras e os atos, há que se desfazer um complexo de incertezas, cujo maior epicentro é justamente o Palácio do Planalto.

Ao avaliar o legado do último governo, Vieira criticou o alijamento do cenário internacional “por força de uma visão ideológica militante”. De fato, Jair Bolsonaro submeteu a política externa aos seus instintos confrontacionais e sectários. Como já dissemos neste espaço, no editorial Entre párias e megalomaníacos (9/7/22), o legado do governo anterior nas relações internacionais é fiel ao imperativo, enunciado por Ernesto Araújo, dublê de chanceler e ideólogo do bolsonarismo, de fazer do Brasil um orgulhoso pária. Para isso, o País desprezou direitos humanos, aderiu ao negacionismo científico em plena pandemia e também nas questões ambientais, brigou com valiosos parceiros comerciais por mera birra ideológica e alinhou-se a extremistas de direita sem qualquer contrapartida.

Essa dilapidação do soft power (poder brando) do Brasil, em especial de seu protagonismo nas instâncias multilaterais, não poderia ter ocorrido em pior hora. Como destacou Vieira, o Brasil navega em “um dos mais conturbados momentos no cenário internacional”. As tensões entre grandes potências, a guerra na Europa, as sequelas da pandemia, tudo isso cria um quadro de incertezas nas cadeias de suprimento, no abastecimento de energia e na segurança alimentar.

Essa “crise de governança global sem precedentes” é agravada pela paralisação de mecanismos como a Organização Mundial do Comércio ou o Conselho de Segurança da ONU. O quadro é ainda mais tenebroso, quando se pensa na indispensabilidade da cooperação internacional ante os grandes desafios do século 21, como a revolução digital ou as mudanças climáticas.

“Existe uma clara demanda do mundo pelo Brasil”, apontou Vieira. De fato, sem uma atuação construtiva do Brasil, não há como equilibrar o tripé que alicerça uma economia global sustentável: a segurança ambiental, energética e alimentar.

A agenda delineada por Vieira é ambiciosa. O chanceler aludiu a desafios ambientais, direitos humanos, reforma do Conselho de Segurança da ONU, acordos para facilitação do comércio e neutralização de barreiras protecionistas, revalorização do Mercosul, equilíbrio das relações com parceiros tradicionais como EUA e União Europeia e ampliação das relações com o bloco Ásia-pacífico.

A fórmula de Vieira para nortear essa agenda, a “ideologia da integração”, pode ser considerada o equivalente na política externa à “frente ampla democrática” propagada na campanha do presidente Lula da Silva para a política doméstica. E aqui começam as incertezas. Na formação do governo, a “frente ampla” se mostrou mais reduzida do que esperavam muito de seus apoiadores, e está, simbolicamente, restrita às figuras do vice-presidente Geraldo Alckmin; da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; e da ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Na política externa, Lula tem capital político e prestígio com a mídia e muitos governos estrangeiros. Mas nem o histórico do PT no poder nem as palavras do presidente até o momento permitem supor que a “ideologia da integração” de Vieira, em tese muito “ativa e altiva”, não será subvertida, na prática, pela “visão ideológica militante” lulopetista, que, a seu modo, também condicionou a política externa ao sectarismo e, a seu modo – seja priorizando o viés “sul-sul”, seja renegando acordos com países desenvolvidos (cujo maior emblema é o descaso com o ingresso do Brasil na OCDE, o “clube dos ricos”) – também desperdiçou oportunidades para o País.

“O Brasil está de volta”, repete sem cessar Lula, ecoado por Vieira. Mas, para que isso seja realidade e não mera idealização, é preciso que o velho ranço ideológico fique petista fique no passado.

Meta ousada da educação em SP

O Estado de S. Paulo.

Secretário acerta ao investir no básico, se pretende mesmo fazer da rede paulista a melhor do País até 2025

É positivo que o novo secretário de Educação do Estado de São Paulo, Renato Feder, sinalize que dará ênfase à melhoria da qualidade do ensino e à elevação dos índices de aprendizagem na maior rede pública do País. Eis o grande desafio: formar gerações de jovens com amplo domínio das habilidades e competências previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ao Estadão, ele falou sobre a meta, até 2025, de fazer da rede estadual a melhor do Brasil no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Sem dúvida, um objetivo condizente com o Estado mais rico da Federação.

Feder, que foi secretário de Educação do Paraná nos últimos quatro anos, deixou claro que terá foco em resultados. À Folha, ele afirmou que se guiará por duas métricas: aprendizagem e frequência escolar. “Quero que os alunos saiam da escola pública sabendo matemática e língua portuguesa”, disse. Por óbvio, a formação escolar vai muito além dessas disciplinas − e Feder fala em ampliar o ensino técnico, o que é correto –, mas as escolas públicas paulistas e brasileiras estão longe de garantir que seus estudantes aprendam o básico de português e matemática, ponto de partida para os demais conteúdos. Então, sua ênfase no essencial é bem-vinda.

Uma das estratégias diz respeito à rotina do trabalho docente: Feder quer que a rede estadual dê maior apoio aos professores na preparação das aulas. Acertadamente, ele defende a necessidade de se aprimorar a forma como os conteúdos são apresentados aos estudantes. Eis um tipo de ação que pode otimizar o tempo em sala de aula e despertar mais interesse nos alunos. Sim, é possível tornar o exercício do magistério mais efetivo, resultando na melhoria da aprendizagem.

Ao Estadão, Feder explicou que a ideia é produzir materiais que orientem os professores na tarefa cotidiana de preparação das aulas − respeitada a autonomia de quem não tenha interesse em receber ajuda. Em outra frente, ele citou a possibilidade de que professores mais experientes sejam designados para apoiar colegas, atuando como tutores. Há boas experiências nesse sentido.

Outro ponto envolve os diretores de escola: a intenção é que esses profissionais se dediquem às questões pedagógicas, apoiando mais os professores. Essa deveria ser a regra, uma vez que a aprendizagem dos alunos é a verdadeira razão de ser da escola. É comum, porém, que diretores fiquem reféns da rotina administrativa, sem tempo para se dedicar às atividades de ensino, o que obviamente é um erro.

Para levar seus planos adiante, Feder terá que superar a enorme distância entre o gabinete do secretário e a realidade das salas de aula. Não raro, infelizmente, boas ideias e mesmo as melhores das intenções sucumbem durante essa travessia. Como se sabe, redes de ensino são estruturas capilarizadas, e não há política educacional que se concretize sem o engajamento direto dos professores – ainda mais quando se trata de repensar o trabalho docente. O novo governo, por mais proativo que pareça o secretário de Educação, terá que se mostrar capaz, em primeiro lugar, de ouvir.

Novos rumos da Petrobras inquietam investidores

Valor Econômico

Políticas sugeridas podem reverter abertura do setor

Foi necessário o presidente indicado para comandar a Petrobras no novo governo, o ex-senador Jean Paul Prates, vir a público para acalmar inquietações nos mercados sobre possível intervenção na estatal e adoção de política de preços desvinculada das cotações internacionais. O relatório final da equipe de transição sobre o assunto, divulgado ontem, decerto não colaborou para afastar a impressão de mudança radical nos rumos da empresa.

O relatório, já entregue ao ministro de Minas e Energia, pretende reencenar velhas políticas para a Petrobras, quando ela foi palco do escândalo do petrolão. O Plano Estratégico da companhia teria de ser revisto, pois “é insuficiente para retomar a participação da estatal em setores-chave, principalmente o mercado de abastecimento (refino e distribuição) e de biocombustíveis”.

O tom dominante é o de volta do monopólio. A distribuição no varejo foi privatizada e não é absurdo imaginar que se queira reeditar a BR. Além disso, a Petrobras já é dominante no refino e “retomar a participação” só faz sentido com 100% do mercado, ou seja, sem a presença da iniciativa privada. Mais à frente, o documento diz que a capacidade de refino é deficitária, sugerindo que a meta é a autossuficiência que a área esteja toda nas mãos da estatal.

A retomada dos investimentos nas refinarias seria importante para evitar que o país se torne “refém” das importações e continue sujeito “a abruptas oscilações dos preços internacionais”. Para isso, deveria haver uma “política pública de expansão do refino nacional”. De maneira geral ela englobaria “uma nova política de conteúdo nacional visando reinserir os fornecedores nacionais na cadeia produtiva de óleo e gás” - uma política testada e fracassada.

Estas políticas podem ou não ser as que prevalecerão agora - não deveriam ser. A política de preços que o governo de Lula pode querer implantar guarda semelhança com projeto aprovado no Senado (hoje submerso na Câmera), cuja relatoria foi de Prates e o autor, o senador petista Rogério Carvalho. As declarações de Prates ontem seguem em linha com ele.

Prates ressaltou que a nova política não acabará de todo com a referência a cotações internacionais. O artigo 3º do projeto diz que os preços internos do diesel, GLP, gasolina “deverão ter como referência as cotações médias do mercado internacional, os custos internos de produção e os custos de importação, desde que aplicáveis”. Prates também disse que não haverá interferência direta no mercado ou tabelamento, no que em princípio está correto. O projeto de lei, porém, cria uma banda de preços para os combustíveis regulada pelo Executivo, que estabelecerá margens de variação, frequências de reajustes e “mecanismos de compensação”.

Os preços praticados pela Petrobras e pelo mercado não seriam limitados pela banda, cuja finalidade é outra, subsidiar os consumidores toda vez que os reajustes da Petrobras ultrapassassem o teto de variação. De onde viria o dinheiro para isso? De um Fundo de Estabilização, que Prates defende. E os recursos do Fundo, de onde viriam? A ideia original era criar um imposto sobre exportação de petróleo bruto que seria tanto maior quanto maior fosse a cotação, variando de 0 a 20%. Os senadores rejeitaram o imposto e as possíveis fontes do fundo seriam os dividendos da Petrobras, receitas do regime de partilha, royalties etc.

Ainda que não intervenha nos mecanismos de preços de mercado, uma consequência de fixação de preços como essa é eliminar aos poucos a concorrência privada. Nas justificativas do projeto, o senador Carvalho diz que o custo de extração da Petrobras no pré-sal é de US$ 6 e, com todos os custos incluídos, de US$ 40 no refino. Considerar os custos domésticos os tornaria menores do que o dos importação, e alijaria concorrentes. As refinarias privadas que existem no país têm custos alinhados com os que a Petrobras têm, ou um pouco mais altos. Seria muito difícil a elas concorrer com a estatal. Essas ideias trariam de volta a gigante Petrobras monopolista, anulando a abertura hesitante existente hoje.

Lula e o governo contam que, com a aprovação de Prates para presidir a Petrobras, os preços dos combustíveis caiam logo. Prates e a nova diretoria podem, como ocorreu na definição do PPI, definir nova política de imediato, sem complementos das bandas e do fundo de estabilização. Causaria um barulho político considerável.

 

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