Lula precisa barrar antirreforma de Carlos Lupi
O Globo
Ministro da Previdência usa ficção contábil
para negar déficit e propõe anular avanços já conquistados
Foi desastroso o discurso de posse de
Carlos Lupi, presidente do PDT, como ministro da Previdência em Brasília nesta
semana. No auditório do ministério, ele negou o óbvio. Disse que não existe
déficit nas contas da Previdência. Embalado pelos aplausos de apoiadores,
esbanjou populismo ao declarar que aposentadoria é dívida da União com os
trabalhadores, como se estivesse sobrando dinheiro nos cofres do governo
federal para outras áreas igualmente importantes.
Antes de acabar seu discurso, ainda
anunciou que criará uma comissão formada pelo governo, por sindicatos
patronais, trabalhadores e aposentados para analisar “com profundidade” as
mudanças feitas no governo anterior. De profundo, tal iniciativa só deverá
gerar atraso e confusão. É desanimador.
O argumento de Lupi para tentar negar o déficit não para em pé. O novo ministro diz que as receitas previdenciárias devem incluir a arrecadação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e também a do PIS/Cofins, criado originalmente para ajudar a financiar a Previdência. A questão é que esse imposto também banca outros benefícios, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Tentar vender a tese de uma solução fácil
com base em ficção contábil é tudo o que um ministro não deveria fazer. Segundo
dados oficiais, em 2021 a Previdência Social registrou déficit de R$ 247
bilhões. Levando em conta outros gastos, como o pagamento de pensões e de
inativos militares, o rombo chegou a R$ 361 bilhões. O Tesouro Nacional, por
sua vez, é superavitário. Em 2021, o saldo positivo foi de R$ 212,3 bilhões.
Parece evidente que a mudança da verba de
um lado para o outro, como propõe o ministro, não equacionaria a questão. O Tesouro
só ficaria com um superávit menor, e a Previdência com um déficit menos
acentuado. “O ministro está sugerindo tirar o dinheiro do bolso esquerdo e
colocá-lo no direito” , diz Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre). Sem resolver o
déficit, a proposta de Lupi teria efeitos negativos. Achataria as despesas
discricionárias, aquelas que o governo tem liberdade para escolher como
direcionar ou investir.
Os gastos do INSS saíram de 6% do PIB em
2002 para quase 10% em 2021 devido ao envelhecimento da população, tendência
que se acentuará. Na tentativa de enfrentar o problema foi feita uma reforma em
2019. Entre outros pontos, houve aumento do período de contribuição e elevação
da idade mínima para aposentadoria. A aprovação deverá gerar uma economia de R$
1 trilhão no período entre 2020 e 2029.
O governo deveria preparar uma nova reforma
para enfrentar o problema, como o PT já fez anteriormente. Baseado em ideais
fantasiosas, o ministro parece disposto a desfazer avanços já conquistados.
Por isso fez bem o ministro da Casa Civil,
Rui Costa, ao desautorizar o colega de Esplanada. Em algum momento, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de trazer o debate sobre a
Previdência de volta para o plano racional e buscar soluções realistas para o
futuro.
Formação de jovens é fundamental para
conseguir reduzir desemprego
O Globo
Brasil deve oferecer mais e melhores cursos
profissionalizantes para suprir necessidades do mercado
A formação deficiente é a principal causa
da escassez de mão de obra nos setores ligados à tecnologia digital. O país
enfrenta agora outro gargalo: falta de profissionais para postos de menor
qualificação. Há carência nas duas pontas do mercado de trabalho. Ao mesmo
tempo, não param de chegar currículos às empresas. Toda oferta de vaga atrai
longas filas de desempregados, jovens na maioria.
A plataforma de recrutamento Gupy, que usa
sistemas automáticos para associar a oferta à demanda de mão de obra, recebe 10
milhões de pedidos de emprego por mês. Só consegue pôr no mercado 70 mil, e 10
mil vagas ficam abertas por falta de qualificação do desempregado. Como falta
mão de obra, as empresas do comércio varejista acabam contratando não em função
da formação. Dão prioridade à “competência comportamental” do candidato, para
depois treiná-lo.
Embora o desemprego tenha atingido 8,3%,
menor taxa desde 2015, a situação entre os jovens é muito pior. Na faixa entre
18 e 24 anos, chegou a 18%, quase o dobro da média nacional. Entre os que
tinham ensino médio incompleto, a taxa era de 15,3%. O grupo entre 18 e 24 anos
reúne 20 milhões de brasileiros. Desses, 6 milhões não concluíram o ensino
médio, e 4 milhões completaram o curso, mas não encontram emprego. Não estudam
nem trabalham, integram a geração apelidada “nem, nem”.
O país já passou do “bônus demográfico” —
fase em que a população de jovens crescia mais que a de idosos — para o que
estudiosos têm chamado de “ônus demográfico” — fase em que ocorre o contrário.
A tendência é haver cada vez menos jovens, condição que aumenta a importância
da qualificação de cada um para adaptar-se a um ambiente de trabalho cada vez
mais exigente.
Essa grave questão não é desconhecida.
Desde o governo Fernando Henrique Cardoso — com exceção da gestão Jair
Bolsonaro, que lançou trevas sobre a Educação —, várias ações foram postas em
marcha para aproximar o ensino público básico do mundo do trabalho e das
exigências do ensino superior: criação de indicadores para acompanhar a
qualidade do ensino, criação de currículo único nacional, reforma do ensino
médio e outras políticas interconectadas. A reforma do ensino médio articulada
com o currículo único permite escolher três roteiros de estudos: ciências
exatas (matemática e suas tecnologias); ciências da natureza e sociais; ou uma
formação técnica e profissional.
Há enorme preconceito contra os cursos profissionalizantes, muitas vezes considerados um ensino de menor qualidade para pobres. Nada mais equivocado. O Brasil precisa entender a real importância do “ensino profissionalizante”. Enquanto nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) 38% dos alunos estão matriculados nesses cursos, no Brasil são apenas 9%. É evidente que, se a realidade do ensino técnico fosse outra, o desemprego entre os jovens seria bem menor.
O passado pela frente
Folha de S. Paulo
Temores em relação à Petrobras sob Lula vão
muito além da intervenção nos preços
A maior empresa do país passará pela quinta
troca de comando em apenas quatro anos, o que decerto não inspira grande
confiança na gestão de um patrimônio líquido na casa dos R$ 370 bilhões. A
estatal Petrobras consegue a triste proeza de atrair o intervencionismo de Jair
Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Sob o primeiro, presidentes
da petroleira foram trocados ao sabor dos arroubos populistas contra
a alta dos preços dos combustíveis. Preservaram-se, a despeito de intervenções
tributárias, as normas que atrelam as cotações domésticas às do mercado
internacional.
Já o líder petista acaba de formalizar a
indicação de um companheiro de partido, o senador Jean Paul Prates (RN), para o
posto mais alto da companhia —que não é ocupado por um político desde o
longínquo 2005, não por coincidência no primeiro governo Lula.
Prates não é um neófito no ramo. Ao contrário,
sua atuação em empresas de consultoria do setor deverá passar por verificação a
fim de assegurar a inexistência de conflitos de interesse. Nesta quarta-feira
(4), o parlamentar deu mostras de sensatez ao discorrer sobre a política de
preços dos combustíveis.
Em entrevista à agência Bloomberg, disse
que haverá
revisão dos cálculos para os reajustes periódicos, mas será mantido o
alinhamento com os valores globais. Assim determina o estatuto
da empresa, aliás, para o bem de sua saúde financeira e administrativa.
São mais vastos, porém, os temores sobre o
destino da companha na gestão petista. Parafraseando a célebre máxima de Millôr
Fernandes sobre o Brasil, a Petrobras tem um enorme passado pela frente.
Os desmandos na estatal durante os governos
Lula e Dilma Rousseff nem de longe se limitaram aos escandalosos casos de
corrupção descobertos pela Lava Jato —fatos que os erros e excessos da operação
judicial não obscurecem.
Os prejuízos bilionários recordes de 2014 e
2015 refletiram, acima de tudo, imprudência e incompetência decorrentes do uso
político e ideológico da empresa, em particular em projetos faraônicos sem
sentido econômico nos tempos de euforia com a alta do petróleo.
De lá para cá, a Petrobras viveu um
processo de ajustes perseverantes, incluindo a venda de subsidiárias, e de
melhora em sua governança, para a qual contou com a Lei das Estatais, de 2016.
O estatista Lula não surpreendeu ninguém ao
tirar a petroleira do programa de privatizações logo no primeiro dia de
mandato. Em respeito ao patrimônio público, deveria evitar novos retrocessos.
De volta à ciência
Folha de S. Paulo
Após corrosão obscurantista, pasta da Saúde
começa a trilhar o caminho da razão
O governo Jair Bolsonaro (PL) foi tão
retrógrado em relação a pontos básicos do pacto civilizatório que sucedê-lo
implica enfrentar duas agendas, a simbólica e a administrativa. Nísia
Trindade, ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz e atual ministra da Saúde,
não terá dificuldades com a primeira.
A saúde foi um dos setores que mais sofreram
sob o bolsonarismo. Se a pandemia de Covid-19 já causou forte impacto mesmo
sobre sistemas que responderam racionalmente à crise, os efeitos foram
devastadores sobre aqueles que a enfrentaram com negacionismo e pensamento
mágico, como foi o caso do governo brasileiro.
Trindade não precisa mais do que revogar
diretrizes insensatas da administração anterior —como autorizar prescrição de
cloroquina e ivermectina— para recolocar a pasta na trilha da ciência.
A agenda simbólica não se esgota na
pandemia. Bolsonaro direcionou seu ranço ideológico para outros temas, como o
aborto legal e o tratamento de dependências químicas e de transtornos mentais.
Revogar decretos, portarias e normas
técnicas mais representativos do pensamento reacionário do ex-presidente é um
imperativo, ao qual Trindade muito corretamente já se dedica.
É a agenda administrativa, entretanto, que
reserva os verdadeiros desafios. Dois problemas merecem especial atenção. O
primeiro é remanejar o orçamento do ministério para manter em funcionamento o
Farmácia Popular —que facilita o acesso da população a medicamentos para tratar
doenças muitas delas crônicas, como hipertensão arterial, diabetes e Parkinson.
Retirar verbas do programa foi mais um dos
desatinos do governo passado contra a saúde. Vale lembrar que o gasto público
para fornecer fármacos a baixo custo é bem menor do que tratar complicações de
pacientes que deixam de tomar seus remédios.
Também são
urgentes as medidas em relação ao Programa Nacional de Imunizações (PNI),
cujos índices de cobertura vêm caindo de modo preocupante.
O discurso antivacina de Bolsonaro de fato
não ajudou, mas deve-se salientar que o fenômeno teve início em mandatos
presidenciais anteriores, e está mais relacionado a questões práticas do que a
posicionamentos ideológicos.
A boa notícia é que um programa-piloto para
enfrentamento do problema obteve resultados positivos na Paraíba e no Amapá e
pode, em princípio, ser expandido.
Ao anunciar que Farmácia Popular e PNI serão prioridades, Trindade inicia com acertos sua gestão.
O monopólio lulopetista da verdade
O Estado de S. Paulo.
Iniciativas do novo governo para punir
‘desinformação’ e para estabelecer a ‘verdade’ sobre o passado revestem-se de
boas intenções, mas mal escondem a vocação autoritária
Levou apenas um par de dias para que o
cacoete autoritário do governo lulopetista se manifestasse – revestido, é
claro, e como sempre, das melhores intenções. No dia 2 passado, ao tomar posse
como ministro-chefe da AGU, Jorge Rodrigo Messias anunciou a criação de uma tal
“Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia”, que tem entre suas
competências “representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e
procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas
públicas”. Tratase de perigosa formulação, pois nada impede, a não ser
escrúpulos éticos, que o governo classifique como “desinformação” o que é mera
opinião. Abrese uma avenida para o constrangimento de críticos do governo, a
título de impedir a disseminação de mentiras tendentes a prejudicar o
funcionamento do Estado e, no limite, a democracia.
Tudo é ainda mais estupefaciente porque o
próprio advogado-geral da União reconheceu que não há lei que defina o que é
desinformação. Mesmo assim, Messias achou que era o caso de não apenas criar a
Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia – como se já não houvesse o
Ministério Público para fazê-lo –, mas também de tomar para a AGU a prerrogativa
de definir o que é desinformação. Tomem nota: “Mentira voluntária, dolosa, com
o objetivo claro de prejudicar a correta execução das políticas públicas com
prejuízo à sociedade e com o objetivo de promover ataques deliberados aos
membros dos Poderes com mentiras que efetivamente embaracem o exercício de suas
funções públicas”. Tudo vago o suficiente para servir de base a qualquer coisa
– bem ao gosto de governos arbitrários.
Em outra frente, o secretário de
Comunicação Social da Presidência, deputado Paulo Pimenta, anunciou a criação
da Secretaria de Políticas Digitais, uma estrutura que funcionará no Palácio do
Planalto para “combater a desinformação e o discurso do ódio nas redes
sociais”. Ora, não cabe a um governo determinar o que é desinformação, muito
menos ter uma estrutura devotada a “combater” o que chama de “discurso de ódio”
– nome genérico que os petistas certamente usarão, como já o fazem, para
qualificar as críticas de opositores.
É claro que, como de hábito, os petistas
prometem que tudo isso será precedido de “amplo debate”, mas já se sabe com
quem – a patota de sempre. Se é para valer, essa polícia do pensamento deve
começar enquadrando o próprio secretário Paulo Pimenta, que é um adepto da
lunática teoria segundo a qual o atentado a faca sofrido por Jair Bolsonaro foi
uma armação – uma clássica fake news.
Por sua vez, o ministro dos Direitos
Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, anunciou em seu discurso de posse a
criação da Assessoria Especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade. Nada
menos. Não há razão para duvidar da boa intenção do ministro, um jurista
respeitável e com reconhecido histórico de defesa dos direitos humanos, mas
causa apreensão que um governo pretenda estabelecer a “verdade” e a “memória”
de um país, pois é exatamente assim que regimes autoritários se consolidam.
Não se sabe o que mais virá por aí, mas
apenas esses exemplos bastam para concluir que o lulopetismo parece empenhado
em reescrever a história, na qual se destacam os muitos crimes cometidos
durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff, e em determinar como o novo
governo petista será descrito agora e no futuro, criminalizando opiniões
contrárias.
Decerto movido pelo rancor de quem se julga
injustiçado, o PT arreganha os dentes, sem qualquer gesto de distensão nem,
muito menos, de conciliação. Pelo contrário: conforme já era esperado, os
petistas, nem bem Lula esquentou a cadeira presidencial, põem em prática sua
conhecida estratégia de demonizar os opositores e de reivindicar o monopólio
absoluto da verdade. Para o presidente e sua turma, convictos de que encarnam o
“povo” em toda a sua “diversidade”, só é válida a opinião de quem reconhece
Lula como o redentor dos pobres. Considerem-se avisados: aos que não aceitarem
o credo petista, resta a danação.
Por uma frente ampla diplomática
O Estado de S. Paulo.
Isolamento promovido pela militância
ideológica bolsonarista denunciada pelo novo chanceler só será revertido se o
governo lulopetista renunciar à sua própria militância ideológica
Não se pode negar que a exposição dos
desafios da política externa brasileira apresentada pelo novo chanceler, Mauro
Vieira em seu discurso de posse, alicerçada em uma longa experiência como
funcionário de carreira do Itamaraty, foi lúcida e ampla. Mas entre as palavras
e os atos, há que se desfazer um complexo de incertezas, cujo maior epicentro é
justamente o Palácio do Planalto.
Ao avaliar o legado do último governo,
Vieira criticou o alijamento do cenário internacional “por força de uma visão
ideológica militante”. De fato, Jair Bolsonaro submeteu a política externa aos
seus instintos confrontacionais e sectários. Como já dissemos neste espaço, no
editorial Entre párias e megalomaníacos (9/7/22), o legado do governo anterior
nas relações internacionais é fiel ao imperativo, enunciado por Ernesto Araújo,
dublê de chanceler e ideólogo do bolsonarismo, de fazer do Brasil um orgulhoso
pária. Para isso, o País desprezou direitos humanos, aderiu ao negacionismo
científico em plena pandemia e também nas questões ambientais, brigou com
valiosos parceiros comerciais por mera birra ideológica e alinhou-se a
extremistas de direita sem qualquer contrapartida.
Essa dilapidação do soft power (poder
brando) do Brasil, em especial de seu protagonismo nas instâncias
multilaterais, não poderia ter ocorrido em pior hora. Como destacou Vieira, o
Brasil navega em “um dos mais conturbados momentos no cenário internacional”.
As tensões entre grandes potências, a guerra na Europa, as sequelas da
pandemia, tudo isso cria um quadro de incertezas nas cadeias de suprimento, no
abastecimento de energia e na segurança alimentar.
Essa “crise de governança global sem
precedentes” é agravada pela paralisação de mecanismos como a Organização
Mundial do Comércio ou o Conselho de Segurança da ONU. O quadro é ainda mais
tenebroso, quando se pensa na indispensabilidade da cooperação internacional
ante os grandes desafios do século 21, como a revolução digital ou as mudanças
climáticas.
“Existe uma clara demanda do mundo pelo
Brasil”, apontou Vieira. De fato, sem uma atuação construtiva do Brasil, não há
como equilibrar o tripé que alicerça uma economia global sustentável: a
segurança ambiental, energética e alimentar.
A agenda delineada por Vieira é ambiciosa.
O chanceler aludiu a desafios ambientais, direitos humanos, reforma do Conselho
de Segurança da ONU, acordos para facilitação do comércio e neutralização de
barreiras protecionistas, revalorização do Mercosul, equilíbrio das relações
com parceiros tradicionais como EUA e União Europeia e ampliação das relações
com o bloco Ásia-pacífico.
A fórmula de Vieira para nortear essa
agenda, a “ideologia da integração”, pode ser considerada o equivalente na
política externa à “frente ampla democrática” propagada na campanha do
presidente Lula da Silva para a política doméstica. E aqui começam as
incertezas. Na formação do governo, a “frente ampla” se mostrou mais reduzida
do que esperavam muito de seus apoiadores, e está, simbolicamente, restrita às
figuras do vice-presidente Geraldo Alckmin; da ministra do Meio Ambiente,
Marina Silva; e da ministra do Planejamento, Simone Tebet.
Na política externa, Lula tem capital
político e prestígio com a mídia e muitos governos estrangeiros. Mas nem o
histórico do PT no poder nem as palavras do presidente até o momento permitem
supor que a “ideologia da integração” de Vieira, em tese muito “ativa e
altiva”, não será subvertida, na prática, pela “visão ideológica militante”
lulopetista, que, a seu modo, também condicionou a política externa ao
sectarismo e, a seu modo – seja priorizando o viés “sul-sul”, seja renegando
acordos com países desenvolvidos (cujo maior emblema é o descaso com o ingresso
do Brasil na OCDE, o “clube dos ricos”) – também desperdiçou oportunidades para
o País.
“O Brasil está de volta”, repete sem cessar
Lula, ecoado por Vieira. Mas, para que isso seja realidade e não mera
idealização, é preciso que o velho ranço ideológico fique petista fique no
passado.
Meta ousada da educação em SP
O Estado de S. Paulo.
Secretário acerta ao investir no básico, se
pretende mesmo fazer da rede paulista a melhor do País até 2025
É positivo que o novo secretário de
Educação do Estado de São Paulo, Renato Feder, sinalize que dará ênfase à
melhoria da qualidade do ensino e à elevação dos índices de aprendizagem na
maior rede pública do País. Eis o grande desafio: formar gerações de jovens com
amplo domínio das habilidades e competências previstas na Base Nacional Comum
Curricular (BNCC). Ao Estadão, ele falou sobre a meta, até 2025, de fazer da
rede estadual a melhor do Brasil no Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb). Sem dúvida, um objetivo condizente com o Estado mais rico da
Federação.
Feder, que foi secretário de Educação do
Paraná nos últimos quatro anos, deixou claro que terá foco em resultados. À
Folha, ele afirmou que se guiará por duas métricas: aprendizagem e frequência
escolar. “Quero que os alunos saiam da escola pública sabendo matemática e
língua portuguesa”, disse. Por óbvio, a formação escolar vai muito além dessas
disciplinas − e Feder fala em ampliar o ensino técnico, o que é correto –, mas
as escolas públicas paulistas e brasileiras estão longe de garantir que seus
estudantes aprendam o básico de português e matemática, ponto de partida para
os demais conteúdos. Então, sua ênfase no essencial é bem-vinda.
Uma das estratégias diz respeito à rotina
do trabalho docente: Feder quer que a rede estadual dê maior apoio aos
professores na preparação das aulas. Acertadamente, ele defende a necessidade
de se aprimorar a forma como os conteúdos são apresentados aos estudantes. Eis
um tipo de ação que pode otimizar o tempo em sala de aula e despertar mais
interesse nos alunos. Sim, é possível tornar o exercício do magistério mais
efetivo, resultando na melhoria da aprendizagem.
Ao Estadão, Feder explicou que a ideia é
produzir materiais que orientem os professores na tarefa cotidiana de
preparação das aulas − respeitada a autonomia de quem não tenha interesse em
receber ajuda. Em outra frente, ele citou a possibilidade de que professores
mais experientes sejam designados para apoiar colegas, atuando como tutores. Há
boas experiências nesse sentido.
Outro ponto envolve os diretores de escola:
a intenção é que esses profissionais se dediquem às questões pedagógicas,
apoiando mais os professores. Essa deveria ser a regra, uma vez que a
aprendizagem dos alunos é a verdadeira razão de ser da escola. É comum, porém,
que diretores fiquem reféns da rotina administrativa, sem tempo para se dedicar
às atividades de ensino, o que obviamente é um erro.
Para levar seus planos adiante, Feder terá que superar a enorme distância entre o gabinete do secretário e a realidade das salas de aula. Não raro, infelizmente, boas ideias e mesmo as melhores das intenções sucumbem durante essa travessia. Como se sabe, redes de ensino são estruturas capilarizadas, e não há política educacional que se concretize sem o engajamento direto dos professores – ainda mais quando se trata de repensar o trabalho docente. O novo governo, por mais proativo que pareça o secretário de Educação, terá que se mostrar capaz, em primeiro lugar, de ouvir.
Novos rumos da Petrobras inquietam
investidores
Valor Econômico
Políticas sugeridas podem reverter abertura
do setor
Foi necessário o presidente indicado para
comandar a Petrobras no novo governo, o ex-senador Jean Paul Prates, vir a
público para acalmar inquietações nos mercados sobre possível intervenção na
estatal e adoção de política de preços desvinculada das cotações
internacionais. O relatório final da equipe de transição sobre o assunto,
divulgado ontem, decerto não colaborou para afastar a impressão de mudança
radical nos rumos da empresa.
O relatório, já entregue ao ministro de
Minas e Energia, pretende reencenar velhas políticas para a Petrobras, quando
ela foi palco do escândalo do petrolão. O Plano Estratégico da companhia teria
de ser revisto, pois “é insuficiente para retomar a participação da estatal em
setores-chave, principalmente o mercado de abastecimento (refino e
distribuição) e de biocombustíveis”.
O tom dominante é o de volta do monopólio.
A distribuição no varejo foi privatizada e não é absurdo imaginar que se queira
reeditar a BR. Além disso, a Petrobras já é dominante no refino e “retomar a
participação” só faz sentido com 100% do mercado, ou seja, sem a presença da
iniciativa privada. Mais à frente, o documento diz que a capacidade de refino é
deficitária, sugerindo que a meta é a autossuficiência que a área esteja toda
nas mãos da estatal.
A retomada dos investimentos nas refinarias
seria importante para evitar que o país se torne “refém” das importações e
continue sujeito “a abruptas oscilações dos preços internacionais”. Para isso,
deveria haver uma “política pública de expansão do refino nacional”. De maneira
geral ela englobaria “uma nova política de conteúdo nacional visando reinserir
os fornecedores nacionais na cadeia produtiva de óleo e gás” - uma política
testada e fracassada.
Estas políticas podem ou não ser as que
prevalecerão agora - não deveriam ser. A política de preços que o governo de
Lula pode querer implantar guarda semelhança com projeto aprovado no Senado
(hoje submerso na Câmera), cuja relatoria foi de Prates e o autor, o senador
petista Rogério Carvalho. As declarações de Prates ontem seguem em linha com
ele.
Prates ressaltou que a nova política não
acabará de todo com a referência a cotações internacionais. O artigo 3º do
projeto diz que os preços internos do diesel, GLP, gasolina “deverão ter como
referência as cotações médias do mercado internacional, os custos internos de
produção e os custos de importação, desde que aplicáveis”. Prates também disse
que não haverá interferência direta no mercado ou tabelamento, no que em
princípio está correto. O projeto de lei, porém, cria uma banda de preços para
os combustíveis regulada pelo Executivo, que estabelecerá margens de variação,
frequências de reajustes e “mecanismos de compensação”.
Os preços praticados pela Petrobras e pelo
mercado não seriam limitados pela banda, cuja finalidade é outra, subsidiar os
consumidores toda vez que os reajustes da Petrobras ultrapassassem o teto de
variação. De onde viria o dinheiro para isso? De um Fundo de Estabilização, que
Prates defende. E os recursos do Fundo, de onde viriam? A ideia original era
criar um imposto sobre exportação de petróleo bruto que seria tanto maior
quanto maior fosse a cotação, variando de 0 a 20%. Os senadores rejeitaram o
imposto e as possíveis fontes do fundo seriam os dividendos da Petrobras,
receitas do regime de partilha, royalties etc.
Ainda que não intervenha nos mecanismos de
preços de mercado, uma consequência de fixação de preços como essa é eliminar
aos poucos a concorrência privada. Nas justificativas do projeto, o senador
Carvalho diz que o custo de extração da Petrobras no pré-sal é de US$ 6 e, com
todos os custos incluídos, de US$ 40 no refino. Considerar os custos domésticos
os tornaria menores do que o dos importação, e alijaria concorrentes. As
refinarias privadas que existem no país têm custos alinhados com os que a
Petrobras têm, ou um pouco mais altos. Seria muito difícil a elas concorrer com
a estatal. Essas ideias trariam de volta a gigante Petrobras monopolista,
anulando a abertura hesitante existente hoje.
Lula e o governo contam que, com a
aprovação de Prates para presidir a Petrobras, os preços dos combustíveis caiam
logo. Prates e a nova diretoria podem, como ocorreu na definição do PPI,
definir nova política de imediato, sem complementos das bandas e do fundo de estabilização.
Causaria um barulho político considerável.
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